Título: Saco sem fundo
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 21/01/2011, Economia, p. 12

Arrecadação de impostos bate o recorde no ano passado, atingindo R$ 826,05 bilhões. Volume de recolhimento no governo Lula foi 63,6% maior do que nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso

Os oito anos de governo Lula deixaram um extenso legado econômico e social, mas custaram aos contribuintes e às empresas brasileiras 63,6% a mais do que os dois mandatos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. A arrecadação de impostos federais acumulou desde 2003 o equivalente a R$ 5,4 trilhões, corrigidos pela inflação do período, enquanto, entre 1995 e 2002, a carga somou um volume que, hoje, valeria R$ 3,3 trilhões. O apetite voraz resultou, no ano passado, no recolhimento recorde de R$ 826,065 bilhões, avanço de 9,85% sobre o obtido em 2009 ¿ somente em dezembro, os cofres públicos foram engordados em R$ 90,882 bilhões.

Os dois períodos tiveram peculiaridades. FHC subiu alíquotas de alguns impostos já existentes e criou outros, como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), para tentar sustentar o país durante a travessia de quatro crises internacionais ¿ Rússia, México, Ásia e Brasil.

No único abalo internacional que enfrentou, Lula desonerou alguns setores, via redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e correção em 4,5% ao ano da tabela de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). O plano era estimular a economia e sustentar a pesada máquina pública, ampliada durante sua gestão. A estratégia deu certo, mas todo o dinheiro cobrado dos consumidores com a justificativa de manter os serviços públicos básicos funcionando continua longe de ser revertido em atendimento à população.

A vendedora Rosecleide Leal, 45 anos, está insatisfeita com o valor que desembolsa em tributos, dentre os quais destaca o Imposto de Renda, equivalente a quase um terço de seu salário. ¿Às vezes, dá vontade de ficar com a situação irregular mesmo, porque estar dentro da lei custa muito¿, desabafou. Além dos impostos federais, ela reclama dos valores das tarifas cobradas em âmbito estadual ¿ IPTU e IPVA ¿ que, somados, chegaram a R$ 1,2 mil em 2010. ¿Esse é o valor de duas prestações do meu carro, que já está acabado por conta dos buracos na rua. Eu pago e não recebo nada em troca, nem uma pista decente.¿

O novo secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, considerou positivo o aumento do recolhimento de impostos durante o governo Lula. ¿Tirando o ano da crise, a arrecadação se conformou dentro do esperado, com base nos indicadores macroeconômicos, e respondeu ao crescimento da atividade no país¿, afirmou. No ano passado, os índices mencionados pelo secretário deram o tom do avanço da arrecadação. A produção industrial cresceu 11,71%, enquanto o comércio varejista subiu 14,43% e a massa salarial teve incremento de 13,23%. ¿Esses fatores contribuíram significativamente para ultrapassarmos os R$ 90 bilhões em dezembro. Não poderia ser diferente¿, completou.

Cada um desses indicadores influencia diretamente alguns dos tributos que registraram as maiores somas no ano passado. Entre eles, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o PIS, que, juntos, registraram R$ 184,7 bilhões, em alta de 14,66%, e a Receita Previdenciária, que se expandiu em 10,73%, chegando a R$ 239,2 bilhões. Apesar de o aquecimento econômico ser positivo para os empresários, a carga tributária dificulta o desenvolvimento dos negócios.

