Título: Considerações sobre a adesão da Venezuela ao Mercosul
Autor: Mendes, Ricardo Camargo ; Narciso,Thaís
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Opinião, p. A14

O Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, firmado por seus respectivos presidentes em Caracas no dia 04/07/2006, aguarda ratificação dos Congressos brasileiro e paraguaio para entrada em vigor.

A Comissão de Relações Exteriores da Câmara ratificou o protocolo na última quarta-feira e este, agora na qualidade de decreto legislativo, deve ainda ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário da Câmara, antes de ser submetido ao Senado. O protocolo provocou, e continua provocando, um intenso e inédito debate sobre uma questão de política externa, tanto no Congresso como na sociedade. O contexto é, sem dúvida, de grande politização do debate.

Entretanto, se um esforço for feito para manter a discussão num campo estritamente técnico, seguindo o costume legislativo de ratificação de acordos internacionais, não há, em princípio, justificativas procedimentais para a não-adesão da Venezuela ao Mercosul.

Nesse sentido, faz-se necessário destacar alguns fatores que caracterizam as ações do Congresso em relação aos assuntos internacionais. Primeiramente, vale notar que a Constituição brasileira concede ao Executivo a atribuição relativa à formulação e execução da política internacional do país, particularmente sob responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores.

Em adição, o mecanismo de controle do Legislativo sobre o Executivo tem caráter ex-post. Ou seja, o Executivo tem competência para negociar acordos internacionais, cabendo ao Legislativo a função de avaliá-los e ratificá-los. Assim, frente ao elevado número de acordos internacionais submetidos à aprovação do Congresso e ao alto grau de conhecimento específico que eles requerem, este caráter ex-post de controle mostra-se problemático, pois dificulta a atuação do Legislativo nos processos de tomada de decisão de assuntos internacionais. Uma vez que um acordo já foi negociado internacionalmente, sua alteração fica dificultada.

Apesar deste cenário, os temas de política externa vêm ganhando maior atenção no debate nacional, sinalizando pequenas, porém marcadas, alterações no padrão de ratificação de acordos internacionais no Congresso Nacional. Os exemplos emblemáticos referem-se aos casos dos acordos bilaterais de investimentos (BIT) e ao Acordo Brasil-EUA para uso do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), que após a negociação pelo Executivo não foram aprovados pelo Legislativo federal. No mais, destaca-se o esforço dos parlamentares para participar da negociação da dívida externa junto ao FMI.

-------------------------------------------------------------------------------- O Protocolo de Adesão é instrumento jurídico que segue o padrão de demais acordos comerciais assinados pelo Brasil --------------------------------------------------------------------------------

Em essência, embora seja possível constatar um maior envolvimento de membros do Congresso nas negociações internacionais, trata-se ainda de uma tendência incipiente que acompanha o recente processo de internacionalização da economia brasileira.

Se analisados os acordos comerciais ratificados pelo Legislativo, nota-se que os últimos têm como objetivo selar a intenção de cooperação econômica entre as partes, deixando, muitas vezes, a serem posteriormente negociadas questões específicas referentes à implementação dos objetivos descritos e das exigências técnicas que os últimos pressupõem.

Via de regra, uma estrutura institucional é criada - Grupos de Trabalho ou Comissões Técnicas - e ela se responsabiliza pela execução futura dos objetivos acordados. Compete a esse acordo-quadro estabelecer a estrutura e a metodologia das negociações comerciais. Assim, acordos da ordem do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul tendem a representar um primeiro passo do processo de cooperação econômica, delimitando apenas as primeiras diretrizes para o processo de liberalização, mas sem delimitar condições fechadas.

Dessa forma, o Congresso vem ratificando de forma rápida e com pouca polêmica acordos comerciais que por sua própria natureza apresentam proposições ambiciosas e abrangentes, deixando questões técnicas para futura resolução e execução. Esse padrão fica claro se considerados o Tratado de Assunção (Decreto Legislativo 197/91, 26/06/1991), instrumento jurídico estruturante do Mercosul que institui diretrizes para a criação de um mercado comum; da Rodada Uruguai consolidada no texto do GATT-1994 (Decreto Legislativo 30/94, 16/12/1994), principal acordo multilateral vigente; e do Acordo-Quadro Inter-Regional de Cooperação entre a Comunidade Européia e os seus Estados Membros e o Mercosul e os seus Estados-Partes (Decreto Legislativo 10/97, 05/02/1997), primeiro acordo firmado com um bloco regional.

É sob a luz desses argumentos que o Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul deve ser considerado. Trata-se de instrumento jurídico que segue o padrão dos demais acordos comerciais assinados pelo Brasil, uma vez que ao mesmo tempo em que apresenta características generalistas de acordo-quadro, estabelece alguns mecanismos de implementação dos objetivos vislumbrados. Fica claro que com a criação do Grupo de Trabalho incumbido de estabelecer e executar uma metodologia de negociações, o protocolo não se propõe a detalhar a cooperação entre as partes, não sendo, portanto, um instrumento que estabeleça proposições fechadas e definitivas.

Conseqüentemente, não existe nenhum elemento no Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul que o distancie dos acordos ratificados pelo Congresso até o momento. Além disso, é importante considerar também que tanto a Argentina como o Uruguai já ratificaram o Protocolo de Adesão, confirmando o argumento de que não há barreiras procedimentais para a ratificação.

Não havendo barreiras técnicas e procedimentais para a aprovação do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, a discussão sobre o tema deve ser focada na avaliação do impacto econômico e político da entrada da Venezuela no Mercosul e da maior ou menor convergência desses com os interesses estratégicos do Brasil.