Título: Até quando a economia aguenta a alta do petróleo?
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Fonte: Valor Econômico, 19/11/2007, Internacional, p. A17

O preço do petróleo tem um lugar especial no folclore econômico. As duas mais danosas recessões mundiais em décadas recentes foram precedidas por repentinas altas da commodity: em 1973 e em 1979. Essas duas disparadas, ambas resultantes da limitação do suprimento pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), são exemplos clássicos de "choque" econômico - uma mudança repentina nas condições de comércio. Desde então, aumentos abruptos do petróleo provocam temor de estrangulamento do crescimento econômico.

O encarecimento do petróleo prejudica a economia porque funciona como um aumento de impostos. As empresas que usam petróleo ficam sujeitas a custos mais elevados que, se não puderem ser repassados através de aumentos nos preços, podem fazer com que parte da produção das companhias torne-se não lucrativa. Os consumidores, ao pagar mais por seu petróleo e seu óleo para aquecimento, vêem sobrar menos dinheiro para gastar em outras coisas. Se tentarem obter salários mais altos para compensar a queda de seu poder de compra, isso resultará só em perdas de emprego.

Os países produtores de petróleo beneficiam-se do encarecimento da commodity, de modo que o impacto sobre a demanda mundial depende de como gastam sua receita extra. Mas, mesmo que as receitas extraordinárias da venda do petróleo forem gastas preponderantemente em bens produzidos pelos importadores de petróleo, a mudança abrupta na distribuição da renda mundial é, ainda assim, desestabilizadora.

Em vista do histórico preocupante, a persistência da insegurança em face do encarecimento do petróleo é compreensível. A comprovação disso veio na terça passada, quando, após alguns dias difíceis, as bolsas de valores subiram, devido a notícias de que o preço do petróleo tinha caído para menos de US$ 93. Depois de todo o falatório sobre um rompimento da barreira de três dígitos, uma queda em direção a meros US$ 90 desencadeou uma alta nas bolsas devido ao alívio sentido nos mercados.

Mas, apesar de tudo isso, alguma coisa mudou. O preço atual do petróleo teria sido impensável até recentemente. Há seis anos, quando um barril podia ser comprado por no máximo US$ 20, um petróleo ao preço atual teria provocado temores de profunda recessão. Apesar do espectro de choques petrolíferos passados, o preço da commodity escalou alturas cada vez mais estonteantes sem prejudicar um período de cinco anos de forte crescimento mundial. Mas por que o bicho-papão petrolífero já não assusta tanto? Dois novos estudos de autoria de três economistas conhecidos - um de Olivier Blanchard e Jordi Galí; outro de William Nordhaus - propõem-se a explicar as razões. Eles chegaram a conclusões similares: os choques já não são tão prejudiciais porque o consumo de petróleo é menor do que no passado, porque a economia é mais flexível e porque os bancos centrais são mais eficazes no controle da inflação.

O que torna o petróleo especial é tratar-se de uma forma densa e portátil de energia. Não é fácil mudar para alternativas muito rapidamente, de modo que as perturbações no suprimento são prejudiciais à economia. Mas melhorias em eficiência energética implicam que a dependência do petróleo é menor do que no passado. Os países ricos consomem menos da metade do petróleo que usavam em 1970 para cada dólar (ajustado pela inflação) de Produto Interno Bruto (PIB). Assim, embora os preços, em termos reais, tenham voltado a níveis vistos na última vez na década de 70, seu impacto não é tão violento, contra o pano de fundo da decrescente importância econômica do petróleo (ver gráficos).

O impacto do encarecimento do petróleo é menor do que no passado e, em comparação com seu estado rígido na década de 70, as atuais economias mais flexíveis estão em melhor condição de absorver os choques. O petróleo mais caro traz algumas conseqüências diretas inevitáveis para os custos de produção das empresas e sobre os preços pagos pelos consumidores na compra de derivados de petróleo. Um impacto adverso mais amplo no mercado de trabalho e na produção depende de em que medida esses custos mais altos sejam absorvidos. Se os trabalhadores insistirem em aumentos salariais para conservar seu poder de compra, os custos das empresas sofrerão um impacto adicional, resultando em demissões, maior desemprego e demanda reprimida. Na medida em que os trabalhadores absorverem o impacto, aceitando o encarecimento do petróleo como se fosse um aumento temporário de impostos - reduzindo, assim, seu salário líqüido -, o dano colateral será menor. A rigidez das economias na década de 70 - quando o poder dos sindicatos e os contratos de trabalho indexados implicavam salários "imexíveis" - apenas multiplicava os efeitos adversos dos choques do petróleo. Os atuais mercados de trabalho flexíveis permitem que os choques do petróleo sejam absorvidos com menores conseqüências nefastas.

Se os consumidores mostram-se mais tolerantes em relação aos choques do petróleo, isso em parte deve-se a estarem mais acostumados a preços voláteis e em parte por terem confiança de que as autoridades conseguirão manter a inflação sob controle. A alta do petróleo pressionou os preços ao consumidor, mas as expectativas de aumentos de preços permaneceram estáveis. Isso reflete uma crença de que os bancos centrais agirão para controlar a inflação. Essa confiança favorece um círculo virtuoso. Os trabalhadores não se empenham tanto em negociar aumentos salariais inflacionários e as empresas pensam duas vezes antes de elevar os seus próprios preços. Em conseqüência, os BCs não precisam reagir tão agressivamente contra a inflação causada pelo petróleo. Uma política monetária menos irregular favorece maior estabilidade econômica.

Os dois estudos ajudam a explicar porque os choques do petróleo são muito menos prejudiciais do que no passado. Mas isso não significa dizer que os preços do petróleo já não têm nenhuma importância. As análises não levam em conta a alta do petróleo no decorrer do ano passado. O encarecimento desde o início do segundo semestre foi rápido até mesmo em comparação com os choques dos anos 70, e vem num momento particularmente prejudicial para os EUA, maior consumidor mundial de petróleo. Os consumidores americanos estão agora tendo de absorver uma seqüência de golpes. Queda no preços das moradias, condições de crédito mais apertadas, crescente desemprego e gasolina mais cara, tudo conspira para reduzir os gastos do consumidor.

Além disso, parte do custo de absorção de aumentos anteriores no preço do petróleo traduziu-se em maior endividamento dos consumidores e enorme déficit comercial, duas conseqüências que deixam a economia americana mais vulnerável. A economia americana já não tem a resiliência que exibia na década de 70. Mas uma combinação de golpes potentes poderá causar um impacto devastador. (Tradução de Sergio Blum)