Pedro Alexandre Moura Barros, 22 anos, abriu uma microempresa de venda direta há quatro meses e, por causa dos impostos, ainda não conseguiu contratar funcionários. ¿Trabalhamos eu, meu sócio e minha irmã. Gastamos cerca de R$ 15 mil com tributos de notas fiscais no mês passado. É muito caro¿, reclamou. Segundo ele, essa quantia poderia ser menor. ¿Pagamos e não vemos o benefício. Esse dinheiro poderia ir para investimentos internos.¿

Barreto espera que o vigor da arrecadação continue forte e estimou um crescimento nominal este ano em torno de 10%. Entretanto, evitou fazer uma previsão de avanço real (acima da inflação). ¿É preciso esperar para ver como a economia e a inflação vão se comportar¿, justificou. Ele evitou comentar a possibilidade de aumento na carga tributária total. ¿Torço para que a economia cresça, para que a produção aumente e o emprego avance, o que vai levar a uma arrecadação em níveis mais altos, mas a carga continua a mesma. O governo, aliás, continua reduzindo impostos para investimento.¿

O secretário admitiu que, mesmo tendo um caráter regulatório predominante, com a função de evitar a entrada de capital estrangeiro de curto prazo no país, e não arrecadatório, o aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% para 6% foi um dos reforços da arrecadação. O valor recolhido nessa rubrica foi de R$ 27,2 bilhões, 31,62% superior ao de 2009.

IMPOSIÇÃO DIRETA » A ocupação do cargo de secretário da Receita Federal por Carlos Alberto Barreto foi uma imposição direta da presidente, Dilma Rousseff, na equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A nova chefe da República sempre foi ligada a Barreto que, na época em que era adjunto do então secretário Jorge Rachid, preparava, com a equipe da Casa Civil, as medidas provisórias de matéria tributária. Quando Rachid caiu, Dilma queria que Barreto assumisse o posto, mas perdeu a queda de braço com Mantega por ainda não ter a influência política necessária. Ao sentar-se na cadeira mais alta do Executivo, no entanto, Dilma fez valer a sua força e exigiu a nomeação de Barreto. Para completar, colocou no lugar de Nelson Machado ¿ ex-secretário-executivo que indicou Lina Maria Vieira e Otacílio Dantas Cartaxo, antecessores de Barreto ¿ seu queridinho Nelson Barbosa.

Calendário diferente

Entre os principais tributos federais afetados pela crise internacional, apenas o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ainda não se recuperaram. Juntos, os dois renderam à União R$ 138,6 bilhões no ano passado, num recuo de 0,14%. A demora se deve à diferença nos calendários de pagamento dos impostos das companhias, de acordo com o tipo de atividade que exercem.

As empresas que recolhem pelo regime do lucro presumido (uma estimativa anual de vendas) já experimentaram no ano passado um avanço de 17,71% no pagamento dos impostos, uma vez que estavam sob o reflexo da recuperação econômica. O mesmo ocorreu com os grupos que pagam ao Fisco com base na estimativa mensal de lucros e amargaram alta de 6,50%. As companhias remeteram à Receita R$ 29,3 bilhões e R$ 72,1 bilhões, respectivamente.

Para as companhias que fazem os cálculos segundo balanços trimestrais, a arrecadação caiu 3,60% no ano passado, para R$ 7,9 bilhões. O recuo ocorreu porque os resultados registrados até agora estão influenciados ainda pelo último trimestre de 2009, período no qual a crise ainda prejudicava o funcionamento dos negócios. O menor ritmo de atividade ocasionou uma queda no recolhimento.

As pessoas jurídicas que acertam as contas com o Leão da mesma forma que as pessoas físicas ¿ por meio de declaração de ajuste ¿ foram as que menos contribuíram com o avanço do recolhimento de impostos. A queda foi de 32,65%, refletindo as operações de todo o ano de 2009, o que incluiu a maior parte das turbulências nos mercados doméstico e internacional.

O secretário da Receita, Carlos Alberto Barreto, acredita que será possível observar uma recomposição desses tributos a partir do primeiro trimestre de 2011, começando pelos contribuintes que apuram lucro pelo balanço trimestral. ¿Não dá para ter uma previsão exata, porque algumas empresas podem preferir utilizar compensações e abatimentos de impostos a que têm direito. Mas vemos com otimismo a recuperação do recolhimento de IRPJ e de CSLL no ano que vem¿, avaliou. (GC)