Título: SP tem primeira greve após decisão do Supremo
Autor: Carvalho, Luiza de
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2007, Legislação, p. E1

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a aplicação da Lei de Greve do setor privado aos servidores públicos pode ter o seu primeiro teste com a greve dos defensores públicos de São Paulo, iniciada ontem. Apesar do entendimento do Supremo, o uso da Lei de Greve - Lei nº 7.783, de 1989 - tem gerado diversos questionamentos quanto à sua aplicabilidade ao funcionalismo público.

Desde a Constituição de 1988, que assegurou o direito de greve em seu artigo 37, é esperada uma lei específica para as greves do setor público. A decisão do Supremo teve a finalidade de suprir essa lacuna jurídica. O julgamento foi resultado da análise de três mandados de injunção ajuizados por sindicatos de servidores policiais, trabalhadores de educação e trabalhadores do Poder Judiciário, que buscavam assegurar o direito à greve. Ao definir que a Lei nº 7.783 será aplicada ao setor público "no que couber", o Supremo gerou inúmeras hipóteses em torno dos limites de aplicação da norma. O ministro Ricardo Lewandowski, um dos três votos vencidos no caso, afirmou em seu relatório que não vislumbrou semelhanças entre as greves na esfera pública e privada para que fosse autorizada a aplicação da lei por analogia.

Um dos pontos de conflito levantados pelo ministro está no artigo 8º da Lei de Greve, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho para decidir sobre a procedência das reivindicações dos grevistas do setor privado. O mesmo pode não acontecer para o setor público. Com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que estabeleceu a reforma do Judiciário, o artigo 114 da Constituição passou a determinar que não cabe à Justiça trabalhista o julgamento de dissídios do serviço público, delegando à questão à Justiça Federal e estadual. "Acredito que a competência continuará sendo da Justiça comum", diz o juiz Roberto Siegmann, diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

No setor privado, conforme a lei, a negociação das reivindicações de greve devem ser feitas à entidade patronal. Como no setor público o "patrão" seriam os órgãos governamentais, a aplicação desta determinação ficará, em boa parte, inviabilizada. "Na administração pública não há espaço para a negociação, depende de mudanças de orçamentos feitas pelo legislativo", afirma Siegmann. Já para Paulo Arena, secretário-geral da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), é possível que os sindicatos façam propostas de negociação aos ministérios competentes.

De acordo com a legislação, os trabalhadores em greve nos serviços considerados essenciais - como assistência médica, abastecimento de água e energia elétrica - ficam obrigados a manter pelo menos 30% das atividades. Mas, ao ser aplicada no setor público, a lei pode omitir outros serviços de relevância. "A lei não atende as necessidades da população, como a solução dos transtornos das greves na educação", afirma a advogada Sayonara Grillo, do escritório Machado Silva.

Entre magistrados e órgãos públicos, a expectativa é de que a decisão do Supremo reabra o debate sobre o assunto e apresse a aprovação do Projeto de Lei nº 4.497, de 2001. A proposta, de autoria da deputada Rita Camata (PMDB-ES), regulamenta a greve dos servidores públicos, considerando como greve os casos em que mais da metade dos servidores estejam paralisados.

De acordo com Davi Depiné, presidente da Associação de Defensores Públicos do Estado de São Paulo (Apadep), a instituição preocupou-se em cumprir as condições da Lei de Greve na paralisação que começou hoje. "Avisamos o poder público com antecedência e colocamos equipes de defensores de plantão para atender aos casos urgentes", afirma. A principal reivindicação da categoria é a ampliação do orçamento para que os quadros de apoio, como assistentes sociais e cargos administrativos, não sejam cortados.