Título: Questão de força
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 30/10/2007, Especial, p. G1

O preço da energia elétrica e a segurança no abastecimento do insumo e do gás natural são as duas preocupações centrais das indústrias instaladas no Brasil em médio prazo. Além de existirem indefinições em relação ao abastecimento, principalmente ao de gás natural, as projeções apontam que os preços devem subir. Até 2015, o preço médio da energia elétrica no Brasil pode aumentar 20,4%. Para a indústria, a alta será mais pesada: as contas subirão 30,4%. Diante desse cenário, a competitividade da indústria nacional corre o risco de ser abalada.

Estudo da FGV Projetos aponta que o aumento dos preços da energia elétrica elevará os custos de produção das indústrias eletrointensivas, cujos produtos vendidos no exterior perderão competitividade e, assim, poderá haver redução das exportações. Essas questões cruciais para os empresários serão debatidas hoje no Seminário Energia e Crescimento, promovido Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace, com apoio do Valor, em Brasília.

A alta da energia vai encarecer os produtos no mercado interno, diminuindo o poder aquisitivo e o consumo. No estudo, o professor da FGV, Fernando Garcia, estima que o PIB potencial do país entre 2006 e 2015 sofra uma queda de 7,1 pontos percentuais. O país então deixaria de acrescentar R$ 223 bilhões - a preços de 2006 - a seu fluxo anual de renda. Haveria queda no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com o Brasil perdendo quatro posições no ranking e passando a ocupar a 43ª posição.

Em 2003, das doze fábricas da Gerdau espalhadas pelo mundo, nove tinham seus custos mais competitivos de energia no Brasil. Hoje, a realidade mudou: apenas duas estão no Brasil. A siderúrgica não é um caso isolado. O temor das indústrias é que as pressões futuras possam encarecer mais a energia. Motivos não faltam: continuidade dos atuais encargos, alta de impostos, escassez de projetos hidrelétricos para serem licitados, dificuldade na obtenção de licenças ambientais, acréscimo de usinas a óleo e carvão na matriz energética e a o vencimento de 20 mil MW médios de energia velha a partir de 2012.

"Há grande temor que haja perda de competitividade, porque nossas tarifas industriais estão mais altas que as de países desenvolvidos. Com isso, muitas indústrias podem deixar de investir no Brasil", afirma o vice-presidente da Abrace, Eduardo Carlos Spalding. Como o raciocínio das empresas é cada vez mais global, priorizando custos mais baixos de produção, o Brasil poderá perder espaço. "Um dos grandes problemas é a pesada carga de impostos e encargos nas tarifas, que vem aumentando", diz o também vice-presidente da Abrace, Marcos Vinícius Gusmão.

Encargos e tributos representam 47% das tarifas. Os encargos, que em 2002 somaram R$ 5,4 bilhões, chegaram a R$ 14,4 bilhões em 2006. Fabricantes de alumínio, aço, petroquímicos, papel e celulose têm na estrutura tributária do setor elétrico um de seus piores vilões. Uma das propostas da Abrace ao governo é reduzir os encargos, eliminando a maioria deles a partir do próximo ano.

Criado em 1957, o Reserva Global de Reversão (RGR), cobrado para a universalização do sistema, vem sendo mantido desde então. Há propostas do governo de manter sua cobrança nos próximos anos para continuar a universalização do acesso de energia elétrica ou para contribuir com a construção da usina nuclear de Angra 3.

Outro encargo é o da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), criado em 1973, para financiar os custos com a geração de energia à base de combustíveis fósseis, principalmente no sistema isolado da região Norte. Em 2006, foram arrecadados R$ 4,4 bilhões com o encargo. Uma das sugestões da Abrace é sua extinção por meio da interligação dos sistemas isolados à rede básica, com a antecipação dos investimentos para as linhas de transmissão Jauru-Vilhena, Tucuruí-Manaus e Jurupari-Macapá.

