Título: Cade fecha primeiros acordos sobre cartel
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2007, Brasil, p. A10

Elizabeth Farina: "O risco de punição por cartel no Brasil é crescente porque hoje dispomos de instrumentos de punição muito mais poderosos do que em 2000" O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça deverá assinar, no próximo dia 28, os primeiros acordos com empresas para encerrar casos de cartéis. Serão os primeiros acordos da história do Cade, desde que a Lei nº 11.482, de 31 de maio deste ano, permitiu esse tipo de negociação entre as autoridades antitruste e as empresas.

Eles deverão ser assinados em dois setores: cimento e carnes. Nos dois casos, há empresas que fizeram propostas para pôr fim aos respectivos processos de investigação da existência de cartel: a Lafarge fez a proposta no setor de cimento e a Friboi no setor de carnes.

No primeiro, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça abriu investigação para verificar se as oito maiores cimenteiras do país dividiram o mercado por regiões e se aumentaram o preço dos produtos às concreteiras com o objetivo de quebrá-las. No segundo caso, a SDE concluiu que 11 frigoríficos fizeram acordos prévios para determinar o preço dos bois para abate.

Em ambos os processos, as punições podem ser bilionárias, caso o processo seja levado até o final. As cimenteiras podem sofrer juntas penas de até R$ 3 bilhões. Os frigoríficos são os maiores do país e sofreriam punições estimadas em mais de R$ 1 bilhão, caso sejam condenados no fim do processo. Daí, a intenção das empresas em fechar o acordo: reduzir uma eventual punição que pode ser mais elevada no futuro e encerrar o processo em que figuram publicamente como investigadas pelo governo.

Para o Cade, os acordos levam ao pagamento imediato de uma "contribuição pecuniária" (nome técnico da multa), garantem que a prática de cartel será encerrada imediatamente e ainda prevêem que as empresas terão de realizar programas internos para que não descumpram mais a legislação de defesa da concorrência (chamados de ISO Antitruste). Os acordos também evitam que as empresas recorram à Justiça contra eventuais condenações do Cade. Ou seja, se o Cade fosse em frente com os processos e condenasse as empresas, elas poderiam recorrer ao Judiciário e adiar o pagamento da multa. Mas se os acordos forem assinados, acaba a existência do cartel e os valores são pagos de imediato.

Outro ponto favorece os acordos: nos dois processos, as autoridades conseguiram provas robustas contra as empresas. No caso das cimenteiras, um ex-funcionário da Votorantim forneceu dados sobre como funcionaria o cartel. Ele falou às autoridades sobre reuniões de representantes das empresas em hotéis para combinar preços e condições de pagamentos a clientes. Com base nessas informações, a Secretaria de Direito Econômico realizou ações de busca e apreensão de documentos na sede de seis empresas em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Os documentos foram suficientes para a Secretaria abrir processo, em março, contra oito empresas: Votorantim, Camargo Corrêa, Holcim, Lafarge, Cimpor, Cimento Nassau, Soeicom e Itambé. Juntas, elas possuem 90% do mercado de cimento. Em suas defesas, as empresas negaram a prática de cartel.

No caso dos frigoríficos, as investigações partiram de denúncia feita pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sobre uma tabela-padrão de descontos. A CNA alegou que os preços do boi teriam sido definidos numa reunião em São José do Rio Preto (SP), em 24 de janeiro deste ano. Os frigoríficos disseram que o encontro teve o objetivo de discutir os efeitos da Medida Provisória 232 no regime de tributação do mercado de carnes. Mas, a Secretaria de Direito Econômico verificou que não havia advogados nem consultores jurídicos das empresas nas reuniões, mas apenas representantes comerciais aptos a discutir condições de vendas e preços. Em agosto de 2006, a Secretaria enviou o processo ao Cade, recomendando que os frigoríficos fossem punidos.

Nos dois setores, as condições gerais dos acordos ainda não estão definidas. O conselheiro Luís Schuartz queria assinar os acordos no dia 13, mas não conseguiu chegar a um termo final com as empresas. Procurado por este jornal, ele se negou a especificar quais os impasses, alegando que são processos em fase de negociação. Mas, segundo o Valor apurou com advogados que atuam no órgão antitruste, o impasse principal estaria no preço a ser pago pelas empresas para encerrar o processo. As empresas sinalizaram que pagariam a multa mínima, equivalente a 1% de seus faturamentos, mas o Cade teria exigido um valor maior. Se chegarem a um termo, os primeiros acordos para encerrar cartéis serão assinados no dia 28, data em que Schuartz ficou de levar os dois processos ao plenário do Cade para votação.