Título: Brasil quer fim de restrições no comércio com o sócio
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2007, Brasil, p. A4

O governo brasileiro vai reivindicar do novo governo da Argentina maior facilidade para entrada de produtos do Brasil, hoje sujeitos a restrições de importação, como tecidos denim (usados em roupas jeans), geladeiras e calçados, informou ao Valor o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. A campanha eleitoral, vencida por Cristina Kirchner, mulher do atual presidente, Néstor Kirchner, impediu avanços em negociações sensíveis. Definido o futuro político da Argentina, é hora de discutir temas que ficaram indefinidos, argumenta o ministro, que quer preparar, também, o livre comércio bilateral no setor automotivo.

O acordo de restrição voluntária de exportações de geladeiras brasileiras para a Argentina expirou neste ano e o governo argentino insiste para que seja firmado um novo, o que é recusado pela Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). Enquanto isso, essas mercadorias estão sujeitas a regime de licenças prévias de importação, sempre sob ameaça informal de retenção das alfândegas, o que não tem acontecido. Calçados e denim estão sujeitos a cotas e os exportadores brasileiros se queixam da perda de mercado para a China.

O Denim brasileiro está sujeito a uma cota negociada de 22 milhões de metros lineares, e, na ocasião desse " acordo " informal, a Argentina comprometeu-se a limitar em 1,5% o volume de importações de Denim provenientes de outras origens, terceiros países. A valorização do real em relação ao dólar fez com que os produtores brasileiros perdessem espaço para a competição dos fabricantes asiáticos, e hoje o Brasil não consegue nem vender os 22 milhões da cota. O percentual das importações que os asiáticos ocupam, hoje, é de 18,4%, acima do que estava combinado. O governo brasileiro quer, então, retirar a limitação imposta ao denim nacional e pede também medidas contra a concorrência chinesa.

No caso dos calçados, uma negociação em meados do ano passado conseguiu elevar a cota informal imposta ao produto brasileiro, de 13 milhões de pares no período de julho de 2006 a junho de 2007 para 15 milhões, de julho de 2007 a junho de 2008. Os calçadistas estão satisfeitos, até agora, com esse volume, mas preferem que não haja nenhuma restrição às vendas provenientes do Brasil.

"Muitas discussões entre Brasil e Argentina não avançaram por causa das eleições no país", constata Miguel Jorge. "Agora temos de ter definições em relação a linha branca, denim, calçados."

O fim das cotas para calçados a partir de 2008 não foi discutido pelos negociadores argentinos com o argumento de que os possíveis desdobramentos eleitorais criavam empecilhos políticos para a discussão. O denim, sujeito às cotas, também é uma questão em aberto, para o ministro. "Não pudemos discutir o fim das cotas, queremos fazer isso agora", disse.

Parte das restrições impostas pelos argentinos aos produtos brasileiros vigoram desde meados de 2004. O cenário cambial entre os dois países mudou muito desde então. Em junho de 2004, a cotação do real em dólar estava em R$ 3,1 e o real acumula desde então uma valorização de 42% em relação à moeda americana. Já o peso fez o movimento inverso e desvalorizou-se 6% em relação ao dólar. Entre si, em junho de 2004, as duas moedas estavam equiparadas. Hoje, o produto brasileiro está mais caro na moeda argentina, pois um peso vale R$ 0,57.

Miguel Jorge participou do encontro realizado na terça-feira, em Brasília, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente eleita da Argentina, Cristina Kirchner, com parte dos ministérios dos dois países, e acredita que o clima de cordialidade entre os governos facilitará as discussões das pendências comerciais ainda existentes. A presidente argentina mostrou-se, na reunião, atenta ao déficit comercial, especialmente no setor automotivo, e Jorge argumenta que esse déficit vem diminuindo.

Em julho de 2008 termina o acordo automotivo que estabelece regras e limites para o comércio de automóveis, partes e peças entre os dois países, e, teoricamente, deveria estabelecer-se gradualmente o livre comércio desses produtos, idéia vista com preocupação na Argentina. "Estamos tentando, há meses, discutir já agora uma política automotiva do Mercosul, não um acordo de dois anos, mas uma política ampla", diz Miguel Jorge. A proposta do governo brasileiro é estabelecer um modelo de "complementação produtiva", que defina a distribuição de investimentos dos fabricantes de veículos e de autopeças pelos países do bloco.

"Com a crise econômica na Argentina ficava difícil discutir por causa da baixa produção de lá e a diferença com a produção daqui", reconhece o ministro. Ele acredita que a recuperação das vendas do parque produtivo argentino abre espaço para a retomada do esforço pelo livre comércio. O governo argentino continua preocupado com o déficit comercial com o Brasil, cerca de US$ 3 bilhões, e teme especialmente a ameaça ao setor de autopeças, em caso de abertura total no comércio com o Brasil.

A nova presidente da Argentina já mostrou que manterá a política do marido, de forte defesa da indústria do país, mas deu sinais, na reunião em Brasília, que terá mais engajamento e interesse em participar do esforço para superar a falta de avanços na integração entre os países do Mercosul. Os temas que Miguel Jorge pretende resolver com o governo argentino são debatidos mensalmente na comissão de monitoramento de comércio estabelecida pelos dois países, que conseguiu limitar ao plano técnico as principais divergências em matéria de barreiras comerciais e concorrência entre produtos argentinos e brasileiros.