Título: A aplicação do instituto do bloqueio on-line
Autor: Rosa , Pérsio T. Ferreira
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A penhora on-line é um mecanismo que já nasceu com um erro terminológico. Não se trata de uma penhora por meio eletrônico, mas sim de um bloqueio a ser realizado mediante uma solicitação judicial. Após este ato, ocorre a transferência dos recursos bloqueados para uma conta corrente vinculada ao juízo que determinou sua prática, a fim de que se proceda à penhora, lavrando-se o respectivo auto e a conseqüente intimação do devedor e os demais atos próprios do processo de execução ou de cumprimento de sentença.

Nossa legislação estabelece, em relação aos bens passíveis de penhora, uma ordem preferencial, que vai do dinheiro a "outros direitos", conforme estabelece o artigo 655, incisos I ao XI do Código de Processo Civil (CPC). Com efeito, se o processo de execução busca a satisfação do credor, é evidente que o legislador consagrou a penhora sobre o dinheiro com a rubrica "preferencial". É justamente esta a motivação do novo artigo 655-A do CPC.

Neste ponto, faz-se necessária uma breve digressão histórica. Antes de a evolução tecnológica fornecer meios rápidos e seguros para a pesquisa de bens em geral e de ativos financeiros em nome dos devedores, raramente o credor obtinha a satisfação de seu crédito. Se, por um lado, a alienação de bens (em processo de conhecimento ou de execução, indistintamente) que possa levar o devedor à insolvência é tida como nula de pleno direito, conforme o artigo 593, inciso II do CPC, por outro o referido dispositivo não confere a segurança necessária. Primeiro, pelo fato de haver uma certa instabilidade jurisprudencial no que concerne à correta interpretação do mencionado dispositivo. Em segundo lugar, porque a decretação de nulidade depende de manifestação judicial, respeitando-se o direito de ampla defesa relativamente a terceiros que, eventualmente, sintam-se prejudicados. Isto processual consome tempo e recursos das partes, configurando-se um dano marginal do qual dificilmente as partes se ressarcem.

É importante lembrar que a perda de tempo em um ambiente negocial é, por vezes, letal para o empresário, que depende desse fator natural para obter sucesso nas negociações. O certo é que a máxima de que dinheiro se recupera não se aplica ao tempo. Em terceiro lugar, é verdade que bens financeiros podem dissipar-se de forma a não deixar "rastro" ou sem que se possa identificar um negócio subjacente capaz de retornar ao status quo anterior após sua nulificação e, por conseguinte, garantir a satisfação do credor.

-------------------------------------------------------------------------------- O equilíbrio do sistema está no choque de duas forças antagônicas: o elemento surpresa e o direito do devedor --------------------------------------------------------------------------------

A vantagem do sistema, atualmente, é que basta ao juiz emitir uma ordem de seu computador para que todo o sistema financeiro, em tempo real, receba a comunicação e proceda ao bloqueio, sem dar prévia publicidade deste ato aos devedores. Verifica-se, portanto, que o sucesso do bloqueio on-line depende, em grande parte, do elemento surpresa, medida extremamente necessária em relação à massa de devedores que, por características particulares, estruturam suas vidas em outras bases, ficando os credores expostos ao risco de não conseguir a sagrada satisfação de seus direitos creditórios.

No entanto, não se pode elaborar um texto legal de modo particularizado e pontual. Deve-se atingir um ponto de equilíbrio, ou seja, encontrar a solução ótima a que refere a professora Teresa Arruda Alvim Wambier: um sistema de freios e contrapesos ("checks and balances") que permita tanto ao jurisdicionados como aos julgadores atuar em um ambiente seguro e previsível pela razoabilidade das regras. Inolvidável que o ponto de equilíbrio do sistema está justamente no entrechoque de duas forças antagônicas - o elemento surpresa, que deve estar presente no bloqueio on-line, e o direito do devedor de que a execução se faça pelo meio menos oneroso, conforme o artigo 620 do CPC.

Em apoio à demonstração de nossa assertiva, lembramos que o bloqueio de ativos de uma empresa, a pretexto de liquidar uma dívida, pode gerar default em relação aos seus contratos comerciais e inadimplência no pagamento de tributos, fornecedores e empregados, causando-lhe danos irreparáveis. Portanto, sem a pretensão de impor um modelo para a solução do problema, mas apenas para fomentar a discussão, há que se pensar em uma ferramenta que, ao mesmo tempo, garanta ao credor a satisfação de seu crédito e ao devedor a demonstração do perigo da medida ou a existência de formas alternativas e menos onerosas para o cumprimento da obrigação de pagar.

Se, para o cidadão, os recursos financeiros servem para custear suas necessidades básicas, para as empresas o capital significa o meio de sobreviver em um ambiente competitivo, o que exige agilidade na tomada de decisões, para as quais a disponibilidade financeira é de fundamental importância. Os juízes e o sistema Bacen-Jud do Banco Central devem estar afinados com os preceitos legais, a fim de que situações individuais não sejam visualizadas sob um prisma global, evitando-se o apego irracional a medidas que acabam por gerar um dano cuja reparação pode ser, senão impossível, pelo menos bastante difícil.

Pérsio Thomaz Ferreira Rosa é advogado e sócio do escritório Venturi, Santello, Ciasca e Ferreira Rosa Advogados

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