Título: A difícil missão de suceder Silvio Santos no comando do SBT
Autor: Sobral , Eliane
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2007, Empresas, p. B4

Silvio Santos fatura R$ 3,2 bi com negócios nos ramos financeiro, varejista, hoteleiro, industrial e de comunicação No próximo dia 12 de dezembro o empresário e apresentador de televisão Silvio Santos completa 77 anos e não há sinais de que esteja preparando o processo sucessório em suas empresas. Quem acompanha de perto seus negócios afirma que a palavra sucessão é um termo distante de seu vocabulário e que ele não consegue lidar com o fato de que um dia, suas empresas terão de continuar sem sua presença.

Em quase meio século, Silvio Santos construiu um império com ramificações nos setores financeiro, varejista, hoteleiro, industrial e de comunicação. Em 2006, segundo o anuário Grandes Grupos do Valor, o grupo teve receita operacional bruta de R$ 3,2 bilhões - 10,6% acima da registrada em 2005. O sustentáculo do grupo é o braço financeiro, encabeçado pelo banco PanAmericano e com mais dez empresas, entre administradora de cartão de crédito, seguradora, corretora de seguros e distribuidora de títulos e valores mobiliários. No ano passado, só a divisão financeira teve lucro de R$ 96,9 milhões - um resultado 25,6% acima do apurado em 2005.

É na jóia mais visível dos negócios de Silvio Santos, porém, que as coisas parecem não caminhar bem. Todas as divisões do grupo tiveram lucro em 2006, menos o SBT - exatamente onde o empresário tem gestão direta. A pergunta que se faz hoje nos corredores da emissora é se ela ficará melhor ou pior quando o empresário não estiver mais na administração da TV.

O SBT já nasceu na vice-liderança, 26 anos atrás, e passou boa parte dessas duas décadas sem enfrentar concorrência direta. Há pelo menos três anos as coisas mudaram e hoje o grande desafio de Silvio Santos é manter não só os índices de audiência como também as emissoras afiliadas, que retransmitem a programação do SBT país afora e sobre a qual a concorrente Record tem avançado com apetite voraz (ver matéria abaixo).

Executivos ouvidos pelo Valor dizem que Silvio Santos não interfere no dia-a-dia das demais empresas do grupo, que são tocadas por executivos experientes. Como Juracy Monteiro, diretora-geral da SSR, empresa de cosméticos aberta pelo grupo em 2006. Juracy, a mais nova executiva do Grupo Silvio Santos, construiu sua carreira na área financeira de empresas como o laboratório Aché e a mineradora Vale do Rio Doce. Antes de assumir a nova empresa de Silvio Santos, ela comandou a gaúcha Pierre Alexander, também do setor de cosméticos. Entrou na rota do apresentador quando os emissários dele tentaram comprar a própria Pierre Alexander. Silvio Santos não ficou com a empresa, mas levou a executiva e entregou a ela a missão de fazer da SSR, uma rival respeitada pela brasileira Natura e pela multinacional Avon.

Um dos executivos mais antigos no Grupo Silvio Santos é Rafael Palladino, vice-presidente do conselho do grupo e diretor superintendente do Banco PanAmericano. Palladino está há 15 anos no banco e foi um dos responsáveis pela transformação da então financeira em banco múltiplo, em 1992.

Acima desses profissionais está Luiz Sebastião Sandoval, diretor superintendente do Grupo. Assim como o apresentador, o executivo, de 61 anos de idade, tem origem humilde. Começou a trabalhar com 11 anos de idade e pagou o próprio estudo - é formado em Direito, pela Universidade de Mogi das Cruzes, e em Administração de Empresas, pela Fundação Getúlio Vargas. Pessoas próximas ao executivo dizem que Silvio Santos mantém com Sandoval uma relação de muita confiança e respeito.

Das seis filhas de Silvio Santos apenas uma, Cintia Abravanel, do primeiro casamento do empresário, tem cargo de direção e aparece no organograma do grupo. Ela é diretora do Centro Cultural Grupo Silvio Santos sob o qual está o Teatro Imprensa Produções Artísticas. Na casa dos 40 anos, Cintia tem autonomia para cuidar do Teatro e, segundo executivos do grupo, tem feito um bom trabalho. Não é possível, porém, traduzir esse bom trabalho em números, pois no relatório anual de resultados do grupo não há qualquer menção ao desempenho financeiro do Centro Cultural ou do Teatro Imprensa.

Outra filha de Silvio Santos, Daniela Beirute, trabalha no SBT como diretora artística. Ela também faz parte do conselho que administra a televisão. Ex-funcionários da emissora dizem que, na prática, nem Daniela nem os demais diretores do SBT têm autonomia para fazer o que quer que seja. "Silvio Santos até os escuta, mas decide tudo sozinho", atesta um ex-empregado do SBT. "A Daniela tem boa vontade e é respeitada por isso. Mas ninguém acredita que ela tenha poder de decisão. Nem ela mesma, pois sempre faz questão de dizer que antes de qualquer coisa vai consultar o pai", diz a fonte.

