Título: Herança inacabada e bilionária
Autor: Rizzo, Alana; Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 23/01/2011, Política, p. 3

O "espólio" de Fernando Henrique e Lula inclui centenas de obras que se arrastam há anos e não cumprem sua função

Entre os desafios a serem enfrentados pelo governo Dilma Rousseff está a conclusão de centenas de obras inacabadas que se arrastam por 10 ou 15 anos. Nem os ministérios nem o Tribunal de Contas da União (TCU) conseguem informar com precisão quantos são e qual é o orçamento desses empreendimentos. Números parciais apontam para cifras em torno de bilhões de reais. Auditoria do TCU realizada ano passado esbarrou na falta de controle dos órgãos federais sobre os projetos de sua responsabilidade. O trabalho ficou limitado pelo atraso no fornecimento das informações, pela entrega de documentos fora do formato solicitado e pela existência de vários tipos de acompanhamento de execução de obras por parte desses órgãos.

O projeto de irrigação Jacaré-Curituba, em Sergipe, atravessou três mandatos presidenciais, um de Fernando Henrique Cardoso e dois de Luiz Inácio Lula da Silva, mas não ficou pronto. Iniciado em 1997, já tem 80% das obras executadas. O orçamento atualizado está em R$ 94 milhões. O projeto de irrigação Salangô (MA), projetado para atender 437 famílias, consumiu R$ 71 milhões e teve a parte de infraestrutura concluída há alguns anos, mas não cumpre sua finalidade. O Ministério da Integração informou na sexta-feira que está em entendimento com o governo do Maranhão ¿para viabilizar ações de recuperação da infraestrutura do projeto e organização dos produtores¿.

Podre Um dos projetos de irrigação mais fracassados é o de Três Barras, no município de Cristalina (GO). Deveria irrigar 1,4 mil hectares para atender assentados do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Iniciado em 1997, a cargo da construtora Gautama, já consumiu R$ 56 milhões. A infraestutura dos setores 1 e 2 foi concluída em 2003, com capacidade para atender 520 hectares, mas o projeto jamais entrou em operação. Os equipamentos instalados e parte das tubulações apodrecem a céu aberto. Os produtores locais afirmam que o projeto foi mal planejado e se tornou economicamente inviável. A Controladoria-Geral da União (CGU) constatou há dois anos que a obra é resultado de uma ¿aberração administrativa¿ e a tendência é que nunca venha a funcionar, por causa dos altos custos de operação. O Ministério da Integração afirma que o setor 3 somente será executado depois que os setores 1 e 2 entrarem em operação.

O governo Lula conseguiu concluir 100 das 400 obras cadastradas pelo TCU em 2007. A maior foi a construção das Eclusas de Tucuruí (PA), no Rio Tocantins, empreendimento de R$ 965 milhões iniciado em 1981. Outras grandes obras foram retomadas, como a construção do trecho de 600km na BR-230, entre Marabá e Altamira (PA), que liga a Região Amazônica ao Nordeste e Centro-Oeste. Orçado em R$ 247 milhões, os quatro lotes em andamento, entre Itupiranga e Altamira, ficaram para Dilma.

O Ministério da Educação concluiu dezenas de pequenas obras, com valores entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões, entre elas centros de educação profissional iniciados no fim do governo FHC. O Ministério das Cidades também terminou dezenas de obras de pequeno e médio porte iniciadas no mesmo período. Várias ficaram até cinco anos sem recursos. Empreendimentos nas áreas de esgotamento sanitário, drenagem pluvial e de urbanização de favelas tiveram maior impulso no segundo mandato de Lula.

Acompanhamento dificultado

A auditoria realizada no ano passado monitorou os resultados de uma outra, feita em 2007. Na primeira, foram listadas 400 obras por concluir, com orçamento total de R$ 3,3 bilhões. O tribunal identificou que a principal razão para a estagnação decorre de disfunções no fluxo orçamentário e financeiro. O TCU apontou a necessidade de se criar um cadastro geral de obras, com informações detalhadas para o governo federal, o Congresso e os órgãos de controle, para permitir o real acompanhamento dos gastos realizados em obras custeadas com recursos federais.

O TCU não conseguiu informações precisas para mais da metade das obras paralisadas em 2007. Pouco mais de um quarto estavam concluídas. O texto registrou que o atraso no fornecimento das informações se constituiu numa ¿limitação ao trabalho da auditoria¿. A entrega das informações fora do formato também teria prejudicado as atualizações relativas às 400 obras por terminar.

Outra limitação resultou da existência de vários tipos de acompanhamento por parte dos órgãos, em função da forma como os recursos são aplicados. A dificuldade em recuperar informações é maior quando a execução é indireta, por meio de transferências intergovernamentais (convênios e contratos de repasse). Alguns ministérios alegaram dificuldade em recuperar informações sobre contratos de repasse, porque o controle dessas obras seria de responsabilidade da Caixa Econômica Federal.

O Ministério da Educação, por exemplo, alegou dificuldade em obter informações sobre as obras conduzidas pelas universidades federais, que têm orçamento próprio. Outro entrave ao controle é que os convênios muitas vezes têm por objeto uma parcela da obra e não abrangem a totalidade do empreendimento. Isso pode propiciar a ocorrência de uma obra inacabada cuja informação não é considerada pelo executor da despesa, pois a parcela em que a União aplicou recurso já se encontra entregue e com a respectiva prestação de contas do convênio regularizada.

O tribunal destacou a construção do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí, obra de R$ 13 milhões que já alcança 98% da execução física, mas não estaria ¿apta a gerar benefícios à sociedade¿. A auditoria menciona, ainda, a dificuldade dos órgãos em recuperar informações antigas em virtude da extinção e da criação de ministérios, diretorias, departamentos e secretarias, além de trocas de governo sem definição clara de quem se responsabilizará pelos dados após as mudanças. (LV)