Título: Política sem rumo
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 21/01/2011, Mundo, p. 18

França e EUA exigem fim do impasse eleitoral e a realização de um segundo turno. Ex-presidente Aristide manifesta o desejo de retornar ao país, após quase sete anos de exílio

Não bastassem as marcas de um terremoto devastador e uma epidemia de cólera que já matou 3.889 pessoas, o Haiti passa por um momento de forte encruzilhada política. O país sofre pressões para encerrar um impasse eleitoral que já dura quase três meses e, agora, enfrenta a possibilidade de dois polêmicos ex-presidentes disputarem o poder. Depois da volta de Jean-Claude ¿Baby Doc¿ Duvalier, Jean-Bertrand Aristide ¿ deposto no golpe militar de 2004 ¿ também declarou o desejo de retornar à terra natal. Enquanto isso, a França e os EUA pressionam para que o resultado seja divulgado e para que o segundo turno ocorra logo.

A missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) participou da contagem de votos das eleições, realizadas em novembro, e entregou ao governo haitiano um relatório sobre irregularidades. Entre as recomendações do órgão, está a saída da disputa do candidato Jude Célestin, apoiado pelo presidente, Rene Préval. Nos resultados preliminares, a ex-primeira-dama do Haiti Mirlande Manigat obteve 31% dos votos, enquanto Célestin ficou com 22% ¿ 7 mil votos a mais que o cantor Michel Martelly, com 21%. Uma fonte das Nações Unidas anunciou que o Conselho Eleitoral Provisório (CEP) divulgará o resultado das eleições em 31 de janeiro.

As eleições foram organizadas pelos haitianos com a ajuda de observadores internacionais. Para Mark P. Jones, professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Rice, no Texas, a comunidade internacional cometeu um erro ao não se comprometer com a supervisão do pleito. ¿O resultado é que um grande número de haitianos não teve a chance ou não conseguiu votar. Simultaneamente, foram detectadas várias formas de fraude. O Haiti ficou com duas opções: aceitar os resultados com as alterações da OEA ou fazer novas eleições em março. Por causa das falhas no primeiro turno, a segunda opção é a melhor¿, defende o especialista.

Os governos francês e americano creem em um segundo turno, caso Mirlande Manigat e Michel Martelly estejam na cédula de votação. O cantor popular haitiano é apoiado pelo ex-ditador Baby Doc, que voltou ao país depois de 25 anos. Ontem, ele negou que pretenda ser presidente novamente, mas ainda não expôs apoio oficial ao candidato. Por outro lado, Martelly, afirmou que, se vencer as eleições, vai nomear Duvalier como seu assessor. ¿Ele é um haitiano. Que volte, é a democracia. Gostaria que todos os ex-presidentes se tornassem meus conselheiros, a fim de aproveitar toda a sua experiência¿, disse o candidato. O haitiano Lovensky Charles, funcionário da Aduana durante o governo de Baby Doc, também é a favor do retorno do ex-ditador. ¿Queremos que ele volte. Só com Duvalier, esse país voltará a crescer¿, afirmou Charles.

Popular O ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, exilado na África do Sul desde 2004, divulgou uma nota ontem para expressar sua vontade de voltar ao país. ¿Desde minha chegada ao continente-mãe há seis anos e meio, o povo do Haiti não parou de pedir minha volta. Quanto a mim, estou pronto.

Mais uma vez, manifesto minha preparação para ir hoje, amanhã, a qualquer momento¿, explicou o ex-mandatário. Ele foi o primeiro presidente eleito democraticamente no país em 1991 e agora pede ao governo sul-africano o ajude a renovar o passaporte, para viajar a Porto Príncipe. ¿Ele ainda é muito popular no país. Se regressar, terá uma boa influência política¿, analisa Jones.

O professor de ciências econômicas da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Georges Landau, que viveu no Haiti de 1989 a 1991 a serviço do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), não se surpreende com a volta dos ex-presidentes. ¿A situação política no país sempre foi e, provavelmente, sempre será caótica. Durante os três anos em que estive lá, foram quatro golpes de Estado. E cada líder que passava levava tudo junto. É muito difícil administrar e planejar nessas condições. É uma questão cultural, não existe administração pública¿, comenta o economista.