Título: Brasil está atento à crise
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 21/01/2011, Mundo, p. 18

Enviada especial (*)

Porto Príncipe ¿ O embaixador brasileiro no Haiti, Igor Kipman, que acompanha atentamente as últimas movimentações políticas em Porto Príncipe, disse não acreditar que o ex-ditador Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, possa entrar em um processo eleitoral já iniciado em novembro. Ele, contudo, não descarta uma ¿possibilidade remota¿ de que as eleições para presidente sejam anuladas, para o início de um outro processo, com novos atores.

¿Nessa eleição em curso, ele não pode ser mais candidato. Mas o CEP (Comitê Eleitoral Provisório), diante de todos esses percalços e opiniões divergentes, pode decidir anular as eleições, e aí parte-se para um novo processo, abrem-se novas inscrições. Não é impossível¿, disse Kipman, sem demonstrar preocupação de que esses desdobramentos causem tumulto. Autoridades do Brasil e do Haiti ainda não conversaram sobre o retorno do ex-ditador ao país, mas o governo brasileiro tem acompanhado com atenção os passos de Baby Doc no país.

¿A chegada do Duvalier causou um frisson, como vocês estão testemunhando nas ruas. Há sempre essa saudade do governo dele, porque essas pessoas têm essa perspectiva de que, no governo dele, havia energia 24 horas por dia, havia mais segurança...¿, afirmou, em coletiva na embaixada brasileira em Porto Príncipe.

Contudo, ele disse acreditar que, por já terem se passado quatro dias desde a chegada dele sem grandes manifestações de rua ou violência, o clima não tende a esquentar. Na quarta-feira, o advogado de Baby Doc, Reynold George, disse que o ex-ditador tem ¿pretensões políticas como qualquer político¿. ¿Ser novamente presidente do Haiti é um direito dele¿, disse George. Mais tarde, porém, Baby Doc negou ter pretensões políticas e desautorizou que falem sobre o assunto em seu nome.

O embaixador brasileiro acredita que, na próxima semana, o CEP anunciará um novo calendário eleitoral, com novos prazos inclusive de segundo turno e da posse presidencial. ¿Esse novo calendário vai contribuir, obviamente, para acalmar os ânimos todos da população¿, afirmou. A previsão inicial é a de que Préval permaneça no poder até 7 de fevereiro, mas a Constituição do país permite que ele fique até 14 de maio, quando completa cinco anos na Presidência. O segundo turno é estimado para 20 de março. Na quarta-feira, a OEA divulgou o relatório de sua Comissão Especial de verificação, na qual recomenda que sejam feitas novas votações por conta de ¿irregularidades significativas¿ identificadas nas eleições de 28 de novembro.

(*) A repórter viajou a convite do Ministério da Defesa

Três perguntas para Clifford Griffin, especialista em estudos sobre a América Latina e professor de Ciência Política da Universidade da Carolina do Norte

O retorno ao cenário político de dois ex-presidentes haitianos em plena crise eleitoral é um sinal de enfraquecimento do poder no país? Instabilidade política sempre foi uma característica do Haiti. Tudo indica que Jean-Claude Duvalier aproveitou-se da crise e do vácuo de liderança para retornar ao país como uma espécie de ¿salvador¿. E os haitianos sempre responderam positivamente a uma liderança de pulso firme. Ao contrário de Baby Doc, Jean-Bertrand Aristide será muito mais bem-vindo no país, devido às circunstâncias controversas da sua expulsão do governo. Se ele retornar agora, a temperatura política no Haiti pode aumentar ainda mais e produzir níveis significativos de agitação e violência política.

Na sua opinião, como será o cenário político no Haiti nos próximos meses? As eleições serão efetivadas? É uma situação complicada. A disputa pelos resultados é grande. Aparentemente, alguns votos foram retirados e contados de forma injusta. Além disso, a verdade é que apenas uma parte pequena da população compareceu às urnas, cerca de 30%, e muitos votos não foram válidos. A única forma de seguir em frente é promover novas eleições.

Qual a melhor solução para reconstruir o país e levar estabilidade para os haitianos? Não existe forma rápida ou fácil de reconstruir o Haiti. No entanto, uma liderança é essencial para o futuro do país. O Haiti precisa de um líder forte e eficiente e isso só pode acontecer com um processo eleitoral justo. Uma eleição correta é o primeiro passo para conseguir os políticos certos, porque ela coloca no seu lugar algumas questões que não foram resolvidas, especialmente da Justiça. É muito importante seguir com o processo judicial contra Duvalier por seus diversos crimes. Enquanto ninguém pode esperar que um país que está no mesmo nível de desenvolvimento do século 19 seja refeito em um ano ou dois, é importante que os haitianos tenham esperança de que a justiça seja feita.