Título: Uma faxina nas instituições da AL
Autor: Ackerman, Susan; Lomborg, Bjørn
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2007, Opiniao, p. A15

É difícil separar as causas das conseqüências da corrupção que atormenta muitos países da América Latina e Caribe. A corrupção limita o crescimento, porém o baixo crescimento em si estimula a corrupção e dificulta o aprimoramento da eficácia do governo. Em todo caso, a corrupção por si só não é o problema essencial. Mais propriamente, ela simboliza e acentua as deficiências básicas na operação do Estado e suas interações com cidadãos e empresas.

Algumas instituições são tão vitais que ou produzem um Estado justo e competente, quando funcionam bem, ou um Estado corrupto, injusto e ineficaz, quando funcionam inadequadamente. A promoção de uma faxina nessas duas instituições - setor público e Judiciário - deveria ser uma prioridade para muitos governos na região.

Pesquisas realizadas em El Salvador, Nicarágua, Bolívia e Paraguai na década passada mostraram que pessoas expostas à corrupção depositam menos confiança no sistema político e menos confiança nos demais cidadãos. Os nicaragüenses foram perguntados se o pagamento de propinas "facilita resolver as pendências na burocracia". Aqueles que concordaram com a afirmação de que a corrupção funciona nutriam menos respeito pela legitimidade do sistema político.

Uma burocracia em bom funcionamento também é algo necessário, pois contribui para o crescimento econômico. Apenas uma pequena parcela dos desafios mais importantes desta região poderá ser equacionada com êxito, a menos que o Estado consiga administrar programas públicos complexos.

As fontes do fracasso da administração pública incluem falta de profissionalismo no funcionalismo; normas jurídicas confusas, complexas e vagas; gestão ineficaz das finanças do governo; distribuição precária de tarefas através dos níveis de governo; e a dificuldade de obrigar autoridades a prestar contas por seus atos. Deficiência em qualquer uma destas áreas cria incentivos para corrupção, ociosidade e incompetência.

Aumentos nos salários dos servidores públicos não são uma resposta política suficiente: reformas estruturais também se fazem necessárias. Países com mais funcionários públicos independentes e profissionais tendem a ter burocracias de maior qualidade e menos corrupção.

Um sistema judiciário competente e funcionando bem é condição necessária para estabelecer a primazia da lei. Os níveis de crime organizado são mais baixos em países com Judiciários independentes. No Equador, a incerteza jurídica e demoras na fiscalização de contratos desestimulam investimentos. Outro estudo baseado em entrevistas detalhadas com empreendedores equatorianos indica que o nível de investimento aumentaria em 10% se o Judiciário estivesse nivelado com os mais eficazes sistemas de tribunais de justiça.

Uma pesquisa pelo continente, conduzida pela Latinobarometer, apurou que 20% a 40% dos latino-americanos não manifestou "nenhuma confiança" no Judiciário. Os pesquisadores descobriram que, no México, oito em dez casos nos tribunais foram abandonados. Esse número dá a entender que dirigir-se a um tribunal de justiça pode ser uma iniciativa ingrata, e que muitos litígios provavelmente jamais chegarão aos tribunais. Uma pesquisa peruana revelou que o Judiciário era a instituição mais corrupta. A incidência de suborno era alta, com um desconcertante índice de 42% de propinas pagas ao Judiciário.

-------------------------------------------------------------------------------- Pesquisa da Latinobarometer apurou que 20% a 40% dos latino-americanos não manifestou nenhuma confiança no Judiciário --------------------------------------------------------------------------------

Uma forma de melhorar a administração de programas públicos é ir até a raiz e mudar a forma como os governos fornecem bens e serviços e administram programas. Colocar ênfase nos sistemas automatizados e informatizados para compras e cobrança de receitas ajudará em muito a limitar a corrupção.

Essa reforma deve ser elaborada com uma avaliação cuidadosa do ambiente regulador para a iniciativa privada, visando eliminar ou otimizar as normas. Por exemplo, apesar de no Peru a corrupção ser amplamente disseminada, as reformas governamentais que reduziram as alíquotas de impostos conseguiram elevar a receita tributária de 8,4% do PIB em 1991 para 12,3% em 1998, e aumentar o número de contribuintes de 895 mil em 1993 para 1,766 milhão em 1999.

Certamente nem todos os programas foram bem-sucedidos, porém alguns casos de reformas promovidas nas áreas de aquisições e receitas tiveram benefícios 100 vezes maiores que os custos. Ainda que os ganhos tenham sido muito menores, está claro que isso representaria um sólido investimento no futuro da região.

O governo também pode reduzir a corrupção limitando o alcance das suas atividades. A América Latina experimenta atualmente um movimento de reação contra a privatização, uma tendência que ressalta a importância da reforma do setor público. As iniciativas de privatização são muitas vezes altamente salientes politicamente e são impopulares. A terceirização de algumas atividades para organizações sem fins lucrativos/não-governamentais deve ser considerada, em conjunto com monitoramento externo melhorado. Por exemplo, a Guatemala terceirizou o atendimento básico de saúde e serviços de nutrição para 3,4 milhão de pessoas a um custo de US$ 6,25 per capita. Os estudos demonstram que os benefícios são maiores que os custos.

O desempenho da burocracia também será melhorado pela provisão de agências de auditoria melhoradas e ombudsmen (funcionários incumbidos de investigar reclamações contra o governo) e pela sociedade civil monitorando a corrupção, com provisão de assistência técnica e informação alocada centralmente pelo governo ou por organizações não-governamentais. Quanto ao Judiciário, está claro que salários mais altos para juízes e funcionários, sistemas de computação superiores e outros equipamentos técnicos melhorarão a eficácia e o desempenho dos tribunais. Isso significará menos tempo desperdiçado e mais clareza para litigantes. Eliminar a burocracia que trava o processo jurídico não custará nada, mas potencialmente produzirá benefícios em larga escala.

A criação de um sistema novo, alternativo e independente de resolução de disputas fora dos tribunais deverá custar algo, porém o procedimento garantirá a resolução mais ágil e mais aceitável de litígios rotineiros. A Colômbia implantou com sucesso um sistema judicial alternativo usando Conselhos Comunitários, que lidam com disputas de títulos de terras.

A reforma judiciária e burocrática deve ter prioridade na maioria dos países da América Latina. No mínimo, há uma crise de confiança e, na pior hipótese, essa falta de confiança é muito merecida.

Susan Ackerman é professora de Direito e de Ciências Políticas na Yale University.

Bjørn Lomborg é professor adjunto na Escola de Negócios de Copenhague. © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org