Título: Riscos em meio à exuberância global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Opinião, p. A15

Desde julho convivemos com um ponto de interrogação sobre a economia mundial. Não que antes houvesse certeza. Nunca há, mas existem fases em que a visibilidade alcança horizontes mais amplos. Por mais que as bolsas do mundo continuem exuberantes, não se pode negar que existem rachaduras no sistema.

O período 1995-2005 foi uma década de ouro para a economia mundial. Mesmo sendo uma economia madura, os Estados Unidos mostraram que a renovação institucional traz frutos. Assim, nas décadas anteriores, houve mudanças na regulação dos mercados, o Banco Central promoveu um bem-sucedido (ainda que custoso) processo de desinflação e as empresas usaram as novas tecnologias da informação para otimizar a logística de suas operações e flexibilizar a sua administração de estoques e mão-de-obra.

Ao mesmo tempo, novos mercados brotavam com a inclusão da China e do Leste Europeu ao mercado global. A abertura e reestruturação dos países da América Latina também ampliaram as fronteiras do mercado mundial. A expansão dos mercados promoveu o aumento da produtividade devido a ganhos de escala e especialização da produção. Essa combinação simultânea da demanda e da oferta está na origem da "riqueza das nações", na visão original de Adam Smith em 1776.

A desaceleração do Nasdaq em 2000, ao lado da redução dos custos de produção, levaram os bancos centrais a temer uma deflação. Em resposta, as taxas de juros caíram a níveis historicamente baixos, reacelerando a demanda global e produzindo um boom de ativos - casas, ações, dívidas de países emergentes e empresas nascentes. A força da economia mundial veio acompanhada de um boom das commodities, que reforçou a bonança dos países exportadores.

Esse é o contexto dos últimos anos. Mudanças estruturais comparáveis a momentos de grandes transformações - como a emergência dos Estados Unidos no século XVIII e a reconstrução do pós-Segunda Guerra - forjam a visão do futuro.

Esse processo não se esgotou. O ritmo de inovações tecnológicas nos países ricos não tem precedentes. A Europa tem feito um esforço para reestruturar as suas economias, as asiáticas continuam em processo de mudança - com a China se tornando a linha de montagem, enquanto Japão, Coréia, Cingapura e Taiwan passam a ser seus fornecedores - e países como Brasil, México, Turquia e Índia estão em franco momento de modernização institucional.

Esse movimento secular, entretanto, está sujeito a turbulências. Essas são como as dores do crescimento, decorrências de ajustes a um novo entorno institucional, a novos mercados e suas oportunidades e ameaças, e a novas atitudes; assim como decorrências de velhos vícios do capitalismo, como arroubos de otimismo e amor ao risco quando as coisas vão muito bem.

-------------------------------------------------------------------------------- Turbulências são como dores do crescimento, provocam ajustes a um novo entorno institucional e são também resultado de velhos vícios --------------------------------------------------------------------------------

Hoje, o ponto de interrogação sobre a economia mundial tem a ver com a força desses ajustes para promover uma rusga, mais ou menos profunda, no processo secular.

Quais as manifestações dessa "nova economia"? O preço dos imóveis como proporção da renda das famílias e o preço das ações como proporção dos lucros das empresas estão muito altos na maioria dos países do mundo. Ainda que a pobreza tenha diminuído e a distribuição de renda melhorado no mundo, a distribuição dentro da maioria dos países piorou, produzindo insatisfação das "classes médias". Associada a essa insatisfação está um certo mal-estar com as ameaças da globalização - concorrência de produtos importados e trabalhadores imigrantes. A exuberância dos preços de commodities têm produzido complacência com a modernização política e institucional em alguns países exportadores.

Então, quais os ajustes e riscos?

Que haja uma correção importante dos preços dos imóveis e das ações, associados a momentos de restrição de liquidez e a perdas de riqueza dos donos de casas e seus credores, e dos donos de ações. Que haja uma guinada populista e protecionista em alguns países do G7, risco que algumas figuras proeminentes têm mencionado quanto aos Estados Unidos. Que a complacência institucional e fiscal dos reis das commodities aumentem a vulnerabilidade dos países a eventos negativos.

E quais as conseqüências desses riscos se materializarem?

A redução da riqueza promoverá menor expansão da renda mundial e os países reagirão de acordo com as condições de suas economias e o arsenal de que dispõem os governos. Nenhum país está a salvo desses eventos e haverá maior seletividade dos investidores.

Países com bons indicadores de solvência externa e fiscal, dotados de infra-estrutura física e institucional e ambiente político estável, serão relativamente menos afetados. Para os exportadores de commodities, os usos que fizeram do boom de preços (Investiram ou consumiram? Melhoraram a infraestrutura? E as contas fiscais?) farão a diferença.

O populismo e o protecionismo no G7 também têm efeitos. Por exemplo, se os EUA reagirem a uma desaceleração aumentando o déficit fiscal e adiando as reformas da previdência e do medicare, as contas externas demoram mais a se corrigir e o dólar tende a se enfraquecer mais. Se reagirem à concorrência chinesa impondo barreiras tarifárias, haverá pressões inflacionárias nos EUA e perda de crescimento mundial.

Ou seja, mesmo mudanças que afetam a trajetória de longo prazo têm efeitos imediatos sobre a economia e as variáveis financeiras.

E qual a probabilidade desses riscos se manifestarem? São bem maiores que há três meses atrás que, por sua vez, eram maiores que há seis meses. Portanto, a probabilidade vem aumentando e, por isso, os mercados, ainda que exuberantes, estão muito mais sensíveis e vulneráveis à materialização dos riscos.

Edward Amadeo é sócio da Gávea Investimentos. Escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: eamadeo@terra.com.br