Título: Paz del Rio, desafio brasileiro nos Andes
Autor: Ribeiro , Ivo
Fonte: Valor Econômico, 21/11/2007, Empresas, p. B8

A 2,4 mil metros de altitude no altiplano dos Andes, o grupo Votorantim tem pela frente o desafio de transformar uma usina de aço que foi à bancarrota nos anos 90 e se arrastou em crise profunda até 2003, em um negócio maior e mais rentável. E fazer disso um marco em sua rota de expansão internacional em metais nas Américas. Encravada num vale, numa imensa área rodeada por jazidas de minerais como ferro, carvão e calcário, a Acerias Paz del Rio espera muito do novo dono. Quer principalmente investimento para se modernizar - em tecnologia e em gestão -, reduzir drasticamente seus níveis de poluição, ter um rumo definido, tornar-se competitiva, expandir-se e ocupar mais espaço no mercado local.

Para fincar os pés em Belencito, a Votorantim pagou US$ 491 milhões pelo controle da empresa em março deste ano. Não foi uma compra fácil: concorreu com a ArcelorMittal, o grupo Gerdau e a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN). A gigante mundial de Lakshmi Mittal só desistiu do leilão realizado na Bolsa de Bogotá uma rodada antes da vigésima, e última. A CSN, sob o comando de Benjamin Steinbruch, parou na 18ª.

Há quem diga que pagou caro - o ágio sobre o preço mínimo foi de 157%. Por esse ponto de vista, justificam executivos do grupo, Mittal e Steinbruch também ofereceram alto: 5% e 10% a menos que Votorantim. Jorge Gerdau parou na 16ª rodada e acabou nas mãos com lote de 10,5% de ações da empresa, que adquiriu algumas semanas antes.

As condições econômicas na Colômbia, cujo PIB cresce a taxas de 6% a 7% ao ano, e as do mercado local de aço, com demanda de dois dígitos, contam a favor da Votorantim. Além disso, o país compra fora metade do aço que consome, inclusive do Brasil. As importações, neste ano, podem alcançar 1,5 milhão de toneladas. Uma boa fatia disso o novo controlador da Paz del Rio pretende se apoderar nos próximos dois anos.

Os executivos do grupo, que passou a ser o segundo maior fabricante local de aço, atrás da Gerdau, declaram que há muitas vantagens a se abstrair da siderúrgica. No entanto, reconhecem que muito tem de ser feito na usina para alcançar o "padrão Votorantim", mas dizem que nada de diferente do que conheceram antes da compra foi encontrado. "Não tivemos nenhuma surpresa desagradável", afirma Paulo Villares Musetti, diretor do negócio aço da Votorantim Metais.

O grupo escalou cinco executivos para comandar a empresa, que assumiram diretorias operacional, administrativa, financeira, de gestão e comunicação corporativa. "Chegamos, de forma discreta, a partir de abril", diz Musetti, que traz no currículo experiências de Aços Villares, CSN e outras empresas do setor. Faz seguidas viagens a Belencito nessa fase de arrumação da casa e de definição de rumos.

O antigo presidente da Paz del Rio foi mantido no cargo com um papel institucional. Colombiano e ex-embaixador, ele domina os trâmites legais e políticos no país. A empresa tem 2,9 mil empregados na usina, nas minas de ferro, carvão e calcário e na pequena ferrovia de pouco mais de 30 km. O primeiro ajuste feito envolveu cerca de 9% do quadro de pessoal, com um programa de aposentadoria antecipada, com incentivos, para quem deveria se aposentar até 2010.

Musetti relata que os funcionários mostram desejo de voar alto e de participar ativamente das mudanças no modelo de gestão. "Não enfrentamos nenhum tipo de resistência até agora". Desde agosto foi adotado um plano de integração e desenvolvimento que abrangeu todas as áreas - do chão da fábrica aos departamentos de compras e jurídico. "É uma agenda de valor que envolve 96 pessoas". São 60 trabalhadores colombianos, 25 da Votorantim (temporários) e 11 especialistas de consultorias externas, como McKinsey e Bain.

