Título: Mão pesada do Estado na economia favorece Cristina
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2007, Especial, p. A16

Não faltaram planos antiinflacionários na Argentina ao longo dos anos. O atual pode ser o primeiro que depende muito de um servidor público a quem alguns executivos e políticos apelidaram de "El Loco".

O funcionário público, Guillermo Moreno, é o secretário de Comércio Interior da Argentina, o fiscal do governo para os preços. Sua missão é limitar as remarcações na aquecida economia argentina- pelo menos até que Cristina Fernández de Kirchner, a mulher do atual presidente, Néstor Kirchner, possa vencer as eleições presidenciais de domingo. Ela é franca favorita.

Com a bênção dos Kirchner, Moreno forçou acordos de controle de preço com a indústria, distribuiu subsídios e impôs restrições às exportações para manter o mercado interno suprido de mercadorias. Ele também ameaçou empresas que não cooperam com processos segundo uma recém-desenterrada lei de 33 anos para garantir o abastecimento. Quando nada disso funcionou para conter os preços, alega um promotor, Moreno afastou estatísticos do governo que preparavam o índice de preços ao consumidor e instalou uma equipe dele mesmo para manipular os números. Moreno nega; um juiz está analisando o caso.

A Argentina costuma estar bastante envolvida nas tendências econômicas da América Latina. Nos anos 90, ela foi uma líder na onda de capitalismo de livre mercado que varreu a região. Isso terminou com um doloroso colapso em 2001. Nesta década, o governo Kirchner passou a adotar maior controle estatal sobre a economia, da mesma maneira que outros países latino-americanos, como Venezuela, Bolívia e Equador. Com a América Latina dividida entre esses governos populistas e países que perseguem a economia de livre mercado, o destino de Kirchner e da Argentina pode afetar as escolhas políticas ao longo da região.

Enquanto a facção governista da Argentina tenta prolongar a forte recuperação econômica do país - e manter-se no poder -, ela enfrenta uma batalha cada vez mais desesperada para conter a inflação. Pelos questionados números do governo, a taxa anual está em 8%. A maioria dos economistas independentes calcula que seja o dobro disso. Em vez de desaquecer a economia e consertar gargalos com vistas à prosperidade futura, o governo do presidente Kirchner vem intervindo nos mercados e nos preços pesadamente.

As medidas muitas vezes se mostram ineficazes e às vezes causam distorções na economia que podem dificultar ainda mais soluções duradouras. Quando Moreno tentou tabelar os preços da batata, depois de uma safra ruim, com um número de telefone para receber denúncias de abusos, os consumidores rejeitaram os tubérculos vendidos ao preço oficial, dizendo que eram de baixa qualidade. "Não servem nem para porcos", disse um defensor dos direitos do consumidor.

Pior ainda, preços de energia, artificialmente baixos - um terço da média da região para eletricidade de uso residencial - estimularam a demanda ao mesmo tempo em que desencorajaram investimento novo em eletricidade e gás natural. Isso levou ao racionamento em junho e julho e suscitou temores em relação ao verão que se aproxima.

Cristina Kirchner, que é senadora e assessora de seu marido, apresentou-se como herdeira do legado dele - uma expansão econômica de 50% nos últimos cinco anos. Pesquisas sugerem que ela vencerá as eleições no primeiro turno, basicamente porque a expansão é a mais vigorosa na Argentina desde o período entre as guerras mundiais.

Desde que Kirchner assumiu, em meio a uma crise debilitadora, a Argentina reduziu o desemprego de 18% para perto de 8% e tirou uma boa parcela da população da faixa de pobreza. Os partidários do presidente notam que economistas tradicionais criticam as políticas dele, apesar da recuperação do país. Mercedes Marcó del Pont, uma economista e parlamentar do partido de Kirchner, argumenta que alguma intervenção do governo nos preços é justificada para confrontar as pressões inflacionárias vindas do exterior.

A oposição parece dividida demais para derrotar Cristina Kirchner, especialmente depois que o governo de seu marido tirou proveito de estar no poder para dirigir benefícios, como aumentos de aposentadorias e salários, para importantes blocos de eleitores.

Um importante candidato da oposição é Roberto Lavagna, o ex-ministro da Economia de Kirchner, que rompeu com o presidente em 2005 por causa de divergências em relação à política para lidar com a inflação. Lavagna quer restringir os gastos públicos e controlar a inflação - uma proposta nada popular. Ele também quer cortejar agressivamente o investimento e desdenha a política dos Kirchner como "o plano do avestruz: você põe a cabeça num buraco".

Poucos esperam mudanças radicais de direção num governo da atual primeira-dama, que tem sido vaga sobre seus planos para combater a inflação - ela só diz que quer estabelecer um pacto entre empresas e trabalhadores para controlar os preços.

Num recente evento de campanha, Cristina Kirchner afirmou que o governo de seu marido produziu "uma mobilidade social ascendente que não ocorria havia muito tempo". O casal Kirchner decidiu que Cristina seria a candidata quando a ainda elevada popularidade do presidente começava a decair, afirmam analistas.

Cristina Kirchner representa "uma mudança na embalagem, mas basicamente as mesmas idéias de seu marido", diz Herman Weiss, presidente das operações argentinas da seguradora americana Chubb Corp.

Não está claro se Moreno, que ganhou seu apelido "El Loco" por causa de seu estilo agressivo de lidar com executivos por causa de preços, continuará depois das eleições, mas parece inevitável que o governo manterá uma postura intervencionista. Moreno, que também foi chamado de "El Sheriff" e "El Taliban", descreve-se simplesmente como "um soldado" do governo.