Título: Gás sob o risco da omissão
Autor: Ludmer, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2007, Opiniao, p. A14

Apesar de urgente e importante, a Lei do Gás Natural atrasa sua marcha no Congresso. Oriunda do Senado, a ele deve retornar, depois de alterada na Câmara Federal (Projeto de Lei 334/07). Não obstante, o projeto deve ser melhorado pelos senadores, volvendo ao julgamento definitivo dos deputados. Porém, enquanto isso, grandes investimentos esperam por legislação segura.

A última forma do projeto de lei referendada na Câmara (relator João Maia) inovou, pois: 1) estabelece o regime de concessão para gasodutos de transporte, mantendo autorização apenas para gasodutos internacionais ou de interesse específico de um único usuário final, respeitando-se as autorizações vigentes; 2) permite o acesso de terceiros a gasodutos de transporte; 3) define o regime de autorização para atividades de importação, exportação, liquefação e regaseificação, e possibilita ao importador destinar o insumo importado a atividades econômicas por ele desenvolvidas (porém, não diz como, uma vez que o gasoduto de transferência restringiu-se à exploração e produção); 4) fixa a competência do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) para estabelecer preços do gás como matéria prima; 5) cria um comitê específico para situações de contingenciamento (coordenado pelo Ministério de Minas e Energia), capaz de definir cortes em casos de déficit; e, 6) desenha a comercialização, ressalvando o disposto no artigo 25 da Constituição Federal, parágrafo segundo.

Muitas questões, entretanto, ainda permanecem pendentes. A atividade de exploração e produção segue regida pela Lei do Petróleo (nº 9478/97), de quando o foco brasileiro era o óleo e não o gás incipiente. Havia dificuldade de monetizar o gás natural, sendo que sua comercialização demandaria pesados investimentos, desde a produção até o consumidor final do produto.

Houve, desta vez, um claro esforço de separar a atividade econômica do universo do serviço público. Todavia, no gás, deve-se respeitar seu notável paralelismo com o setor elétrico, no qual os grandes investimentos dos autoprodutores agregaram, em dez anos, 6,5 GW ao parque gerador nacional.

Erradamente, no projeto de lei, o consumo próprio do gás natural foi, pelo legislador, diferenciado do uso em atividade econômica. São aspectos que inibem enormes investimentos potenciais, no Brasil, em auto-importação, autoprodução e transporte por parte da indústria de base (mineração, em particular).

Pelo texto legal, ainda na berlinda, moléculas de gás novo não seguiriam, diretamente, para unidades industriais da Petrobras (crescendo na petroquímica); porém, muitos outros segmentos seriam igualmente punidos. Observe-se que o autoprodutor carece de uma norma explícita que garanta confiabilidade em sua atuação.

Dessa forma, não se resguarda de modo explícito a figura do consumidor livre de gás natural, nem há a devida distinção da atividade de distribuição do gás vis-à-vis sua comercialização (vide a desverticalização no setor elétrico distribuidor brasileiro).

Esta separação é essencial para o agente consumidor livre, que surgirá em São Paulo, na área da Comgás, já em 2011. E, no Rio de Janeiro, em volumes de consumo superiores a 100 mil metros cúbicos por dia, que, sob certas condições, já poderia nascer.

-------------------------------------------------------------------------------- Assim como no setor elétrico, autoprodutores podem investir e contribuir na expansão do setor de gás natural --------------------------------------------------------------------------------

O projeto de lei sangra a maioria dos consumidores brasileiros de energia elétrica, que não deveriam ser onerados com o encargo da Contribuição para o Desenvolvimento Econômico (CDE), cujos recursos, pela nova lei, também financiarão gasodutos. O ferimento atinge a modicidade tarifária.

Os congressistas estarão se equivocando ao se omitirem nesses comandos legais relevantes para o desenvolvimento sustentável do Brasil. Novos agentes autoprodutores são urgentes e importantes, convenientes e desejáveis para elevar a oferta interna.

O mercado de gás natural vive hoje um momento delicado, pois não há oferta suficiente para garantir o abastecimento das indústrias e o das termelétricas simultaneamente. Assim como no setor elétrico, os autoprodutores podem, em condições favoráveis, investir e contribuir na expansão do setor de gás natural, acelerando sua exploração e produção.

É o caminho para a obtenção de volumes estratégicos de gás natural e de energia elétrica a um custo menor, elevando a competitividade econômica do Brasil, num avanço sustentável, mais emprego e renda.

No projeto urge mudar, em prol da contribuição desses agentes da cadeia produtiva, a caracterização dos gasodutos de transferência, que visam levar o gás dos poços produtores até suas plantas industriais, onde entram na fabricação de bens ou na geração de energia elétrica.

Assim, para nós, gasoduto de transferência é um duto destinado à movimentação de gás natural, considerado de interesse específico e exclusivo de seu proprietário. Este conceito permitirá maior otimização e racionalização econômica, num ganho para todo o país.

Esse teor não fere o direito de nenhum agente, uma vez que não há comercialização (preocupação dos Estados), não há uso de ativos de distribuidoras, que não devem ser remuneradas. Se e quando utilizá-los, que sejam remunerados, desde que faça sentido econômico. Naturalmente, os comandos legais evitarão abuso de poder, uma vez que a distribuidora poderá construir uma rede otimizada que atenda a vários agentes, com vantagens para todos e ganhos de escala.

Desde logo, patriota, ergo um brinde e meu voto à capacidade de o Congresso Nacional nos conduzir a um futuro brilhante, no adolescente mercado brasileiro de gás natural.

Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor de Comunicação da FAAP e convidado em Política Energética pelas escolas de engenharia da USP, FEI e Mackenzie, consultor e escritor com o site www.pauloludmer.com.br .