Título: Carta Dilma ganha força no Planalto
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Especial, p. A16

Roosewelt Pinheiro/ABr Dilma Rousseff conquistou o setor privado que a vê como "pragmática", "objetiva", uma "verdadeira executiva" Figura mais poderosa do ministério no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, se credencia para disputar sua sucessão, em 2010. Convalescente de um tratamento de diverticulite, a ministra nunca esteve tão forte. Na hipótese de não ser capaz de demover o PT de candidatura própria, o presidente trabalha discretamente para viabilizá-la, protegendo-a da disputa político-partidária, aconselhando-a a se expor menos e impedindo-a de centralizar as ações do governo, equívoco cometido, na sua opinião, pelo antecessor dela na Casa Civil, José Dirceu. Há dois meses, Lula confidenciou a um amigo que ia encomendar pesquisas qualitativas para ver se Dilma tem condições de ser candidata. Segundo assessores e ministros ouvidos pelo Valor, ele acredita que, se o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) der certo e a economia crescer em torno de 4,5% nos próximos anos, a ministra será o nome mais forte do PT à sucessão.

Dilma conquistou também o setor privado. Executivos de grandes empresas, com quem ela mantém contatos freqüentes por causa do PAC, vêem a ministra com grande admiração. Consideram-na "pragmática", "objetiva", uma "verdadeira executiva", nada que lembre seus tempos de militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), grupo guerrilheiro que, no fim dos anos 60, acreditava que a revolução socialista estava na ordem do dia porque a burguesia nacional não tinha mais nenhum papel transformador a cumprir no país.

Hoje, Dilma trabalha para o Brasil ter uma burguesia nacional forte, com inserção internacional. Ela tem estima pelos capitalistas brasileiros que deram certo. Numa recente entrevista ao Valor, citou nominalmente três deles - Jorge Gerdau (Grupo Gerdau), Antônio Ermírio de Moraes (Votorantim) e Roger Agnelli (presidente da Vale do Rio Doce). "Ela não tem resquícios ideológicos. As pessoas falam de seu passado político, mas, para nós, é surpreendente porque, hoje, não vemos nada disso. Ela é uma executiva", disse o diretor de uma multinacional brasileira.

"Dilma não é uma pessoa presa ao passado, seja ideologicamente, seja emocionalmente. Ela superou o que viveu naquela época, tem muito orgulho do que fez e admiração pelos companheiros daquele período, mas incorpora isso como experiência e não para ficar presa ao passado", atestou Fernando Pimentel (PT), prefeito de Belo Horizonte, ex-companheiro de VAR-Palmares e amigo há 40 anos da ministra.

Para o presidente, a base para a construção da candidata Dilma é o PAC. Lula acredita que a ministra está conseguindo tirar o programa do papel. O exemplo de "sucesso" mais citado foi o leilão de concessão de sete rodovias federais, ocorrido há três semanas. Os preços dos pedágios obtidos na licitação foram os mais baixos da história do país nesse tipo de leilão. O resultado definitivo ainda depende de homologação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mas, para o Palácio do Planalto, a vitória do governo, atribuída exclusivamente à determinação da ministra, que mudou as regras do leilão em busca do pedágio mais barato, foi categórica. Lula acha que, nesse episódio, Dilma desmoralizou a crítica de que seu governo não tem gestão.

A ministra construiu sua força dentro do governo devotando fidelidade canina ao presidente e enfrentando e derrotando adversários poderosos. Constam dessa lista, entre outros, Luiz Pinguelli Rosa, Ildo Sauer, José Sérgio Gabrielli e Antonio Palocci. Aliado histórico do presidente, Pinguelli era o favorito para comandar o Ministério das Minas e Energia no primeiro mandato. Durante o período de transição de governo, Lula se afeiçoou por Dilma, que pouco conhecia, e decidiu nomeá-la para o cargo, deslocando Pinguelli para a Eletrobrás - a ministra não é petista histórica; originária do PDT, aproximou-se do PT quando foi secretária de Energia de Olívio Dutra no governo do Rio Grande do Sul.

Na transição de governo, Dilma, uma economista de formação heterodoxa (ela fez mestrado e doutorado na Unicamp), começou a revelar seu lado pragmático. Na ocasião, o país mal saíra do apagão energético de 2001 e o desafio do novo governo era adotar um modelo para o setor elétrico que afastasse esse risco e atraísse novos investimentos. A ministra optou por reformar o modelo deixado por Fernando Henrique Cardoso, em vez de eliminá-lo.

