Título: Argentina propõe parceria na área de energia
Autor: Leo , Sergio ; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2007, Brasil, p. A5

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr Cristina Kirchner, presidente eleita da Argentina, e Lula: proposta de duas reuniões anuais entre os dois países Investimentos da Petrobras em águas profundas do litoral argentino, cooperação nuclear e a construção de uma hidrelétrica de 2,2 megawatts, a Garabi binacional, estão entre os principais temas que a presidente eleita da Argentina, Cristina Kirchner, quer discutir com o governo brasileiro, na agenda de cooperação entre os dois países.

Cristina informou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que se preocupa também com o acordo automotivo entre os dois países, que expira neste ano, e que quer discutir com o Brasil mecanismos de financiamento de investimentos de projetos de interesse comum.

Ao relatar a conversa privada com Lula, seguida de reunião ampliada, com ministros dos dois governos, Cristina Kirchner informou que, por sugestão do brasileiro, os dois presidentes passarão a fazer duas reuniões anuais, além dos encontros semestrais do Mercosul, para fazer avançar a agenda comum. "Vamos estabelecer metas, objetivos e prazos para alcançá-los, de maneira que as discussões não sejam só um exercício de reunionismo, mas também tenham resultados concretos", avisou a presidente eleita.

A mandatária argentina informou que propôs a Lula que as reuniões bilaterais não sejam feitas "de ministério a ministério", mas por temas, para que participem todos os ministérios necessários para tirar do papel as decisões dos governos, e que seja designado um responsável pela execução de cada tema. A sociedade nos dois países precisa perceber "resultados concretos" da integração, defendeu. "É bom, não só para a integração, mas para o processo político, ter resultados que possam ser quantificados, mostrados e percebidos pelas duas sociedades." A decisão de tratar com mais freqüência, em reuniões de cúpula, as questões entre os dois governos mostra um interesse maior do que indicavam conversas com ministros argentinos, pouco antes do encontro.

O chefe de Gabinete de ministros, Alberto Fernandes (que deu uma demonstração de prestígio ao ser o único a acompanhar a presidente no carro que a levou ao Planalto), ao chegar em Brasília, disse apenas que o encontro seria "ratificatório" das boas relações entre os dois países. O ministro do Planejamento, Júlio de Vido, que disputa com Fernandes influência no novo governo, mostrava-se frustrado pelo cancelamento do encontro para discutir planos comuns na área de Energia, que esperava ter com a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que está de férias,

À saída da reunião, porém, Vido disse ao Valor entender a ausência de Rousseff, e informou que deve haver em breve anúncio de "investimentos da Petrobras" na Argentina. O assessor especial de Lula, Marco Aurélio Garcia, informou que, na próxima reunião dos presidentes, em fevereiro, em Buenos Aires, a construção da usina binacional de Garabi, no Rio Grande do Sul, deve ser uma das prioridades, para a qual se espera ter, até essa data, "definição concreta" (segundo de Vido, Garabi interessa mais ao governo argentino que eventuais projetos comuns em gás natural).

Lula, segundo Marco Aurélio, insistiu "muito" na necessidade de cooperação entre a estatal argentina Enarsa e a Petrobras, "inclusive na questão de exploração de petróleo em águas profundas". "Há fundadas suspeitas dos geólogos que exista também um manancial petrolífero mais ao Sul", comentou Garcia, lembrando a recente descoberta de um megacampo petrolífero no litoral brasileiro, em Santos. "Mas isso é especulação; não vou dizer isso se não as ações da Enarsa vão subir rapidamente", brincou. Segundo o assessor, os dois governos reforçaram o interesse em projetos conjuntos na área nuclear, em projetos como o de enriquecimento de urânio, e em cooperação espacial.

Segundo a sugestão da presidente argentina, de agrupar as discussões por blocos temáticos, outros temas a serem tratados nas reuniões bilaterais, segundo Garcia, serão questões sociais, econômicas e complementaridade da estrutura produtiva dos dois países. Os dois presidentes discutiram a nomeação de "gestores" para os grupos, e a criação de "mecanismos de controle", segundo Garcia, "para que as coisas não fiquem simplesmente no plano declaratório".

A presidente manifestou o interesse argentino em voltar a discutir o acordo automotivo entre os dois países, que vence no próximo mês, o que provocou manifestações dos ministros do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, e da Fazenda, Guido Mantega. Os três reconheceram o saldo comercial do setor em favor do Brasil, mas ressaltaram a mudança gradual em favor das importações de carros da Argentina pelo Brasil, com a valorização dor real em relação ao dólar americano, moeda de referência no comércio bilateral.

O tom da conversa foi, como anunciavam os dois governos, cordial, e Cristina Kirchner classificou a reunião de "proveitosa e excelente". A presidente argentina fez questão de ressaltar que, com a visita, estava cumprindo a promessa de, após eleita, fazer sua primeira visita bilateral ao Brasil (a primeira viagem internacional de Cristina Kirchner após eleita, na verdade, foi ao Chile, mas para uma reunião multilateral, a Cúpula Ibero-Americana).

Cristina Kirchner fez declarações enfáticas sobre a necessidade de cooperação com o Brasil, na formação do bloco formado pelo Mercosul. "O mundo em que estamos imersos é um mundo que se relaciona em blocos; é uma questão funcional, além de conceitual."

Ao falar da necessidade de mecanismos de financiamento a investimentos na região, Cristina Kirchner, curiosamente, citou, mas não deu ênfase, ao projeto de Banco do Sul, criado a partir de uma proposta do presidente da venezuela, Hugo Chávez, exatamente para ter esse papel.

Assessores de ambos os governos negaram enfaticamente que a aproximação entre o Palácio do Planalto e a Casa Rosada signifique um afastamento de ambos em relação ao polêmico presidente venezuelano. Marco Aurélio Garcia chegou a se irritar quando lhe perguntaram se a integração entre Brasil e Argentina reduziria o espaço político de Chávez na região. "De maneira nenhuma; isso é uma visão tacanha e mesquinha da política sul-americana", reagiu Garcia.