A siderúrgica, que usufruiu o monopólio do aço no país durante três décadas, entrou em crise em meados de 1980. Como padeceu da falta de investimentos por um longo período, envelheceu-se, muitos equipamentos se deterioraram e linhas produtivas ficaram obsoletas.

Mas nem tudo parece trágico para a Votorantim na Paz del Rio, que teria comprado um monte de tralhas enferrujadas, na avaliação de especialistas do setor. Já outros vêem ali a chance de reerguer uma siderúrgica estratégica, com minas próprias de ferro e carvão e que gera 50% da energia que consome. Poderá triplicar o tamanho em poucos anos, acreditam. É nesse caminho que trabalho o novo dono.

O plano de reestruturação feito em 2003 pelo governo e trabalhadores para salvar a empresa contemplou recursos para uma nova linha de produção. Ao custo de mais de US$ 50 milhões, a instalação, com equipamentos de última geração, começou a operar em outubro. Está nos ajustes finais de produção. "Só aí vamos ter um ganho expressivo de produtividade e de redução de custos", afirma Gilson Danhoni Moraes, vice-presidente executivo.

Apta a fazer mais de 400 mil toneladas por ano, a instalação importada da Itália substituirá a tecnologia de mais de cinco décadas da antiga. Vai gerar os lingotes de aço, produto semi-acabado que será a matéria-prima de vergalhões, fio-máquina e barras, material usado na construção civil e em aplicações industriais. Esse segmento, hoje, responde por 80% a 85% do total de 330 mil toneladas da Paz del Rio. Se introduzir mais uma linha (veio) no equipamento, a capacidade sobe para 600 mil.

O restante é aço plano (bobina laminada a quente), que ainda sairá de um sistema antigo de fabricação. "Essa parte ainda vamos estudar onde mexer no futuro", diz Musetti. Ele informa que há um mercado em alta desse tipo de aço no país, que importa quase tudo que consome. Com 60 mil toneladas de produção, essa linha de aços planos atende alguns mercados de nicho, menos nobres, mas com demanda crescente no país, como tubos, perfis dobrados, estruturas metálicas, silos e coberturas. "Somos os únicos produtores no país, mas no curto prazo nosso foco são os aços longos", diz Musetti.

Um ponto crucial é controle ambiental da usina, que quase foi fechada no ano passado pela Corpoboyacá (órgão de controle do Estado) por conta das emissões elevadas de poluentes. Moraes informa que foi firmado um acordo com o órgão e que os equipamentos, como filtros e outros, principalmente para a aciaria, já estão encomendados. Há um gasto previsto de US$ 50 milhões para modernização da usina. A fumaça e a poeira que sobem da aciaria formam uma nuvem espessa e cinza no céu. "No cômputo geral da usina, hoje, estamos dentro dos padrões da Colômbia; o ponto crucial é a aciaria. Vamos elevar tudo para os padrões de Brasil", diz o executivo.

Dois anos é o tempo que os novos donos da Paz del Rio se deram para renovar a siderúrgica e deixá-la no padrão do grupo. O seu sistema de gestão, o SGV, já começou a ser disseminado por meio de 15 funcionários, treinados por cinco meses. Em todas as unidades produtivas, se vê um quadro na parede, junto à entrada, com a inscrição "Gestión à la vista". Lá estão gráficos, com sinais de negativo ou positivo. "Não havia medida de desempenho na empresa; agora isso é exposto para todos". A questão de acidentes era outro ponto crítico. Não existia na empresa a cultura de prevenção e manutenção preventiva, informa Moraes. "Agora, passou a ser uma norma".

Outro problema era o teor pobre do minério de ferro próprio, que afetava a rentabilidade do alto-forno. A solução imediata foi importar minério mais rico da Vale do Rio Doce para fazer uma mistura. Para o futuro, estudam-se outras saídas. Com tudo isso, só falta um empurrãozinho da Virgem del Cármen, padroeira de trabalhadores em minas e dos condutores no país, cujo dia é 16 de julho. Imagens da santa estão espalhadas em vários pontos da usina, retratando o alto grau da religião católica dos colombianos.