Título: Argentina já discute medidas de ajuste
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Internacional, p. A13

Passadas as eleições presidenciais na Argentina, o assunto voltou à tona. O presidente Néstor Kirchner estaria preparando um aumento das retenções sobre as exportações de soja, milho e trigo, como forma de engordar o caixa do Tesouro e elevar o superávit fiscal antes de entregar o governo a sua esposa, a senadora Cristina Fernández de Kirchner, eleita presidente no domingo. Uma fonte do governo, que pediu para não ser identificada, disse aos dois principais jornais argentinos, "Clarin" e "La Nación", que algumas medidas já estão no forno para serem tomadas até 10 de dezembro quando Cristina assume o cargo.

A principal delas, e que já havia sido ventilada no mês passado, é um aumento entre cinco e dez pontos percentuais das retenções sobre as exportações de grãos, principalmente soja, trigo e milho. A medida, que já está sendo criticada pelas entidades ligadas ao agronegócio, significaria uma arrecadação adicional de 10 bilhões de pesos (cerca de US$ 3,1 bilhões). A venda destes produtos ao exterior já é taxada com 27,5% para a soja em grãos, 24% para o óleo e a farinha e 20% para o trigo e o milho. Segundo dados do Ministério da Economia, o país arrecada atualmente cerca de 1,6 bilhão de pesos (cerca de US$ 500 milhões) por mês com as retenções e, no caso da soja, seria o segundo reajuste das retenções só este ano.

Ainda no campo do aumento de arrecadação, o governo poderia lançar um novo bônus no mercado internacional, para captar outros US$ 500 milhões, e ampliar a obrigatoriedade de repatriação de investimentos feitos no exterior para as companhias de seguros. Há três semanas o governo obrigou os fundos de pensão privados a repatriar US$ 2 bilhões que estavam aplicados em ações na Bovespa. Para a captação externa, o governo tem a opção de utilizar um mandato já aprovado de emissão do Bônus do Sul, em parceria com o governo venezuelano.

Outras ações em estudo, segundo a imprensa local, vão para o lado do corte de despesas. Obras públicas teriam reduzido seu ritmo de execução, e os recursos das retenções poderiam ser usados em parte para financiar os elevados subsídios que o governo argentino dá a produtores de alimentos da cesta básica como trigo, frango, carne e batatas.

A cotação do dólar (3,17 a 3,20 pesos) seria mantida estável e seriam liberados reajustes nos preços de alguns serviços que estão congelados, como gás e eletricidade. Mas os aumentos atingiriam só consumidores de mais alta renda.

O pacote foi desmentido pelo chefe de Gabinete do presidente Kirchner, Alberto Fernández. Em entrevista a uma rádio, Fernández disse que as notícias sobre as retenções não passavam de "especulações jornalísticas" e que "não há um conjunto de medidas como estão apresentando que tenham este objetivo".

Ele acrescentou que "o presidente Kirchner continuará trabalhando com a lógica de manter e preservar o superávit fiscal", que vem caindo (veja gráfico). Este ano, Fernandez acumulou o cargo com a coordenação da campanha eleitoral de Cristina, e é forte candidato a continuar na próxima gestão.

Apesar da negativa oficial, empresários e economistas já vinham pedindo publicamente uma correção de rumo das contas fiscais, que mostram uma clara deterioração desde 2004. Ao longo de 2007, calcula-se que Kirchner tenha elevado os gastos públicos em quase 40% e diminuído ainda mais o superávit fiscal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), de 3,54%, em 2006, para 3,29% até setembro. Em seu relatório semanal sobre a economia argentina, o analista Ricardo Amorim, do banco WestLB em Nova York, prevê que o superávit cairá para 3% até o fim do ano.