O mercado livre de energia, em que os grandes consumidores escolhem o fornecedor de energia, floresceu justamente no governo Lula. Hoje, é responsável por quase 30% do consumo de energia no país. "A Dilma está num processo de transição. Partiu de um ponto de achar que o lucro era pecado para um extremo pragmatismo. É muito inteligente, antenada e evolui", observou um auxiliar de Lula.

A decisão de apenas reformar o modelo energético provocou fissuras nas relações da ministra com petistas históricos da área de energia, como Pinguelli Rosa e Ildo Sauer, nomeado em 2003 para a diretoria de Gás e Energia da Petrobras. Sauer tornou-se um crítico ácido das políticas da ministra para o setor. Imaginando que tinha o respaldo do presidente, rejeitou as diretrizes da ministra para a política de gás e travou, com ela, durante quatro anos e oito meses, uma disputa que só teve fim há pouco mais de um mês, quando Lula o demitiu da estatal e nomeou uma aliada de Dilma - Maria das Graças Foster - para o cargo.

A Petrobras é um capítulo à parte no histórico de disputas da ministra dentro do governo. "Há uma brincadeira no governo, segundo a qual, a Petrobras é uma nação. Ainda bem que é uma nação amiga. E a Dilma leva isso muito a sério", disse um assessor do presidente. Presidente do Conselho de Administração da estatal, tendo mantido o cargo mesmo quando deixou o Ministério das Minas e Energia e foi para a Casa Civil, a ministra teve discussões ásperas com o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, por causa de assuntos como gás e Bolívia. Nesses embates, revelou um traço que desagrada à maioria dos ministros e que, mesmo para alguns de seus admiradores, é um obstáculo a ser superado em sua possível carreira política: a rispidez.

"Ela chega à beira da falta de educação. Desqualifica o interlocutor quando acha que ele está equivocado. Em mais de uma oportunidade, disse ao Gabrielli: 'Você não sabe do que está falando'", revelou um auxiliar do presidente. "A rigor, todo mundo tem um pouco de pé atrás com ela. Poucos ministros ficam à vontade", diz um amigo de Lula.

-------------------------------------------------------------------------------- Lula a protege da disputa partidária e a impede de repetir o equívoco de Dirceu da centralização excessiva --------------------------------------------------------------------------------

O ministro da Ciência e Tecnologia, o físico Sérgio Resende, foi um dos alvos da "ira santa" de Dilma e, desde um episódio recente, não se recompôs com ela. Numa reunião para tratar de um pacote de medidas para C&T, ela criticou duramente as propostas de Resende e discutiu com ele. No fim do encontro, zangado, o ministro confidenciou a um assessor de Lula: "Não quero mais falar com a Dilma".

Por causa de seu estilo, a ministra tem poucos amigos na Esplanada dos Ministérios. Os mais próximos são Tarso Genro (Justiça), Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais) e Paulo Bernardo (Planejamento), que descobriu uma maneira curiosa de reagir às reprimendas de Dilma. "Se você continuar brigando comigo desse jeito, eu vou me apaixonar", disse Bernardo à ministra, numa conversa telefônica presenciada por um colega. Dilma vê na imagem de "durona" que lhe é atribuída uma forma de preconceito. "Todo mundo acha que sou dura e, de fato, sou mesmo. Sou uma mulher dura no meio de homens 'meiguíssimos'", ironizou ela, em recente conversa com um amigo.

A ministra preza pela sinceridade. O próprio presidente já sentiu isso na pele. Em agosto de 2005, no auge da crise do mensalão, quando o publicitário Duda Mendonça confessou à CPI que recebeu dinheiro do PT por meio de caixa 2, a ministra considerou que, ali, o governo chegara ao fim da linha. Acompanhada de Palocci, então ministro da Fazenda, ela foi ao Palácio da Alvorada dar um conselho ousado ao presidente - que ele renunciasse ao cargo. Lula riu dos dois. "Vocês não me conhecem". Nos meses seguintes, o presidente recuperou a popularidade, superou a crise e foi reeleito.

