Título: Distribuidoras já possuem 40% das vendas de remédios
Autor: Vieira , André
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2007, Empresas, p. B6

Sammy Birmarcker, presidente da Profarma: expansão forte no mercado de São Paulo com a saída dos dois concorrentes Na manhã do dia 17 de outubro, o empresário Elizeu Bueno participou de uma reunião crucial para o destino da sua empresa, a Audifar Comercial, com sede em Guarulhos (SP). Diante de credores, Bueno usou de uma metáfora típica da área de saúde: disse que o paciente - sua distribuidora de medicamentos, a 5ª maior do setor até um ano atrás e que hoje enfrenta um duro processo de recuperação judicial - estava doente. Bueno, que começou cedo como propagandista da indústria farmacêutica multinacional, reconheceu os erros do passado e prometeu lutar bravamente para tirar a empresa do sufoco.

Mas a doença que acometeu a Audifar, que havia crescido mais rapidamente do que podia suportar, machucou a indústria farmacêutica, deixando muita gente assustada. Pouco depois, a Sagra, o 6º maior distribuidor, deixou o ramo de remédios para focar apenas em perfumaria e cosmético, voltando ao nicho de origem. A Pacheco, maior rede de farmácias do Rio, preferiu centrar o esforço no varejo e largar a distribuição de remédios.

Diante de tantas mudanças, muitas indústrias ficaram assustadas e decidiram acelerar uma tendência que vinha ocorrendo lentamente nos últimos anos: a concentração em um número limitado de distribuidoras.

O atacado de medicamentos teve uma explosão nos anos 70 e 80, quando os fabricantes de remédios decidiram repassar essa atividade às empresas, capazes de atingir as regiões remotas do país. Administrar estoques e oferecer linhas de crédito ao varejo em época de hiperinflação foram os motores deste impulso de crescimento das distribuidoras. Elas foram atrás também de estados, como Goiás, Espírito Santo, e o Distrito Federal, que acabaram concedendo incentivos fiscais para a comercialização de medicamentos. Calcula-se que existam mais de 330 distribuidoras no país, que levam produtos para mais de 55 mil farmácias (tem gente que diz que o número de estabelecimentos varejista ultrapassa os 60 mil). Até há pouco tempo, as indústrias ainda trabalhavam com dezenas de distribuidoras.

Agora, sob pressão da concorrência e margens mais apertadas, uma parcela dos fabricantes de medicamentos decidiu concentrar as atividades de distribuição em três ou quatro empresas. Atacadistas que faturam entre R$ 1,8 bilhão a R$ 3 bilhões, segundo especialistas do setor. Estima-se que os três maiores distribuidores representem hoje 40% das vendas de medicamentos do país, um percentual acima dos 28% do fim do ano passado. Mas tem gente que diz que Santa Cruz, Panarello e Profarma - as três maiores do ramo - já respondem por mais da metade deste mercado.

"Ainda é pouco, menos do que ocorre em outros mercados, como os EUA, onde os três maiores distribuidores detêm mais de 90% do mercado. É até menor do que a Argentina ou o México", diz o diretor financeiro da Profarma, Maximiliano Fischer. A empresa, com sede no Rio, foi pioneira do setor ao abrir o capital e captar R$ 348 milhões em outubro de 2006. O dinheiro foi usado para abater dívidas e crescer em praças onde a empresa não estava como Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Neste ano, pelo menos 15 laboratórios passaram a utilizar os serviços da Profarma.

No terceiro trimestre, a receita bruta cresceu 32%, atingindo quase R$ 700 milhões (o mercado, 10%). "O crescimento expressivo é uma fator combinado da consolidação e a saída dos dois grandes distribuidores. Por isso, tivemos um crescimento grande em São Paulo", declarou recentemente o presidente da Profarma, Sammy Birmarcker, a analistas.

"Depois do sucesso do IPO, aguarda-se agora para saber qual será a próxima distribuidora a 'profarmar'", afirma o principal executivo de um laboratório nacional, com vendas de quase US$ 1 bilhão. Especialistas avaliam que as distribuidoras tomaram à frente para organizar o mercado, tentando reduzir a informalidade, que afeta muito o setor. Na semana passada, a Polícia Federal interditou duas distribuidoras no Rio de Janeiro, acusadas de venderem falsos remédios caríssimos contra câncer.