-------------------------------------------------------------------------------- Silvio Santos, fora a TV, não interfere no dia-a-dia das empresas do grupo, tocadas por executivos experientes --------------------------------------------------------------------------------

Os sinais de que o empresário estaria preparando sua prole para sucedê-lo à frente dos negócios são ainda bastante tênues. Em 2001, logo após o seqüestro de uma de suas filhas, Patrícia Abravanel, Silvio Santos chegou a procurar o consultor Renato Bernhoeft, uma das maiores autoridades em sucessão familiar do país. Segundo um ex-diretor do SBT, a providência foi tomada por insistência da mulher do empresário, Íris Abravanel, e não por iniciativa de Silvio Santos. "Passei um ano conversando com o Silvio Santos, com as filhas e com a mulher dele. Ao final deste período o processo foi interrompido", lembra Bernhoeft.

Para alguns empresários, diz o consultor, é simplesmente inadmissível a hipótese de a empresa existir sem ele. "Silvio Santos está nesta categoria". Quando começou o trabalho, Bernhoeft fez as três perguntas clássicas antes de iniciar o trabalho de preparação dos sucessores para um dia assumir os negócios da família: o que o empresário espera de cada um dos filhos, o que pensa sobre o futuro de cada um deles e como imagina o futuro de suas empresas. Silvio Santos não soube responder a nenhuma delas e o trabalho parou por aí. O consultor diz que naquela época, as filhas não tinham qualquer noção dos negócios do pai.

Hoje, acompanhando de longe o grupo Silvio Santos, Bernhoeft acredita que as herdeiras estejam mais interessadas nos negócios da família. Patrícia Abravanel foi estudar administração de empresas nos Estados Unidos no ano passado, pouco depois do pai apontá-la como sua sucessora à frente do grupo.

Funcionários e ex-funcionários, publicitários com trânsito no SBT e observadores do dia-a-dia da mídia nacional dizem que a maior questão no grupo é a falta de profissionalização no SBT. Por muitos anos Guilherme Stoliar, sobrinho do empresário, e Luciano Callegari foram os principais executivos da rede de TV, enquanto Silvio Santos contentava-se em apresentar seu programa dominical. "Em 1997 Silvio Santos resolveu intervir na gestão e daí para a frente as coisas começaram a ficar complicadas", diz um ex-executivo da emissora.

As experiências do empresário não se limitavam a mudar dia e hora da programação. Em 1998, diz o executivo, o empresário dividiu todo o SBT em lojas e cada departamento emitia inclusive notas de serviços, como se fossem notas fiscais. A transformação de departamentos em "lojinhas" foi a forma que Silvio Santos encontrou para ter um perfil dos custos e acompanhar os gastos de sua emissora.

Como o sistema não funcionou, Silvio Santos saiu à procura de executivos de mercado, qualquer mercado. Foi nessa época que contratou Rawley Martos, ex-executivo da Kaiser e da Unilever, e Rodrigo Marti, também ex-Unilever. "Essas pessoas entendiam de consumo, não de televisão, e Silvio Santos transformou o SBT num grande escritório de contabilidade", diz a fonte, lembrando que foi também nessa época que Silvio Santos perdeu Walter Zagari, seu ex-diretor comercial, hoje na concorrente Record. "Para aumentar o faturamento da rede, Silvio Santos criou seis superintendências comerciais. Claro que não funcionou", diz o executivo.

Hoje, diz a fonte, a emissora é administrada por um conselho formado pela filha do apresentador, Daniela Beirute; seu sobrinho Guilherme Stoliar; José Roberto Maciel, diretor financeiro da emissora e Roberto Franco, diretor de tecnologia do SBT. "Eles discutem como se fosse de fato um conselho com poder de decisão, mas, na prática, Silvio Santos faz o que acha que tem de fazer", diz outro ex-funcionário da emissora. Procurados pelo Valor, os executivos do SBT e as filhas do empresário, Daniela Beirute e Cintia Abravanel, não quiseram dar entrevista.

Para um outro ex-colaborador da emissora, que deixou a empresa neste ano, o único caminho possível para o SBT é a profissionalização. "O SBT está lotado de executivos e parentes que ganham belos salários e estão lá para dizer amém ao que diz o patrão".

Para Bernhoeft, esse é o pior dos mundos. "Para ser executivo de uma empresa familiar é preciso ter em mente que não se pode brilhar mais que o dono. Em empresas assim, a lealdade não é com a empresa, e sim com o empresário". Bernhoeft acredita que, sem preparar sucessores nem profissionalizar a empresa, Silvio Santos corre o risco de repetir a história de outro barão das comunicações, Assis Chateaubriand, que criou e dirigiu a maior cadeia de imprensa do país, os Diários Associados. Eram 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de TV, uma agência de notícias, uma revista semanal (O Cruzeiro), uma mensal (A Cigarra), várias infantis e uma editora. Deixou os bens para um condomínio de funcionários. Os Diários Associados ainda têm títulos importantes, mas estão longe de lembrar o império de Chateaubriand.