O episódio serviu para reforçar em ambos - presidente e ministra - um sentimento de confiança mútua. "Ela não contraria ele, tem veneração pelo Lula. Não faz nada que ele não queira, e só faz o que ele quer. Quando fala dele, e não fala Lula nem presidente. Diz 'Ele'", revelou um ministro.

Um ministro do círculo íntimo do presidente, que já presenciou altercações entre Dilma e seus colegas e assessores, afiançou que ela é dura, "mas sabe ser justa". Numa controvérsia recente na área de telecomunicação, repreendeu um assessor, mas, pouco depois, reconheceu que havia dado uma ordem "ambígua" a ele. "O que mais impressiona é o controle que ela tem sobre os projetos essenciais do governo", assinalou esse ministro.

Assim como José Dirceu, Dilma tem forte tendência a centralizar as ações do governo na Casa Civil. Quando não conhece um assunto, mergulha nele para passar a entendê-lo. E quando isso acontece, toma o assunto para a sua área. Foi assim no caso da TV digital. Mesmo sendo um tema do Ministério das Comunicações, foi ela quem liderou o processo que levou à escolha do padrão tecnológico japonês. "Ela gosta muito de detalhes", contou um auxiliar de Lula. Recentemente, comprou livros sobre história da Argentina, país que será governado em breve por uma mulher (Cristina Kirchner).

Ter um ministro cuidando da gestão de governo em tempo integral agrada ao presidente. Lula se ressentia do fato de José Dirceu dedicar-se mais à articulação política, relegando a gestão. Segundo um ministro, não há um assunto sequer de infra-estrutura e de economia que a ministra não acompanhe. Isso ajuda o presidente a entender os assuntos e a tomar decisões. "É bom porque a Dilma nunca deixa ninguém me enrolar", afirmou Lula numa reunião no Planalto.

Ao mesmo tempo, o presidente teme o excesso de centralização na Casa Civil. Quando alguém indica a ministra para participar da solução de algum problema ou mesmo para acompanhar um governador numa audiência no Palácio, ele proíbe. Claramente, segundo ministros e assessores ouvidos pelo Valor, Lula zela por Dilma. Dá dicas a ela, sugere que não centralize muito, que não se exponha publicamente, conselho que recentemente a ministra decidiu seguir, depois de um período de forte exposição na mídia. "Lula faz muita questão de preservar a Dilma. Proíbe, inclusive, que se fale dela no Palácio como candidata", contou um assessor.

Para Lula, a hipótese Dilma é a mais conveniente, embora ele goste de Ciro Gomes e aprecie sua lealdade. A eleição da ministra não atrapalharia seus planos de tentar um terceiro mandato em 2014 - isto, se as circunstâncias já não viabilizarem isso em 2010. O presidente trata a chefe da Casa Civil como um trunfo pessoal. "Dilma não tem projeto político próprio. Só será candidata se Lula quiser", atestou um auxiliar. Com Ciro, Lula sabe que a história é outra. O político cearense é leal ao presidente, mas tem vôo próprio. Além disso, não há acordo entre eles para uma aliança em 2010. O presidente sabe também que o PT não abrirá mão de lançar um candidato - é por isso que, nas conversas internas, ele cita Dilma como a possibilidade petista mais viável.

Seu pragmatismo, aliado a uma forte disposição para resolver problemas que atrapalham a realização de investimentos, agrada muito o empresariado. Incomodada com a lentidão do Ibama em conceder o licenciamento ambiental da obra de construção da hidrelétrica de Estreito, no Sul do Maranhão, a ministra operou nos bastidores para que a licença saísse, o que acabou acontecendo no fim do ano passado. Em março, três meses depois, o projeto, um empreendimento privado incluído no PAC, continuava parado. Ela decidiu, então, convocar a Brasília os representantes do consórcio, formado pelos pesos pesados Vale, Suez, Alcoa e Camargo Corrêa.

No encontro, a ministra constatou que havia problemas de governança no consórcio. Numa conversa "muito franca", segundo depoimento de um dos presentes à reunião, Dilma articulou um entendimento entre os sócios privados de Estreito. Duas semanas depois, o projeto andou. "Ela usou o poder do cargo para fazer as partes privadas se entenderem. E ninguém saiu insatisfeito. A coisa fluiu bem. Ela fez com que todos se mexessem e partissem para uma solução", testemunhou um empresário.