Título: E ele criou a bolsa...
Autor: Camba , Daniele
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2007, EU & Investimento, p. D1

O pai da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) vê seu filho crescer e atingir a maioridade, às vésperas de sua abertura de capital. Eduardo da Rocha Azevedo fala com orgulho da bolsa que idealizou e que considera o seu maior feito profissional, em 42 anos de carreira e 58 de idade. Rocha Azevedo conta como conseguiu no grito criar a quarta maior bolsa de derivativos do mundo, que pode arrecadar R$ 5 bilhões no seu IPO (oferta pública, em inglês). "A bolsa do Eduardo vai inaugurar, depois vocês se acertam", disse o ministro da Fazenda na época, Dílson Funaro, para o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Adroaldo Moura da Silva, que queria impedir o lançamento, conta Rocha Azevedo.

Para o ex-presidente da Bovespa, foi principalmente a criação do Novo Mercado que ressuscitou a bolsa, que até 2003 cambaleava. Rocha Azevedo, que foi presidente da Bovespa entre 1982 e 1986 e enfrentou o caso Naji Nahas, diz que avisou a CVM sobre o perigo das operações do investidor e que a autarquia foi negligente. Ele acredita que sobrarão cinco ou seis bolsas no mundo, entre elas a Bovespa. Não faltam críticas aos governos, especialmente ao de Fernando Henrique Cardoso que, na opinião dele, foi o pior para o mercado. Já o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não fez nada pelo segmento, mas também não atrapalhou.

Dono da Convenção, uma das cinco maiores corretoras da BM&F, Rocha Azevedo diz que a abertura de capital das bolsas irá acirrar a concorrência entre as corretoras. Próximo do lançamento do livro sobre a sua trajetória profissional, escrito pela economista Ângela Ximenes, com mais de 100 depoimentos, Rocha Azevedo avisa que está, aos poucos, pendurando as chuteiras do mercado e que irá se dedicar ao seu outro negócio: a Faculdades de Campinas (Facamp). À seguir, os principais trechos da entrevista com Rocha Azevedo.

Valor: Estamos vivendo um momento de euforia?

Eduardo da Rocha Azevedo: Não sei, mas estamos vivendo um momento de preocupação no mundo. A economia americana preocupa. As oscilações que as bolsas têm hoje são muito violentas, isso não é um bom sinal. O Brasil tem uma situação melhor porque os nossos ativos não tiveram a mesma valorização, nós estamos atrasados nesse processo ao longo dos anos. Temos um sistema de crédito ainda pequeno. Os bancos aqui são muito mais conservadores, até pelos riscos que já tivemos. Mas os mercados todos, aí inclui-se o Brasil, quanto mais eles sobem, mais o risco aumenta. De vez em quando, me assusto, a bolsa só sobe. Mas estamos longe de uma crise forte porque o mercado brasileiro é menos alavancado do que já foi. Temos mais controle sobre o mercado do que antigamente.

Valor: Tem gente tirando tudo que tem na renda fixa e colocando na bolsa. Isso não é euforia?

Rocha Azevedo: Acho preocupante. Estou nesse mercado há 42 anos e não aprendi tudo. As pessoas estão se esquecendo que este é um mercado de risco. E o risco hoje é maior porque os mercados são globalizados. Uma das piores coisas que se inventaram no Brasil foi a caderneta de poupança. Em vez de ela ser um aprendizado, virou uma mãe para o investidor. Na bolsa, não existe mãe. A CVM vê se as coisas seguem as regras, mas o risco quem tem de aprender a medir e a correr é o investidor.

Valor: Os governos ajudaram o mercado brasileiro?

Rocha Azevedo: O desenvolvimento do mercado não foi uma opção dos governos. Toda a modernização que foi feita na década de 80 continua até hoje. Não se criou mais nada por parte do governo. O governo Fernando Henrique, que todo mundo achava que seria bom para o mercado, foi o pior de todos.

Valor: Mas o governo Lula fez algo pelo mercado?

Rocha Azevedo: O Lula também não fez nada, mas não atrapalhou, o que já é muito. Ao contrário do Fernando Henrique que só atrapalhou. A Lei Kandir, criada no governo dele, acabou com o direito dos minoritários para fazer privatização e levar mais dinheiro. A grande modernização foi o Novo Mercado, ou seja, foi a própria bolsa que se encarregou de modernizar.

Valor: Quais as semelhanças e diferenças entre o mercado de agora e de quando o senhor era presidente da bolsa?

