Título: A demanda desenfreada de energia
Autor: Wolf , Martin
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2007, Opinião, p. A17
O aumento na demanda de energia da China entre 2002 e 2005 foi equivalente ao atual consumo de energia anual do Japão". Essa pepita de informação, escondida no mais recente "Panorama da Energia Mundial" da Agência Internacional de Energia (AIE), revela quase tudo o que precisamos saber sobre o que está acontecendo na economia da energia no mundo. A teoria neoclássica da economia analisava o crescimento econômico em termos de capital, trabalho e progresso técnico. Agora, porém, penso que é mais instrutivo conceber os propulsores fundamentais como sendo energia e idéias. Instituições e incentivos oferecem a estrutura, na qual o desenvolvimento e a aplicação de conhecimento útil transformam a luz solar fossilizada da qual dependemos num fluxo de mercadorias e serviços que apreciamos.
Este é o mundo de abundância ao qual China e Índia agora estão se associando. Nada à exceção de uma catástrofe poderá detê-los. Para os pessimistas, porém, os pessimistas da mudança climática, em particular, a catástrofe virá como conseqüência. O que está certo é que os desafios adiante são gigantescos. Eis, portanto, os destaques do novo relatório:
Primeiro, se os governos se ativerem às políticas atuais (que a AIE chama de "cenário de referência"), as necessidades de energia do mundo serão mais de 50% superiores em 2030 às de hoje, sendo que os países em desenvolvimento respondem por 74%, e China e Índia, sozinhas, por 45% do crescimento na demanda.
Segundo, esse enorme aumento na demanda total acontecerá mesmo se a intensidade de energia do produto mundial bruto cair a uma taxa de 1,8% ao ano.
Terceiro, os combustíveis fósseis deverão representar 84% do aumento no consumo global de energia entre 2005 e 2030.
Quarto, os recursos de petróleo do mundo são, insiste a AIE, suficientes para atender às demandas a preços próximos de US$ 60 o barril (em dólares de 2006). A parcela de fornecimento mundial proveniente dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), porém, aumentará de 42% para 52%. Além disso, "um aperto no lado da oferta no período que se estende até 2015, envolvendo uma escalada súbita nos preços do petróleo, não pode ser descartada".
Quinto, a proporção do carvão na energia comercial do mundo deverá aumentar de 25% para 28% entre 2005 e 2030, devido ao seu papel na geração de eletricidade. China e Índia já respondem por 45% do consumo mundial de carvão e induzem mais de 80% do aumento em relação ao "cenário de referência".
Sexto, cerca de US$ 22 trilhões de dólares (pouco menos de metade do produto mundial bruto) precisará ser investido em infra-estrutura de abastecimento, para suprir a demanda ao longo do próximo quarto de século.
Sétimo, mesmo com medidas radicais de redução da intensidade de crescimento do consumo de energia segundo o "cenário de política alternativa", a demanda de energia primária global crescerá a 1,3% ao ano, somente 0,5 ponto percentual ao ano menos do que no "cenário de referência".
Oitavo, a China se tornará a maior consumidora mundial de energia, à frente dos EUA, imediatamente após 2010.
-------------------------------------------------------------------------------- Políticos dos EUA precisarão perguntar por que o seu país verte sangue e dinheiro para obter segurança no Oriente Médio em benefício da China --------------------------------------------------------------------------------
Nono, segundo o cenário de referência, as emissões de dióxido de carbono darão um salto, aumentando 57% entre 2005 e 2030. EUA, China, Rússia e Índia por si só contribuirão com dois terços desse incremento. A China se tornará a maior emissora do mundo neste ano e a Índia, a terceira maior, até 2015.
Décimo, mesmo segundo o "cenário de política alternativa" mais radical da AIE, as emissões de CO2 só se estabilizarão até 2025 e permanecerão quase 30% acima dos níveis de 2005.
O resto do mundo, portanto, quer desfrutar os estilos de vida intensivos em energia que têm sido, até agora, privilégio de menos de um sexto da humanidade. Esse desejo embute, porém, grandes conseqüências para o futuro econômico, estratégico e ambiental do mundo.
A pergunta econômica óbvia diz respeito aos preços futuros. Hoje, o preço do petróleo, deflacionado pelo valor unitário das exportações dos países de alta renda, é maior do que tem sido desde o começo do século XX. Salvo pelo surgimento de grandes avanços tecnológicos no fornecimento de energia, ou por vastas descobertas inesperadas de petróleo e gás, parece provável que a energia permanecerá relativamente cara.
Mesmo assim, para muitos, uma das surpresas da década de 1980 foi o vasto volume de oferta por fim suprida na cadeia produtiva e como o crescimento da demanda se manteve tão baixo após os choques do petróleo da década de 1970. Poderia um ajuste desta magnitude acontecer novamente e, caso afirmativo, a que velocidade? Ou deveríamos considerar a combinação de economias emergentes gigantes em crescimento acelerado e o predomínio de fornecedores de energia nacional como fundamentalmente diferentes?
As grandes questões estratégicas dizem respeito à segurança energética e ao deslocamento da balança de poder na direção de regimes não atraentes, sejam eles a Rússia de Vladimir Putin, a Venezuela de Hugo Chávez, o Irã de Mahmoud Ahmadinejad ou a Arábia da dinastia dos Saud.
A alteração na balança do poder ocorre de duas formas: primeiro, uma proporção crescente dos combustíveis vitais para o que hoje consideramos ser uma vida civilizada vem de apenas uns poucos países fornecedores, não necessariamente amistosos; segundo, esses países estão se tornando imensamente mais ricos. Consequentemente, estima-se que as receitas da Opep triplicarão (reconhecidamente, em dólares depreciados) entre 2002 e o ano atual.
O desafio à segurança decorre em parte da dificuldade de substituir o petróleo como combustível de transporte. Portanto, a concentração do fornecimento provável no Oriente Médio é, inevitavelmente, um motivo de preocupação. Assim o é, também, a crescente dependência da Europa sobre o gás russo.
Preocupações em torno da segurança energética também surgem em função do potencial de concorrência por abastecimento entre os grandes consumidores. A abordagem sensata é confiar no mercado. Isso pode ser difícil, porém, quando os preços disparam. Em algum momento, os políticos dos EUA precisarão perguntar por que o seu país verte sangue e dinheiro para obter segurança no Oriente Médio em benefício da China. O verdadeiro imperialismo - o intento de se apoderar dos recursos energéticos para benefício próprio - seria um erro medonho. Errar, contudo, é humano demais.
Por fim, temos o aquecimento global. Três pontos reluzem nessa questão. Primeiro, apesar das tolices ditas, nada eficaz foi feito ou, ainda, parece estar prestes a ser feito. Segundo, a política eficaz exigirá grandes mudanças nos incentivos em todo o mundo, inclusive, especialmente, nas grandes economias emergentes. Terceiro, mudanças dramáticas em tecnologia também serão necessárias, dentre as quais a mais importante será a dirigida à captura e armazenagem de carbono em usinas termelétricas.
Qual é a conclusão? É simples: a energia comercial é o esteio da nossa vida contemporânea. À medida que cresce a demanda por energia, nada é mais importante do que assegurar o fornecimento crescente e o uso eficaz, ao mesmo tempo controlando o dano ambiental. Os altos preços de hoje são um começo. Inovação básica e preços elevados sobre as emissões de gases-estufa virão em seguida.