-------------------------------------------------------------------------------- "A consolidação é boa para o setor como um todo, pois aumenta a eficiência da cadeia", diz a analista Júlia Rizzo --------------------------------------------------------------------------------

A operação de abertura de capital da Profarma ajudou a dar visibilidade ao setor. Analistas passaram a acompanhar melhor a cadeia farmacêutica, abrindo espaço para a incursão de outros elos no mercado de capitais: a Drogasil, rede de farmácia, e a Farmasa, laboratório farmacêutico, entraram no ciclo de captura de recursos de investidores. "É natural que a consolidação aconteça e achamos que ela é boa para o setor como um todo pois aumenta a eficiência da cadeia", afirma a analista Júlia Rizzo, do Credit Suisse.

"Para o varejo, é bom porque reduz o capital de giro investido em estoques. Muitas vezes, devido à escala e aos incentivos fiscais, os distribuidores têm melhores preços do que se o varejo fosse vender direto para a indústria." Na avaliação dela, a consolidação também é boa para a indústria porque os fabricantes poderão ter um rastreamento melhor do seu produto, além de reduzir os estoques e melhorar o lançamento de novo produtos.

"Os grandes distribuidores têm um nível de serviço diferenciado", diz o presidente de um laboratório de genéricos. Segundo ele, os maiores conseguem atender entre 85 e 90 de cada 100 pedidos feitos pela indústria, ao passo que a média do setor gira em 50 a 60, afirma o executivo, que preferiu manter-se anônimo. Apesar de não possuírem um amplitude nacional, os grandes distribuidores estão presentes nos principais Estados. A Profarma, que possui 11 centros de distribuição e atende 15 Estados, alcança quase 90% do chamado PIB dos medicamentos, regiões onde se consome remédios. "O custo de logística ainda é alto para atingir regiões como a Amazônica", comenta Fischer.

Outro motor do crescimento é a fragmentação dos canais de vendas. Os distribuidores têm tirado vantagem do fato de o varejo farmacêutico ser bastante pulverizado. Os laboratórios já vendem diretamente às grandes redes de varejo, mas elas ainda representam não mais do que 3 mil farmácias do universo total. Calcula-se que 12 mil delas representem 75% das vendas. A longo prazo, a consolidação do varejo pode impor riscos aos distribuidores. "É um processo muito lento. A 11ª maior rede de varejo não possui mais do que 40 lojas", diz um distribuidor.

Depois do episódio com a Audifar, esse processo de consolidação dos distribuidores começa a ser visto com desconfiança e certo receio por parte de indústrias. "Em tese, a concentração não é boa para a indústria porque cria uma dependência muito forte", diz o presidente de outro laboratório nacional, que prefere manter-se incógnito. "É arriscado ficar com 25% do seu negócio em um único distribuidor. Se um deles quebrar, 33% de suas vendas ficam com três distribuidores. É muito risco em um cesto só", completa um diretor de multinacional, que trabalha com três dezenas de atacadistas. "Três é pouco, mas o mercado acomoda 10 a 15 distribuidores."

Os distribuidores avaliam que este risco não é assim tão perigoso como dizem esses fabricantes. "As multinacionais já convivem com esse quadro de consolidação lá fora. E, como no Brasil, os preços dos medicamentos são controlados e mais de 65% dos produtos que distribuo são de marcas (protegidos por patente), qual é o poder barganha que eu tenho", questiona Fischer, da Profarma. "Como vou conseguir dominar o mercado de quem tem o Viagra ou o Cialis, produtos líderes."

Outro risco para a sobrevivência do setor é que alguns laboratórios utilizam de sua força de vendas para tirar os pedidos nas farmácias de seus produtos, principalmente aqueles com maior apelo aos pacientes, como os medicamentos isentos de receita médica (OTC). E contratam os distribuidores apenas como operadores logísticos para recolher o produto da indústria e entregar na farmácia. "Com isso, temos controle maior sobre a gestão do canal de vendas. Esse é o melhor caminho", diz Eduardo Rocha, diretor da União Química, que fechou semana passada acordo com a distribuidora Santa Cruz para ingressar na área hospitalar.

A proposta de recuperação da Audifar foi aprovada naquele dia de outubro, depois de uma longa reunião, pelos credores, bancos e fabricantes, que esperam receber o dinheiro de volta e estão liberando o crédito conforme as regras do plano forem sendo cumpridas. Se conseguir sair desta condição, a Audifar só voltará a atingir o nível de vendas que tinha no ano passado no início da próxima década, segundo prevê o plano de socorro. Até lá, a expectativa é que o setor de distribuição de medicamentos já esteja consolidado, segundo disseram alguns fabricantes e distribuidores ao Valor. O que relegará o mercado para poucos.