Título: Empresa local perde espaço em vôos internacionais e déficit quadruplica
Autor: Rittner , Danie ; Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2007, Brasil, p. A5

A derrocada da Varig e a investida de companhias estrangeiras no Brasil fizeram explodir o déficit do país com as transações de passagens aéreas internacionais, chegando a valores anuais na casa de US$ 1,7 bilhão. A perda de divisas na aviação equivale a um quarto dos pagamentos líquidos de juros da dívida externa pública e privada previstos para 2008.

Nos últimos quatro anos, o déficit na conta de passagens aéreas do balanço de pagamentos se multiplicou por quatro, conforme mostram dados do Banco Central. Nesses números, estão os bilhetes aéreos vendidos por empresas brasileiras a estrangeiros (que representam uma entrada de divisas) e as passagens vendidas por companhias estrangeiras a passageiros brasileiros (saída de divisas). Tradicionalmente, as aéreas estrangeiras sempre tomaram uma fatia relevante do mercado brasileiro. Na avaliação do BC, porém, a quebra da Varig abriu mais espaço para as concorrentes estrangeiras, que nos últimos 12 meses encerrados em setembro venderam US$ 2,117 bilhões em passagens aos brasileiros - quase o dobro de 2005.

Em 2003, quando a Varig já vivia grave crise financeira, mas ainda sem repercussões maiores sobre a área operacional, o déficit do país em viagens aéreas internacionais era de US$ 418 milhões. Em 2006, depois de a crise da antiga empresa da Fundação Ruben Berta ter chegado ao auge, o déficit brasileiro em passagens aéreas subiu para US$ 1,476 bilhão. Neste ano, mesmo com os avanços da TAM e o início da retomada dos vôos ao exterior da Varig, comprada pela Gol, o déficit atinge o patamar inédito de US$ 1,7 bilhão, nos últimos 12 meses encerrados em setembro.

"O mercado sentiu muito a saída da Varig", afirma o presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav) no Distrito Federal, João Quirino. Na dificuldade de encontrar passagens em companhias de bandeira nacional, muitos turistas "experimentaram e gostaram" dos serviços oferecidos pelas aéreas estrangeiras, principalmente européias, observa o empresário.

Destinos que eram atendidos pela Varig, como Cidade do México e Londres, passaram a ter vôos de empresas estrangeiras como única alternativa. Por decisão da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que cuidava do processo de recuperação judicial da Varig, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ficou impedida de redistribuir as autorizações de vôos internacionais para outras empresas brasileiras, como TAM e OceanAir, que pleiteavam várias rotas. A saída encontrada pela agência foi renegociar os acordos bilaterais de serviços aéreos: em troca de novas freqüências para as empresas brasileiras, sobretudo para a TAM, os outros países conquistaram o direito de ampliar os vôos de suas companhias ao Brasil. Foi o que ocorreu, por exemplo, com França e Itália.

De acordo com o mais recente Anuário Estatístico da Anac, a participação das companhias nacionais no total de passageiros transportados do Brasil para o exterior diminuiu de 53% para 33% nos últimos anos . O recuo vinha ocorrendo de forma gradual desde a segunda metade da década passada, mas acelerou-se de 2005 para 2006 - com a perda de nove pontos percentuais na fatia de mercado das brasileiras.

Até o fim do ano, a TAM deve inaugurar mais dois destinos na Europa - as cidades de Frankfurt e Madri -, com a operação de cinco novas aeronaves de grande porte (dois A340 e três A330), que serão incorporadas à frota atual de 13 aviões de longo curso. Hoje controlada pela Gol, a Varig finalmente retornou com força ao mercado europeu e prepara sua volta também ao México. Mas, segundo indicadores da Anac, a oferta de assentos das companhias brasileiras para o exterior ainda é 25% menor do que a oferta em janeiro de 2006, quando a antiga Varig já caminhava em direção à ruína.

Com o turismo ao exterior bastante aquecido, em um momento de renda em alta e queda do dólar, a oferta de assentos ainda reduzida tornou praticamente certo o bom desempenho das aéreas estrangeiras no Brasil. "Até o fim de fevereiro, já não existem mais tarifas promocionais em quase nenhum vôo para a Europa", diz o presidente da Abav-DF.

Para recuperar os passageiros que migraram para as concorrentes estrangeiras, as empresas nacionais terão um caminho complicado pela frente. "Vai ser muito difícil trazer esses passageiros de volta", acredita o consultor em aviação Paulo Bittencourt Sampaio. Além dos serviços novos, que muitas vezes constituem um diferencial em tempos de poltronas apertadas e refeições cada vez mais econômicas, a aviação tem uma peculiaridade importante para fidelizar o cliente: os programas de milhagem. Tendo voado pela primeira vez em uma aérea estrangeira, a adesão a esses programas são um incentivo nada desprezível para repetir a experiência, comenta.

Sampaio lembra que, mesmo com a perda de qualidade nos serviços diante de sua crise financeira, muitos passageiros brasileiros optavam em voar pela Varig para prestigiar e "dar uma força" à empresa. Para ele, isso já não acontece com a TAM. "A Varig galvanizava mais o sentimento patriótico", nota o consultor.

André Castellini, economista da Bain & Company e analista do setor aéreo, relativiza esse diagnóstico. Em destinos para onde a TAM compete em igualdade de vôos com as concorrentes estrangeiras, ela tem pelo menos 50% dos passageiros da rota. Castellini observa, porém, que ainda falta à companhia uma marca mais consolidada no exterior para fortalecer suas vendas a passageiros estrangeiros que visitam o Brasil.