Título: Região serrana: um valor para a vida
Autor: Werneck, Gustavo
Fonte: Correio Braziliense, 22/01/2011, Opinião, p. 23

Há quanto tempo são revividos sofrimentos com catástrofes climáticas no estado do Rio de Janeiro? Desnecessário voltar no tempo. Evitaremos rever aquilo que já foi varrido por nossas memórias infladas. Sofrer mais do que já nos é permitido por vida é demasia estúpida. Não necessitamos achar culpados, menos ainda detentores de algum mecanismo para que possa ter sido evitada tamanha tragédia. A região serrana nunca esteve preparada para receber tamanha água, ou um rio de cabeça pra baixo, seja com aviso ou sem aviso, com placas, berros em ruas inteiras via rádio como foi em Areal.

Sou nascido e criado em Nova Friburgo. Tenho amigos e parentes na cidade. Caminho pelas ruas como se na palma das minhas mãos estivessem elas tatuadas como um marco determinando quem realmente sou. Na Avenida Alberto Braune até a Avenida Euterpe Friburguense, torpor, lixo e o odor da desconfiguração natural da cheia.

Os trajetos cotidianos de qualquer cidadão friburguense andando ou de ônibus não pertencem mais ao futuro ou ao pretérito remanescente. Caminhos que são veias latentes para algo, sejam eles, ofício de viver ou residência, deixaram de ser apenas um espaço de transeuntes longínquos.

É espaço aberto à vida ácida com sangue extrapolado sobre a real formação geológica daquela região. Muita pedra, pouca terra. Tudo se transformou em chão batido. A terra não é tão firme quanto parecia aos olhos das pessoas. Padecer da fragilidade transformou-se em dever. Nova Friburgo é presa árida de um belo vale nascido dentro de um vulcão extinto há séculos como se isso fosse uma ária.

As imagens na televisão enalteceram minhas lágrimas. Em quase 200 anos de história desde sua fundação, o município nunca viveu tamanho desastre. Na pele sinto. No sentimento ficam dores intermitentes. A história se mantém com seu povo ordeiro num misto escatológico de lama, barro e corpos estirados aos escombros.

Digo isso em brado esplêndido, por saber que o morro desabado no centro do município partiu um prédio em dois. Procuro entender bem por saber, via celular, que um amigo perdeu um sobrinho de 4 anos de idade. Respiro isso por ter que aceitar a morte de um parente soterrado em casa. Vejo isso a saber que o distrito de Conselheiro Paulino, onde boa parte dos meus familiares e minha afilhada se renderam à água do rio cuspida diante das residências distantes daquelas margens reformadas pelas obras do PAC.

O caminho nos leva a uma aprendizagem. Qual será a aprendizagem? Como será a reconstrução? A ação imediata da presidente Dilma Rousseff, do governador Sérgio Cabral, do vice-governador Luiz Fernando Pezão, que literalmente se fixou em Nova Friburgo para comandar de perto ação provedora da união entre Estado e Unidade da Federação, no intuito de salvar cidadãos comuns implantando helicópteros, máquinas, 300 homens para agilizar a retomada da vida.

Resultado: Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, também entrou no embate direto. Politicamente não houve desamparo, pelo contrário, rarissimamente pudemos ver um ato como esse. Os políticos não foram subservientes da leveza da preguiça incipiente do ego apodrecido. A presidente Dilma caminhou pela Rua Cristina Ziede. Ela permaneceu por 45 minutos em terra. As fotos exibiam uma mulher com expressão fechada, por sentir as fortes evidências do desastre natural. Dilma já demonstra ser mais ativa que Lula em certos casos.

A liberação de verbas para sanar o caos com finalidade de reconstruir a área devastada implicará a dissolução da prática burocrática. Isso é sinônimo de usurpar o pragmatismo onisciente. Quanto aos impostos de cada ano? O princípio parte da anistia de alguns pagamentos. Há de ver como reagirão as empresas e as microempresas cujos prejuízos são grandes.

Nova Friburgo recebe o apoio do Brasil inteiro. Os donativos chegam. A mobilização da Cruz Vermelha é concreta. A cidade chora a própria carne e os filhos mortos pela avalanche de terra. O amanhã, espera-se, será de límpido sorriso num belo céu azul, bebendo a cervejinha e falando do futebol que vai começar.