Título: Para Sarney, Venezuela deve ficar fora do Mercosul
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2007, Brasil, p. A4

O senador José Sarney (PMDB-AP) atacou duramente ontem, em discurso, o presidente Hugo Chávez e alertou para o "perigo" aos demais países da América Latina que representa a militarização da Venezuela. Para ele, pode ser o início de uma "corrida armamentista" no continente. Sarney previu que o Congresso brasileiro não aprovará a entrada da Venezuela no Mercosul porque o governo Chávez está ferindo a cláusula de defesa democrática do tratado.

"Nós fizemos um pacto, aqui no continente. Com Alfonsín (Raul Alfonsín, presidente argentino criou as bases do Mercosul junto com Sarney, então presidente brasileiro), foi este o primeiro juramento que nós fizemos: o de só aceitarmos no Mercosul países que fossem democratas", disse Sarney. E acrescentou que no momento não há como considerar que a Venezuela seja uma democracia exemplar. "Na hora em que acaba a alternância do poder, acaba com o coração da democracia", disse.

Da tribuna, Sarney reagiu ao fato de ter sido pessoalmente criticado, na Venezuela, pelo deputado Carlos Escarrá, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembléia Nacional da Venezuela, que o chamou de "lacaio e servil" por estar condicionando a participação do país no Mercosul à existência de democracia. O deputado teria afirmado que a "democracia venezuelana é, hoje, a mais perfeita do mundo".

Sarney disse não ter, pessoalmente, nada contra Chávez. Mas que, como presidente eleito pela Aliança Democrática, com um programa construído para restaurar a democracia no país, considera sua "obrigação" defender os princípios democráticos.

"É um perigo ao Brasil e à América Latina que tenhamos uma potência militar instaurada aqui dentro do continente. Se não temos recursos no Orçamento para destinarmos às forças militares - nem o Brasil e nem os outros países da América Latina -, uma corrida armamentista na América Latina nos obrigaria a desviar do nosso caminho de investir na área social para termos que fazer o equilíbrio militar. Se não tivermos equilíbrio militar, significará um extraordinário perigo ao Brasil", disse.

Sarney afirmou que Chávez está fazendo da Venezuela uma "potência militar", ao investir R$ 4 bilhões em armas, caças de última geração, armamento de submarinos e foguetes que, segundo ele, "absolutamente não têm o sentido de defesa". Mas a condenação do senador ao governo Chávez não se limita à militarização. Citou, entre outros, o poder de Chávez de criar ou suprimir províncias, cidades, distritos funcionais, municípios federais, regiões marítimas, regiões estratégicas, além de designar e remover suas autoridades.

Enumerou, ainda, que Chávez poderá destituir o vice-presidente e nomear vice-presidentes para governar as novas regiões, além de promover oficiais das Forças Armas em todos os graus e hierarquias, administrar a fazenda pública e as reservas internacionais. "Que democracia, senhor presidente, eles estão construindo!", ironizou Sarney, lembrando que Chávez declarou ser a democracia venezuelana "a melhor do mundo".

Segundo Sarney, os políticos brasileiros têm de ficar "apreensivos" e alertar Chávez de que ele "não terá solidariedade do Brasil e nem do continente em qualquer aventura que transforme a Venezuela num país ditatorial, longe dos ideais democráticos". Lembrou que a América do sul é um continente pacífico, onde há cem anos não há guerras. No caso do Brasil, lembrou a existência de fronteira com dez países, cujos problemas são resolvidos de forma pacífica. "Portanto, não podemos admitir outra fórmula que não a do diálogo para resolver os problemas do continente, nunca o caminho das armas", disse.

Segundo Sarney, para aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul, o Congresso deve examinar se o país está cumprindo esse item fundamental: a existência de uma democracia.

"Pelo clima que tem aqui no Congresso, a Venezuela precisa mostrar que está pronta para alinhar-se com as regras democráticas. Se aprovássemos a entrada da Venezuela no Mercosul, estaríamos violando a cláusula democrática prevista no tratado", afirmou Sarney em entrevista, depois do pronunciamento.

Sarney negou que o governo brasileiro esteja sendo leniente com a política de Chávez. "Não há como um país ter outra posição senão respeitar. Não há como interferir", afirmou. Para ele, o fato de Lula defender publicamente a alternância de poder está dando um recado em defesa da democracia.

Segundo Sarney, como o Brasil é uma "democracia pluralista", cabe aos políticos do país alertarem para o perigo que a militarização da Venezuela causa ao continente. "É uma posição de força (a aquisição de armamento pesado pela Venezuela). Provoca um desequilíbrio estratégico no continente. Isso é inaceitável", afirmou.