Título: Aquém do limite
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2007, Investimento, p. D1

A procura pelos planos de previdência com ações acelerou ao longo deste ano, com cada vez mais investidores dispostos a encarar a renda variável. Porém, a maior parte das aplicações com bolsa ainda mantém um pé no freio quando o assunto é risco. Comparada à variação do Índice Bovespa, a rentabilidade dos planos multimercados e balanceados - idênticos em perfil de aplicação, pois ambos podem ter até 49% do patrimônio em bolsa - mostra que essas carteiras estão muito mais conservadoras que o limite permitido.

Segundo dados do site financeiro Fortuna, no ano, até agosto, os multimercados renderam em média 15,85% e os balanceados, 12,93%, enquanto, no mesmo período, os fundos de renda fixa voltados para a previdência avançaram 8,81% e o Ibovespa subiu 35,96%. Essa rentabilidade dos planos mistos (multimercados e balanceados) muito mais próxima dos juros do que da bolsa indica o baixo grau de exposição ao mercado acionário pelos planos. Se o total de 49% do patrimônio desses fundos fosse realmente aplicado em bolsa, a rentabilidade das aplicações giraria em torno de 22% no ano.

Os planos mistos ocupam, atualmente, quase 15% do mercado de previdência, de acordo com o levantamento do Fortuna. O percentual apresenta crescimento expressivo, já que há cerca de um ano essa mesma parcela rondava os 5%. No entanto, segundo estimativa de Marcelo D'Agosto, sócio do Fortuna, esses planos mistos têm em média apenas 20% do total do patrimônio aplicado em ações. Esse resultado leva em conta a oscilação dos planos e a comparação da rentabilidade dos juros e das ações. Desses resultados, conclui-se que apenas 3% de todo o patrimônio aplicado em Planos Geradores de Benefícios Livres (PGBLs) e Vida Geradores de Benefícios Livres (VGBLs) estão efetivamente investidos em bolsa, avalia o Fortuna.

Existem, basicamente, dois motivos para o comedimento dos planos mistos em aplicar em ações. O primeiro seria o cuidado do próprio investidor, que ainda prefere aplicar em planos com limites inferiores ao teto de 49% quando resolve migrar para os planos mistos. O investidor já quer ações para o longo prazo, mas ainda não quer muito, avalia Luciano Snel, diretor de produtos da Icatu Hartford, que acredita que este seja um momento de transição no setor. "Muitas pessoas nunca tiveram exposição a ações e agora começam a arriscar um pouco mais."

Entre os planos de previdência, há normalmente um cardápio oferecido pelas seguradoras com mais ou menos ações em carteira e poucos optam pelo limite máximo, diz Marco Antonio Rossi, vice-presidente da Federação Nacional da Previdência Privada (Fenaprevi) e responsável pelo setor na Bradesco Seguros. Ele lembra ainda que pessoas mais velhas, por estarem mais próximas da aposentadoria, tendem a investir menos em renda variável por causa da maior volatilidade. Atitude que, segundo ele, é recomendável, pois em caso de eventuais perdas há menos tempo para recuperá-las.

A Icatu oferece há quase dez anos o plano composto 49, com até 49% do patrimônio em ações, mas Snel reconhece que o fundo nunca foi a maior preferência dos aplicadores da instituição. No entanto, diz ele, nos últimos meses, os aplicadores ficaram mais acostumados com a oscilação da bolsa e começam a buscar produtos mais agressivos. "Aqui, em 80% das migrações entre diferentes planos neste ano os clientes partiram em direção a um produto com mais ações."

Segundo as cartilhas de finanças, bolsa de valores e previdência privada têm tudo a ver, porque ações são indicadas principalmente para quem busca retorno no longo prazo - caso típico da aplicação em previdência. No entanto, há um conservadorismo natural dos clientes em não arriscar demais inicialmente. Sem falar que aqueles que investem para obter um retorno num futuro tão distante, em geral, são os mais conservadores e precavidos.

Além dos participantes, também os gestores de recursos podem ter um excesso de zelo ao aplicar os recursos. Segundo alguns profissionais de mercado, as seguradoras normalmente tendem a ser mais comedidas que um gestor de recursos, por exemplo. "Há uma distância entre as seguradoras e os gestores de fundos no quesito risco", diz Marcelo Teixeira, principal executivo da HSBC Seguros. O gestor pode ser mais conservador do que o cliente, diz ele. Em planos que podem investir até 30% em ações, por exemplo, muitos trazem freqüentemente em carteira um percentual inferior ao limite.

Mas esse cenário já tem indícios de mudanças. Também os gestores de recursos, que prestam serviços para as seguradoras administrando PGBL ou VGBL, começam a ser pressionados a apresentar rentabilidades melhores, diz Teixeira. Segundo ele, no HSBC, recentemente notou-se que a parcela de participantes da previdência que freqüenta o site em busca do saldo dos planos foi a mesma dos aplicadores de fundos de investimento. Esta seria uma pista de que esses investidores passaram a ser tão preocupados com rentabilidade quanto os cotistas dos fundos comuns.

Sinal dessa busca maior por rentabilidade é também o próprio fluxo de investimentos para os fundos mistos. Se há alguns anos a aplicação em planos com ações era irrisória, neste ano, a captação dos fundos de previdência mistos disputa cabeça a cabeça o posto de mais procurados com a renda fixa. Em setembro, após a crise e a forte oscilação do mercado em agosto, a procura pelos planos com ações arrefeceu e eles perderam a liderança. Mas, no ano, o fluxo ainda é elevado. Segundo dados do Fortuna, dos R$ 7,8 bilhões aplicados em PGBLs e VGBLs no ano, um terço teve destino nos planos mistos, ou R$ R$ 2,3 bilhões.