Título: Superexecutivos tentam provar que valem quanto pesam
Autor: Rosa , João Luiz
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2007, Empresas, p. B2

Eles são estrelas da tecnologia e ganham, juntos, um salário anual de US$ 92,8 milhões, sem levar em conta as opções de ações. É dinheiro suficiente para pagar 425 mil pessoas que recebem salário mínimo ou remunerar um único desses trabalhadores por uma eternidade: mais de 35 mil anos. Esse clube de milionários é formado pelos comandantes de seis gigantes - AMD, Dell, Hewlett-Packard (HP), Intel, Oracle e Sun Microsystems - e, considerando seu poder de fogo, não é de admirar que 43 mil pessoas tenham ido até San Francisco, na semana passada, para ouvir o que eles tinham a dizer na conferência Oracle Open World.

Que se trata de um time de peso, não resta a menor dúvida. Somado, o valor de mercado das seis companhias chega perto de US$ 471 bilhões, com um número combinado de funcionários de 455,7 mil empregados, o equivalente a mais de 8 vezes o quadro de 56 mil pessoas da Vale do Rio Doce.

A despeito dessas demonstrações de força, porém, a maioria das companhias do grupo passa por turbulências, o que deixa no ar uma inquietação: a atual geração de superexecutivos, que na maior parte dos casos está no cargo há apenas dois anos, dará conta do recado, justificando os salários astronômicos? Trocando em miúdos: eles valem o que os investidores pagam por eles?

O caso da fabricante de chips AMD é exemplar. Hector Ruiz, seu executivo-chefe, obteve vitórias importantes nos últimos tempos. Convenceu a Dell e a Toshiba, que só usavam produtos da Intel, a adotarem também seus processadores, e conseguiu com que, durante algum tempo, os chips da AMD apresentassem um desempenho melhor que os da rival, garantindo uma importante vantagem tecnológica.

Mas a incursão mais audaciosa de Ruiz revelou-se também a mais arriscada. No ano passado, a AMD comprou a ATI - uma especialista em chips para aplicações gráficas - por US$ 5,4 bilhões, quase todo seu faturamento anual (de US$ 5,6 bilhões). Para fechar o negócio, obteve um empréstimo de US$ 2,5 bilhões do Morgan Stanley, que elevou seu endividamento a níveis perigosos. Em setembro deste ano, a empresa tinha US$ 1,5 bilhão em caixa e US$ 5,3 bilhões em dívidas.

Cabe a Ruiz, que ganha US$ 10,2 milhões - mais que Paul Otellini, da Intel, cujas vendas são seis vezes maiores - consertar a situação. Na semana passada, a AMD vendeu 8,1% de participação para a Mubadala Development, braço de investimento do governo dos Emirados Árabes Unidos, por US$ 622 milhões. Mas os analistas internacionais têm dito que a AMD poderá ter de vender outros pedaços para cumprir seus compromissos. Entre as seis empresas, ela tem o menor valor de mercado: US$ 7 bilhões - menos da metade do valor da deficitária Sun Microsystems.

Na Intel, Otellini tem suas próprias preocupações. Entre 2005 e 2006, a empresa viu a AMD avançar em segmentos como servidores e notebooks por causa de chips que não eram apenas mais velozes, mas também economizavam energia. Agora, com uma nova estratégia, Otellini quer recuperar o espaço perdido. "Nós a chamamos de tique-taque, como um pêndulo", disse o executivo, em San Francisco.

A idéia é estabelecer um ciclo bienal de desenvolvimento. No ano "taque", a empresa apresenta um nova arquitetura de chip. Foi assim em 2006, quando a Intel apresentou a linha Core, em substituição ao Pentium. O "tique" vem no ano seguinte, com chips melhorados dentro da mesma tecnologia.

Na semana passada, a Intel lançou os chips Penryn, que estão sob o chapéu Core, mas são feitos em 45 nanômetros (o que significa transistores menores, que esquentam menos e economizam energia). Os anteriores eram de 65 nanômetros. É um ano "tique". Em 2008 virá outro "taque", com uma nova tecnologia, a Nehalem, seguida do lançamento dos chips melhorados de 32 nanômetros, mais um "tique", em 2009.

Esse relógio de Otellini pode, no entanto, enfrentar um contratempo. A Intel tem até janeiro para responder formalmente a uma denúncia da União Européia, que em julho acusou a empresa de violar regras antitruste ao vender chips abaixo do custo. A multa, se a Intel vier a ser condenada, pode chegar a US$ 3 bilhões - e a recente decisão dos europeus, contrária à Microsoft, faz prever uma batalha dura.

A guerra no campo dos chips afeta diretamente outro segmento: o de computadores. Michael Dell foi muito aplaudido ao encerrar sua apresentação com o slogan "We're listening" ("nós estamos ouvindo"). A frase remete às iniciativas de preservação ambiental, mas poderia ser atribuída às mudanças que Michael Dell fez na companhia desde janeiro, quando voltou a seu comando, para atender a requisitos que o mercado pedia há algum tempo.

Dell pôs fim ao modelo de venda exclusivamente direta, considerado um dogma na empresa, fechando um acordo para vender seus micros no Wal-Mart (inclusive no Brasil), entre outras redes. Também concluiu uma investigação interna, que envolveu a análise de 5 milhões de documentos e mais de 200 entrevistas com funcionários. O resultado foi a republicação dos dados financeiros de mais de quatro anos.

Para mostrar os novos rumos, ele reduziu seu próprio salário e o dos executivos de alto escalão. No ano fiscal 2007, nenhum deles ganhou bônus: os rendimentos de Dell, de US$ 4,5 milhões, foram os menores entre seus companheiros do Oracle Open World.

A meta de Dell é recuperar a companhia, que no ano passado cedeu o posto de maior fabricante mundial de computadores para a HP. A briga entre as duas vem ocupando novos cenários. No ano passado, a Dell comprou a Alienware, uma fabricante de micros caros e potentes, feitos para fãs de videogames. A HP respondeu adquirindo a VoodooPC. O ponto central é a rentabilidade do segmento: enquanto os PCs mais baratos apresentam uma margem de lucro entre 6% e 10%, nos equipamentos sofisticados essa margem pode chegar a 40%.

A nova tacada de Dell é a armazenagem de dados. "Neste ano, pela primeira vez na história, o volume de dados digitais vai superar a capacidade de guardá-los. O que vai acontecer à sua empresa se ela não tiver [infra-estrutura suficiente] de armazenagem?", perguntou Dell à platéia, em San Francisco.

Ele está tomando providências para que a Dell faça parte da resposta. No início do mês, gastou US$ 1,4 bilhão para comprar a EqualLogic, cuja tecnologia liga os equipamentos de armazenagem, fazendo-os funcionar como se fossem um só. A lógica é a mesma da investida nos micros para jogos: concentrar-se nos segmentos mais rentáveis. Enquanto a Dell registrou uma margem bruta - receita menos custos de produção - de 17% no ano passado, a da EqualLogic foi de 62%.

A HP também tem corrido atrás de inovações lucrativas, dentro e fora de casa. Internamente, investiu US$ 3,7 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, informou Mark Hurd. No front externo, completou a aquisição de 23 companhias nos últimos tempos.

Ao que parece, Hurd conseguiu encerrar a transição tempestuosa iniciada com a demissão de Carly Fiorina, sua antecessora e mentora da aquisição da Compaq. Entre 2005 e o ano passado, o lucro líquido da HP cresceu de US$ 2,4 bilhões para US$ 6,2 bilhões, depois de haver caído 31,4% entre 2004 e 2005. No trimestre mais recente, encerrado em 31 de julho, os ganhos somaram US$ 1,7 bilhão, frente ao resultado de US$ 1,3 bilhão do ano anterior.

Em outro feito, Hurd conseguiu fechar o ano de 2006 com uma receita ligeiramente superior à da IBM (US$ 91,658 bilhões contra US$ 91,423 bilhões), roubando da "Big Blue" o título de maior companhia de tecnologia do mundo.

O problema é que ao ficar deste tamanho, a HP passa a sofrer as dores do gigantismo, com a qual a IBM aprendeu a lidar há muito tempo. Um sintoma é que, fazendo de tudo, há rivais de todos os lados. Um exemplo: a HP invadiu o mercado da Kodak, lançando câmeras digitais, e a Kodak deu o troco, entrando na área de impressoras. Apesar disso, Hurd vê muitas possibilidades de negócios. Quando lhe perguntaram se o Google e o Yahoo eram amigos ou inimigos, ele respondeu que havia "uma oportunidade incrível" em oferecer infra-estrutura para os dados que transitam na web e citou como exemplo a popularidade dos wikis, sites que podem ser modificados por qualquer pessoa. "Na Wikipedia, a data do meu aniversário está errada e eu a vejo publicada assim em vários lugares."