Rocha Azevedo: Hoje ele é muito maior. Na minha época, ele era concentrado em termos de empresas e de investidores. A base de investidores eram os fundos de pensão, não havia fundos mútuos, bancos, muito menos pessoas físicas. A pulverização é a grande diferença de lá para cá.

Valor: Como foi a criação da Bolsa de Mercadorias & Futuros?

Rocha Azevedo: Em termos profissionais, foi a coisa mais importante que eu fiz na vida. A BM&F é como um filho meu. Distribuímos cinco mil convites para a inauguração. Uma semana antes, recebi um ofício da CVM me dando 48 horas para devolver os recursos que a Bovespa colocou na BM&F com o argumento de que ela tinha fugido do seu objetivo social. Eu liguei para o presidente da CVM, na época era o Adroaldo Moura da Silva, e ele disse que tinha sido uma decisão do colegiado. Eu peguei um jatinho e fui para Brasília falar com o ministro da Fazenda, o Dílson Funaro. O chefe da assessoria econômica do ministério era o Belluzzo (Luiz Gonzaga Belluzzo) e o assessor especial era o João Manuel Cardoso de Mello, hoje os dois são meus sócios na faculdade. Entrei na sala do Dílson e contei o que estava acontecendo. Contei que o investimento na BM&F era de US$ 12 milhões, sem um tostão do governo e que a ordem da CVM iria matar tudo isso. O Dílson ligou para o Adroaldo e disse: "a bolsa do Eduardo vai inaugurar, depois vocês se acertam." Foi assim que ela saiu. Não havia regra, ela só foi regulamentada depois.

Valor: O que o senhor acha da abertura de capital das bolsas?

Rocha Azevedo: Teremos outro mercado. No caso da Bovespa, para as corretoras foi um sucesso, só que os corretores têm de prestar atenção nas mudanças. Haverá uma concorrência muito maior com corretoras internacionais que hoje não estão aqui. Quem não tiver uma boa tecnologia, preparado para enfrentar isso, vai morrer. O lógico será as corretoras se fundirem com gente de fora. E eu não vejo os corretores preocupados. Além disso, a bolsa deixou de ser uma mãe. Agora ela tem acionistas, que não são as corretoras. Portanto, não vai poder mais ajudar as corretoras. Em outros lugares do mundo, há bolsas que concorrem com as corretoras. Ela coloca um terminal de negociação no escritório do investidor e acaba com a figura da corretora. Esse processo vai demorar alguns anos, mas irá acontecer no Brasil.

Valor: Nesse mercado mais desenvolvido, teria espaço para um caso como o de Naji Nahas?

Rocha Azevedo: Tanto não teria, como não teve nem lá atrás. Naquela época, as bolsas já tinham um grande controle. A diferença é que a Bovespa usou o regulamento que ela tinha para que nada acontecesse e a Bolsa do Rio, não. Na época, o mercado era menor e a atuação da CVM foi muito mais negligente. Eu tinha ido viajar e o Fernando Nabuco, que era o vice, ficou como presidente. Uma semana antes de estourar o caso Nahas, a CVM fez uma reunião com os principais representantes do mercado para assinarem um documento dizendo que não havia problema no mercado. O Nabuco se negou a assinar e disse que nós teríamos problemas, sim. Eu já vinha avisando a CVM que o Nahas operava super alavancado e que operava em nome de outras pessoas. No processo do caso Nahas, houve 13 réus, as corretoras que tiveram problemas com ele, as pessoas da bolsa do Rio e eu. Eu fui o único julgado e absolvido. No caso dos outros, os processos prescreveram.

Valor: Quais as chances de a Bovespa ser a bolsa mais importante da América Latina?

Rocha Azevedo: Teremos cinco ou seis bolsas no mundo e a Bovespa será uma delas. A Bolsa do México é muito menor que a nossa. Teremos grandes bolsas por região: uma ou duas na Ásia, duas nos EUA, duas na Europa e uma na América Latina que será a Bovespa.

Valor: A sua corretora, a Convenção, atua hoje apenas na BM&F. Há planos para atuar na Bovespa?

Rocha Azevedo: Em 2000, eu ia fechar a corretora e o meu filho Eduardo veio tocar o negócio, junto com o Marcelo Arbex, o outro sócio. E está nos planos deles atuar na Bovespa. Mas eu vou me dedicar mais à Facamp. Apesar de adorar o mercado, estou cansado disso. O mercado mudou muito.