Título: Núcleo lulista do PT tenta viabilizar Ciro no partido
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Especial, p. A16

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O núcleo do PT mais próximo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva joga com o tempo para tentar fazer o partido render-se ao pragmatismo em relação a 2010. A avaliação é que a existência de dois candidatos na base governista irá favorecer uma eventual candidatura de José Serra (PSDB), que já deve começar a corrida sucessória em primeiro lugar nas pesquisas, em um cenário semelhante ao que beneficiou o próprio Lula nas eleições de 2002. E que nenhum petista a médio prazo terá densidade nas pesquisas semelhante a do deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), candidato nas eleições de 1998 e 2002.

Ministro da Integração Nacional entre 2003 e 2006, Ciro passou todo o primeiro mandato de Lula sem criticar publicamente a política econômica do então ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho e solidário com o PT na crise política do mensalão. O parlamentar cearense tem dito a interlocutores no PT que não acredita em união da base governista em 2010, mas, em relação aos problemas de imagem do partido, a solidariedade permanece. Ainda na semana passada, afirmou que a cassação do mandato de deputado federal de José Dirceu em 2005 foi "constrangedora".

Segundo a avaliação de um interlocutor do presidente, o resultado eleitoral no próximo ano terá impacto no processo interno do PT, se deixar claro um cenário adverso. Mantida a tendência da ministra do Turismo, Marta Suplicy, de não ser candidata em São Paulo e do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, de não se apresentar em Belo Horizonte, o partido tende a perder a eleição nestas duas capitais, sendo que em São Paulo para os adversários diretos: Geraldo Alckmin (PSDB) ou Gilberto Kassab (DEM). O cenário também é desfavorável no Rio, em Fortaleza, Salvador, Curitiba e Porto Alegre. A maior capital em que o quadro eleitoral é positivo para o PT é Recife. Ainda assim, a depender do apoio do governador pernambucano Eduardo Campos (PSB).

Nestas circunstâncias, aumentaria o risco de uma candidatura petista e outra de Ciro favorecer a vitória oposicionista em 2010. Bem avaliado, Lula poderá usar a ameaça de não apoiar publicamente nenhum candidato se a base se apresentar dividida como uma maneira de pressionar o PT a abrir mão da candidatura própria.

O problema é que o núcleo petista mais próximo a Lula reconhece que, no limite de um confronto, quem pode recuar é o presidente. No congresso do partido em setembro, a interpretação mais corrente dentro da sigla é que Lula sinalizou que não pretende se confrontar com a vontade média do partido e nem impor verticalmente uma estratégia para 2010. "O Lula quer a união da base aliada, mas não é um caudilho", diz um de seus interlocutores.

Na hipótese de dois candidatos, um modelo citado como possível de ser aplicado na campanha eleitoral é o do Maranhão, onde, em 2006, o então governador José Reinaldo Tavares (PSB) teve dois candidatos à sua sucessão: Edson Vidigal (PSB) e Jackson Lago (PDT). A divisão favoreceu um segundo turno, onde ambos se uniram para combater a hoje líder do governo no Congresso, a senadora pemedebista Roseana Sarney, então no PFL. Pesa contra a alternativa, contudo, o próprio exemplo nacional. A divisão de tucanos e pefelistas em 2002 é lembrada dentro do PT como um entre os fatores que colaboraram para a vitória de Lula naquela eleição.

Ao longo deste ano, a resistência interna à simples menção da possibilidade de o PT apoiar Ciro Gomes foi considerável. Os petistas deste núcleo próximo a Lula avaliam que não existe uma rejeição à figura do parlamentar cearense. Entendem que a tendência amplamente majoritária dentro do partido é pela candidatura própria por dois motivos: o mais relevante é a divisão interna, que poderia se aprofundar sem a existência de um petista para disputar em 2010. Sem a presença de Lula na chapa, um candidato petista claramente identificado com o presidente seria um fator de união.

O outro motivo é o receio de que o partido encolha a sua base no Congresso e seu leque de governadores caso não tenha um candidato próprio. Depois de chegar a eleger 91 deputados na eleição de 2002 e passar a disputar a hegemonia na Câmara dos Deputados com o PMDB, a maior parte dos petistas teme um recuo na próxima eleição.

Para os petistas mais próximos ao presidente, este risco é mitigado pela existência de candidatos a governador potencialmente fortes para 2010. Diferente do que ocorre no âmbito municipal, o partido tende a se apresentar de modo competitivo em pelo menos sete Estados: em São Paulo, com Marta Suplicy; na Bahia, com Jaques Wagner; em Minas, com Fernando Pimentel ou Patrus Ananias; no Rio Grande do Sul, com Tarso Genro ou Olívio Dutra; no Pará, com Ana Júlia Carepa; em Sergipe, com Marcelo Déda; no Acre, com Binho Marques ou Jorge Viana. O exemplo do Ceará, onde o partido apoiou a eleição de Cid Gomes (PSB) em 2006 e ainda assim passou de dois para quatro deputados federais, é lembrado.

Teme-se ainda que o processo eleitoral de 2008 torne difícil a aproximação entre o PT e Ciro. O bloco de esquerda que apóia o deputado, formado pelo PSB, PDT e PCdoB, arma candidaturas próprias nas principais capitais no próximo ano. Em pelo menos duas delas - Porto Alegre e Fortaleza - as candidaturas são vistas como perigosas para o partido. Na capital cearense, a presença de Patricia Saboya Gomes - ex-mulher de Ciro - na disputa pelo PDT pode colocar a prefeita Luizianne Lins (PT) fora do segundo turno. Em Porto Alegre, a possível candidatura de Manuela D'Ávila debilita o candidato petista, que deve ser o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto.