Título: Câmbio, juros e emprego na economia brasileira
Autor: Michel , Renaut
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2007, Opinião, p. A8

A economia brasileira vem apresentando indicadores positivos em 2007. Apesar da recente elevação de alguns preços agrícolas, a inflação caminha para ficar abaixo da meta de 4,5%, o que abriria espaço para a manutenção da trajetória de queda da taxa de juros básica. Grande parte das projeções aponta para um crescimento econômico na casa de 4,5% para o ano, com impactos positivos sobre o nível de emprego. Além disso, o balanço de pagamentos também apresenta um desempenho bastante favorável, expresso na expectativa de um superávit comercial de cerca US$ 40 bilhões e em um montante de reservas cambiais acima de US$ 160 bilhões.

Contudo, a despeito destes bons indicadores, ainda paira a seguinte dúvida: estamos presenciando um ciclo virtuoso de crescimento sustentado ou, tal qual nos anos recentes, trata-se de mais um "vôo de galinha"? Colocado de outra forma, a atual taxa de câmbio (em torno de R$ 1,85) é capaz de simultaneamente garantir o equilíbrio do balanço de pagamentos e manter a inflação sob controle, dando continuidade ao processo de crescimento econômico?

A economia brasileira tem sido marcada pelo chamado processo de stop and go. Tal quadro é explicado pela forma de inserção externa da economia brasileira verificada a partir dos anos 90. Nesse contexto, a integração se deu mais fortemente pela pauta de importações. Em particular, a produção doméstica passou a utilizar mais intensamente insumos importados. Conseqüentemente, gerou-se forte restrição externa ao crescimento econômico. Isso porque, com a retomada da atividade, as importações aumentavam fortemente, reduzindo-se as reservas internacionais, pressionando assim a taxa de câmbio. Com isso, elevava-se o preço das mercadorias comercializáveis com o exterior. Ao tentar repassar a elevação de seus custos - para assim manter suas margens de lucros - os setores que utilizam insumos importados geravam pressões inflacionárias. Para inibir esse processo, que surge pelo lado da oferta (cost push inflation), e não por pressões de demanda, as autoridades monetárias elevavam as taxas de juros, abortando o crescimento.

A grande novidade verificada a partir do início do primeiro governo Lula tem sido a obtenção de superávits comerciais expressivos. Este resultado se consolidou no final do primeiro mandato e início do segundo, com a geração de superávits na conta corrente do balanço de pagamentos. A obtenção de superávits na balança comercial, conjugada com a manutenção de uma taxa de juros ainda muito elevada, proporcionou o acúmulo de reservas cambiais acima de US$ 160 bilhões, acarretando uma valorização excessiva do real. É aí que volto à minha pergunta: uma taxa de câmbio abaixo de R$ 2,00 é capaz de garantir o equilíbrio externo e preservar o dinamismo da economia?

-------------------------------------------------------------------------------- É preferível autonomia para controlar a taxa de câmbio do que depender das oscilações de preços da economia global --------------------------------------------------------------------------------

Entendo que a resposta à essa pergunta pode ser dada sob uma perspectiva de curto e outra de longo prazo. Um analista que estivesse preocupado em responder a pergunta à luz dos resultados alcançados em 2007 daria uma resposta afirmativa para o questionamento. Ou seja, à taxa de câmbio vigente, as projeções apontam para um saldo comercial de cerca de US$ 40 bilhões, com a inflação ficando abaixo da meta, abrindo-se espaço para novas reduções da taxa de juros, o que, por sua vez, asseguraria uma taxa de crescimento perto de 5% ao ano.

Analisando-se a questão de um ponto de vista de mais longo prazo, creio que a resposta seria negativa. Senão, vejamos. A tese que defendo diz respeito ao estágio de desenvolvimento da economia brasileira. Considero que economias como a nossa não podem prescindir de uma taxa de câmbio que assegure a competitividade das exportações, vale dizer, não podemos abrir mão de uma moeda desvalorizada. Um crítico desta tese poderia salientar que, mesmo com a taxa de câmbio apreciada, o Brasil vai obter em 2007 um vultuoso saldo comercial.

Será que esse resultado seria possível em um ambiente menos favorável? Nelson Marconi (FGV/SP) mostrou que não. Segundo ele, se os preços de nossas importações e exportações continuassem nos níveis de 2002, ao invés de um superávit comercial de US$ 20,638 bilhões, o saldo do primeiro semestre do ano seria de apenas US$ 8,237 bilhões. Conseqüentemente, o resultado da conta corrente de janeiro a junho teria sido deficitário em US$ 8,018 bilhões, muito distante do superávit de US$ 4,383 bilhões registrado no período. Ou seja, caso o intenso ciclo de alta dos preços de commodities se reverta, o balanço de pagamentos se deteriorará fortemente. Portanto, considero preferível ter autonomia para controlar a taxa de câmbio do que depender das oscilações de preços da economia global.

Em suma, me preocupa a manutenção de uma taxa de câmbio relativamente apreciada frente ao risco de uma desaceleração da economia mundial. A conseqüente redução dos preços de nossas exportações impactaria negativamente as contas externas, dando continuidade ao processo de stop and go. Para que o crescimento econômico de 2007 não se transforme em mais um "vôo de galinha", é fundamental a mudança nos dois principais preços da economia: câmbio mais alto e juros mais baixos.

Renaut Michel é assessor da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor Adjunto da Universidade Cândido Mendes.