Título: Ação de futuro?
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2007, EU & Investimentos, p. D1

A barulhenta estréia das ações da Bovespa Holding no pregão, com alta de mais de 50% no dia 26, encheu o bolso de quem participou da operação e agora esses investidores - e os que ficaram fora da festa - arregalam os olhos para o lançamento da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). A oferta pública inicial (IPO, em inglês) da quarta maior bolsa de derivativos do mundo - cujo prazo de reserva começa hoje e vai até o dia 27 - tem ingredientes para repetir, em alguma medida, o sucesso de Bovespa HLD. Mas o desenrolar dessa história se dá num cenário mais adverso. Sem que seja possível aferir o tamanho do prejuízo dos bancos americanos com a inadimplência nas hipotecas e as conseqüências sobre a economia dos EUA, o risco na renda variável aumentou como um todo. Além disso, o investidor terá de avaliar se o preço já não vem inflado.

A BM&F pretende vender 260,161 milhões de ações ordinárias (ON, com voto), avaliadas entre R$ 14,50 e R$ 16,50, numa operação que pode esbarrar nos R$ 5 bilhões. Se os papéis saírem no teto, ela vai estrear no pregão com valor de mercado de R$ 14,881 bilhões, um preço de quase 50 vezes o lucro previsto para este ano, de R$ 300 milhões. A Bovespa HLD, ao sair a R$ 23,00 no IPO, tinha uma relação de 33 vezes, e, depois da escalada, vem sendo negociada a 51 vezes. Os dois negócios, embora envolvam o ambiente de intermediação de ativos, não são, porém, plenamente comparáveis, diz o professor William Eid Junior, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). Já a Chicago Mercantile Exchange (CME), a maior bolsa de futuros do mundo, tem um preço equivalente a 43,4 vezes o lucro para 2007.

Olhando esse múltiplo conhecido como Preço/Lucro (P/L), que pode ser interpretado como o prazo para de retorno do investimento - no caso da BM&F em até 50 anos -, o intervalo indicativo para as ações sugere que o papel pode começar a ser listado na Bovespa, no dia 30, próximo do seu valor potencial. "O que justificaria um P/L tão alto seriam as perspectivas, para os próximos anos, de que o lucro aumente num ritmo acelerado", diz o professor de finanças do Ibmec-RJ Luiz de Magalhães Ozório.

O especialista pondera que era de se esperar que os bancos coordenadores e os donos das ações à venda valorizassem mais o ativo BM&F. Para ele, a alta de 52% de Bovespa HLD no primeiro pregão pode ser interpretada como erro de avaliação do negócio, mesmo após a banda de preços ter sido elevada - de R$ 15,50 a R$ 18,50 para uma faixa entre R$ 20,00 e R$ 23,00, com as ações saindo no novo teto. Para se ter uma idéia, a participação de 10% da BM&F que a CME adquiriu em outubro saiu a US$ 7,98 por ação e, com base no preço máximo para o IPO, já vale US$ 9,31, uma valorização de 17%.

Com o Brasil às vésperas de ganhar a nota de grau de investimento - selo conferido pelas agências de classificação de risco e que permitirá que os grandes fundos de pensão estrangeiros apliquem no país -, as perspectivas para o aumento dos volumes transacionados na Bovespa e na BM&F são alvissareiras. Para Ozório, é de se esperar que a expansão do mercado à vista, com maior número de empresas listadas e um giro médio que pode chegar a R$ 10 bilhões rapidamente, seja acompanhada pelo incremento dos negócios com operações mais sofisticadas no mercado futuro. Só que o cenário externo mais volátil, adverte, não costuma ser um terreno muito fértil para os IPOs. "Em momentos como esse, os investidores estrangeiros têm receio de comprar papéis de empresas estreantes, por mais conhecidas que sejam."

Para a pessoa física, a BM&F pode não ser tão famosa quanto a Bovespa, mas leva vantagem ao ter como principais participantes os investidores institucionais, como as tesourarias dos grandes bancos, os fundos mútuos, de pensão e as seguradoras, (que responderam por 76% dos contratos negociados em 2006), lembra o professor de finanças da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Paschoarelli. "São agentes que se valem dos derivativos para se proteger ou alavancar as operações e que geram movimentação em mercados de alta ou de baixa", afirma. O aumento da oferta de crédito na economia, acrescenta, também encontra paralelos na BM&F, à medida que as instituições financeiras referenciam o custo dos empréstimos e balanceiam os riscos recorrendo aos contratos de juros futuros.

A BM&F foi a primeira bolsa do mundo a criar um sistema que enxerga a posição global do investidor para efeito de margem (depósito de garantia), exemplo de como é inovadora, diz Eid Jr., da FGV. O fato de a CME ter criado contratos de real/dólar no fim da década de 90 e a liquidez ter permanecido na bolsa brasileira também é um sintoma da confiança dos investidores, acrescenta. No curto prazo, o risco de comprar a ação está na volatilidade que pode ter nos primeiros dias de negociação. Mantê-la como aposta de longo prazo é uma boa pedida, na sua avaliação.

Para quem se entusiasmou com os ganhos de Bovespa HLD logo na largada, o diretor da Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, lembra que não há garantias de que os papéis da BM&F repetirão tal desempenho. O especialista sublinha que a bolsa de futuros é uma instituição de maior porte do que a Bovespa - negocia mais de R$ 100 bilhões ao dia - o que, em tese, limitaria o crescimento. "A BM&F pode pegar carona na expansão da Bovespa pelos contratos de índice, mas no seu ganha-pão, no mercado de juros e câmbio, o potencial é menor", diz. "E por negociar muito, as taxas cobradas são também menores."

No prospecto, a BM&F informa que a média diária negociada em DI teve um aumento de 55% de janeiro a setembro, em comparação ao mesmo período do ano passado. Os futuros de dólar avançaram 62,6% e de Ibovespa, em 69%. Para a bolsa, o aumento do apetite do investidor estrangeiro tende a ser potencializado pelo "grau de investimento". O desenvolvimento do setor de fundos no Brasil, que reúne um patrimônio de R$ 1 trilhão, e o alongamento dos prazos da dívida pública são outros fatores citados como alavanca para o negócio.