Título: Ministro da Economia argentino critica assimetrias com o Brasil
Autor: Aires , Janes Rocha, de Bue
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2007, Internacional, p. A6

Em seu livro "Sem Atalhos" ("Sin Atajos", Buenos Aires, Temas Editorial, 2005), Martin Lusteau, o novo ministro da Economia da Argentina, deixa claro por que foi escolhido pela presidente Cristina Fernández de Kirchner para assumir a vaga que Miguel Peirano vai deixar em 10 de dezembro. Lusteau partilha com o casal Néstor e Cristina as mesmas idéias sobre a política econômica que o país deve seguir, baseada em superávits gêmeos (fiscal e comercial), câmbio competitivo, taxa de juros baixas, incentivo à industrialização e aos investimentos e também às pequenas e médias empresas.

Lusteau respondeu a alguns repórteres ontem de manhã, em uma entrevista relâmpago na porta de sua casa, no bairro de Colegiales, em Buenos Aires, que não vai falar do que pretende fazer em sua gestão enquanto não tomar posse, em respeito ao ministro que ainda está ocupando o cargo. Mas se ele não renegar sua obra como fez um ex-presidente brasileiro (que teria dito "esqueçam o que eu escrevi"), e se não mudou de idéia nos últimos dois anos, seu livro dá várias pistas do que poderá ser sua administração.

Em pouco mais de 200 páginas ilustradas com gráficos e tabelas, expressa a preocupação com a alta da inflação - que desde que ele escreveu esse livro, só fez subir ainda mais - e defende inclusive a adoção de metas de inflação, um instrumento rejeitado pelo primeiro governo Kirchner.

Seu diagnóstico é que a alta de preços na Argentina atual está mais relacionada à dinâmica de uma economia que cresce a elevadas taxas (8,5% a 9% ao ano sucessivamente desde a crise de 2002) e às deficiências de oferta por falta de investimentos. Mas rechaça a elevação dos juros para conter a inflação - "seria um erro grave considerar que a origem da inflação é primordialmente monetária" - e cita o Brasil como um exemplo que não deve ser seguido nesse campo.

Ele lembra que entre outubro de 2004 e março de 2005, o "país vizinho incrementou sua taxa de referência, a Selic, cerca de 10% em termos reais, uns 300 p.b. (pontos básicos, de 16,23% a 19,25%), ou seja, três vezes mais, com o objetivo de reduzir o ritmo de aumento dos preços, mas correndo o risco de abortar o processo de reativação que havia acabado de começar no ano de 2004".

O Brasil é citado 34 vezes em "Sem Atalhos", que foi escrito em conjunto com o ex-presidente do Banco Central Javier González Fraga. Um detalhe: Fraga era candidato a ser ministro da Economia de Roberto Lavagna, derrotado nas eleições para a Presidência. Na maior parte das vezes, o vizinho maior é mencionado ao lado dos nomes de outros países em diversas comparações e estatísticas.

Mas há um capítulo em que Lusteau se dedica mais às relações entre os dois países, o sétimo, intitulado "A quem vamos vender?", em que trata de suas idéias para a política comercial. No subtítulo "Mercosul", Lusteau diz que o bloco foi uma "excelente idéia" concebida no governo Raúl Alfonsín, que transformou o Brasil no principal destino das exportações Argentinas. Mas que nestes anos, "ao contrário do que se previa, não representou uma fonte de desenvolvimento industrial para a Argentina". Constata que o comércio de manufaturas com o Mercosul tem sido deficitário para a Argentina em quase todos os anos e o saldo em termos de valor agregado das manufaturas também é deficitário. O país sequer conseguiu atrair mais investimentos estrangeiros por fazer parte da união com o Brasil (nem menciona Uruguai e Paraguai).

Cita um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), estimando que a Argentina teria perdido 750 mil postos de trabalho se comparada a evolução média das exportações de manufaturados entre os dois países. Para ele, as assimetrias entre Brasil e Argentina ainda são grandes e defendeu "começar a institucionalizar uma coordenação macroeconômica que deve incluir como pilar básico um consenso sobre as políticas monetárias, cambiais, fiscais e financeiras entre os integrantes".

Solteiro e com apenas 36 anos, Lusteau é o mais jovem ministro da Economia que a Argentina já teve. Prefere ser classificado como heterodoxo, se a ortodoxia estiver associada com as velhas receitas do neoliberalismo dos anos 90 que, segundo um consenso entre os argentinos, levaram seu país à bancarrota. Formado em Economia na Universidade de San Andrés, tem mestrado na London School of Economics e desde 2000 faz parte de um grupo de investigadores da Fundação Unidos do Sul, financiada pelo empresário colombiano naturalizado argentino Francisco de Narváez.

Antes de assumir o cargo atual de presidente do Banco da Província de Buenos Aires (o segundo maior do país, atrás só do Banco La Nación), Lusteau foi diretor da consultoria APL, do também ex-BC Alfonso Prat-Gay. Outro detalhe: Prat-Gay era o escolhido para ministro da Economia da também derrotada candidata à presidência, Elisa Carrió. Antes de entrar para o mundo da macroeconomia, Lusteau foi professor de tênis e trabalhou como repórter freelancer, cobrindo a guerra do Afeganistão para a revista portenha "El Planeta Urbano".