Título: Forte alta das ações na China volta a preocupar
Autor: Areddy, James T.
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2007, Finanças, p. C2

A China está no limiar de um frenesi em sua bolsa de valores que cada vez mais parece insustentável. As ações chinesas aumentaram quase seis vezes em apenas dois anos e ontem quebraram mais um recorde quando o índice de referência da Bolsa de Xangai passou pela primeira vez os 6.000.

Grandes incógnitas permanecem, a começar sobre se essa é uma bolha e está em risco de estourar. Mas há fortes evidências de que, mesmo se o boom terminar com um desastre, a febre de investimento na China deve deixar muitos benefícios duradouros, porque está ajudando a criar um sistema financeiro moderno, orientado pelo mercado.

Da reluzente Xangai aos cinzentos centros industriais como Wuhan, milhões de chineses têm despejado boa parte de sua poupança em ações. E por causa disso a China de repente tem um mercado acionário tão poderoso quanto sua economia, agora a terceira maior do mundo. Isso é uma surpreendente reviravolta para um sistema que há três anos era considerado irrecuperável.

Os US$ 3,7 trilhões em ações listadas nas bolsas de Xangai e Shenzhen pelo menos se igualam à produção econômica anual da China, uma relação tradicionalmente vista nos Estados Unidos. Este ano, os mercados da China tiveram o maior volume de ações negociadas do mundo e estão a caminho de levantar a maior quantidade de dinheiro via aberturas de capital.

A inundação de investimentos está produzindo alguns benefícios que podem ter longo alcance. Pela primeira vez desde que a reforma da economia chinesa começou há quase 30 anos, o dinheiro investido pelo público - e não pelo Partido Comunista - é que alimenta a expansão empresarial. O crescimento tem ajudado a criar uma classe de empresas chinesas que estão entre as mais valiosas do mundo e semeou uma indústria de serviços financeiros que está até ajudando firmas estrangeiras, como a americana Prudential Financial Inc., com sede em Newark, New Jersey.

Apesar disso, a China enfrenta agora um desafio clássico: como colher os frutos do progresso e evitar, ao mesmo tempo, uma queda que poderia atolar seu crescimento econômico?

Há uma crescente sensação de que a bolsa de valores está entrando numa fria. O Índice Composto Xangai fechou em alta de 2,2% na segunda-feira com 6.030,09 pontos. Há um ano, estava abaixo de 2.000.

"É como uma bolha, mas ninguém sabe quando vai estourar", diz Stephen Guo, um programador de computadores de Xangai de 27 anos que desde o ano passado ganha mais dinheiro com a bolsa do que com seu próprio trabalho. Agora, apenas dois anos depois que entrou no mercado, Guo está administrando também os investimentos de seus amigos, uma estratégia arriscada que pode dar muita dor de cabeça se o mercado começar a cair de repente.

A corrida de investidores rumo às ações está espalhando temores de uma queda épica de mercado, como as que aconteceram quando bolhas estouraram nos Estados Unidos, Japão e Taiwan. A questão é se uma queda excessiva das ações destruiria a classe de investidores que ainda está em desenvolvimento, e qual seria o impacto disso na transformação econômica da China. As bolsas de valores da China são dominadas por 50 milhões de investidores individuais, que são responsáveis por cerca de 70% das negociações. Isso é o contrário do que ocorre em países industrializados, onde firmas financeiras determinam o ritmo do mercado.

Assim que essa sensação diminuir - o que é inevitável -, alguns se perguntam se as melhorias nos fundamentos do mercado chinês vão perdurar. "As crises fazem parte do desenvolvimento financeiro", diz Richard Sylla, um historiador de economia da Faculdade de Administração Stern da Universidade de Nova York. "A verdadeira pergunta é se elas vão causar danos duradouros."

Quase todos os dias antes do trabalho, Guo entra na internet para examinar relatórios empresariais e observar as tendências técnicas antes de comprar ações. Sua especialidade tem sido ações blue-chips. Quando o Índice de Xangai caiu 8,8% em fevereiro, Guo aplicou U$ 4.000 no mercado - e desde então o valor de suas ações dobrou.

Quanto mais Guo lucrava, diz ele, mais ele se sentia confortável para adotar estratégias arriscadas. E sua decisão este ano de gerenciar investimentos de outras pessoas pode dar confusão se o mercado cair, parcialmente porque alguns deles tomaram dinheiro emprestado de seus cartões de crédito. "Meus amigos confiam em mim", diz ele.

Se a história serve de guia, as cotações de ações na China, que devem refletir as perspectivas das empresas listadas nas bolsas, sinalizam problemas. Elas estão caras. A relação preço/lucro em Xangai é de 69 vezes o lucro do último ano. Nos EUA, essa relação chegou a 28 antes do crash de 1929 e só 18 antes do de 1987, segundo a Ativo Research LLC. Mas a firma de pesquisa diz que na Nasdaq chegou a 123 antes do mercado de tecnologia despencar.