"Um dos pontos que fazem nossas tarifas serem caras são os encargos e subvenções", afirma o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Sérgio Guimarães. Estudo da entidade com base em dados do órgão regulador de Portugal aponta que as tarifas brasileiras estariam em US$ 119 o MWh - acima de França e Suécia, países com renda per capita muito superior à brasileira. No caso da indústria, as contas de luz do Brasil - em US$ 71 o MWh - estariam mais elevadas que as da Suécia (US$ 56) e França (US$ 49 o MWh).

O secretário de planejamento energético do Ministério de Minas e Energia, Marcio Zimmermann, afirma que o governo pretende realizar no início de 2008 um leilão de linhas de transmissão em que o trecho de Jauru-Vilhena poderá ser incluído. "Procuramos realizar a interligação do sistema isolado, da região Norte, ao restante do país da maneira mais rápida possível, buscando reduzir a CCC".

Para o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, com os novos investimentos feitos a CCC deve cair nos próximos anos. "Quando a interligação for concluída, ela tende a ser extinta", afirma. As últimas linhas de transmissão poderão ser instaladas até 2013.

"Estamos operando com energia contratada no passado, mas progressivamente estamos substituindo-a pelo preço da energia nova, mais cara", diz Guimarães. Hoje boa parte da energia utilizada custa entre R$ 70 a R$ 100. Nos leilões realizados desde 2005, a nova energia vem sendo negociada a R$ 130 em média. "Vamos começar a utilizar energia mais cara, e ao mesmo tempo, se houver atrasos na entrada de energia, isso criará novas pressões sobre os preços", diz o diretor da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Silvio Areco.

Uma das preocupações da indústria é com os preços e a oferta de usinas nos últimos leilões realizados. Pelas dificuldade de obtenção de licenças ambientais, as usinas térmicas movidas a gás, óleo e carvão vêm ganhando espaço na matriz energética. Há quinze anos mais de 90% da energia vinha de fontes hidrelétricas, hoje esse percentual já caiu para a casa dos 80%.

No último leilão, realizado em outubro, que contou com a participação de cinco hidrelétricas, o que não ocorria há muito tempo, foram contratados 2,3 mil MW, sendo que 70% em energia térmica a carvão ou Gás Natural Liquefeito (GNL). A decisão de retomar a construção da usina nuclear de Angra 3 também indica pressões sobre as tarifas. "O preço da usina pode chegar a R$ 190 o MWh", diz o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Schaeffer.

"É preciso cuidado: desde o fim da década de 1990, foi extinto o planejamento. Deixou-se de fazer estudo de inventário dos rios, o que prejudicou o leilão de novos projetos. Isso vem sendo retomado agora", diz Zimmermann. "O ingresso de novas fontes não chega a preocupar no momento, porque elas ainda representam muito pouco, mas fica o alerta que é importante retomar os projetos hidrelétricos, como buscamos fazer com o complexo do rio Madeira e de Belo Monte", diz. Angra 3 teria energia competitiva, abaixo de R$ 140 o MWh.

O balanço entre oferta e demanda de energia elétrica será acompanhado de perto por industriais. A maioria das opiniões indica que não deverá haver grandes problemas até 2011. A partir daí a entrada da usina hidrelétrica do rio Madeira passará a ser fundamental. Mas o gás ainda preocupa muito. A Petrobras terá de importar duas unidades de GNL e antecipar a produção de gás da Bacia do Espírito Santo, o que elevaria em mais de 25 milhões de metros cúbicos por dia a oferta a partir da metade d e 2008. Qualquer atraso pode aumentar o risco de déficit. E os olhares continuarão atentos à Bolívia, responsável por cerca de metade do fornecimento de gás ao Brasil.

Mas existem receios a partir de 2011. "Procuramos licitar o complexo do Rio Madeira até o fim do ano para colocar novos projetos no sistema. Retomamos o inventário das bacias, passo fundamental para licitar empreendimentos hidrelétricos", diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão estatal, de planejamento.