Título: Sucessão de Renan divide Senado e deixa CPMF indefinida
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2007, Politica, p. A10

Após 140 dias de turbulência, o Senado retoma hoje as atividades sem Renan Calheiros na presidência, mas ainda em crise. Dividido, o PMDB está sem condições de conduzir o processo de substituição de Renan, cujo afastamento é considerado definitivo, e o PT e a oposição se articulam para eleger um sucessor. As dificuldades para aprovar a prorrogação da CPMF continuam as mesmas, talvez até um pouco maiores devido ao racha pemedebista. Nesse quadro, soa otimista a previsão do senador Tião Viana (PT-AC), segundo a qual se inicia hoje uma nova era no Senado.

Depois de perder o apoio quase incondicional do PT, do Palácio do Planalto e dos aliados do PMDB, o Renan Calheiros pediu uma licença de 45 dias da presidência do Senado na quinta-feira, 11. Em pronunciamento transmitido pela TV Senado justificou que se afastava "a fim de demonstrar, de forma cabal e respeitosa (...) que não precisaria do cargo para me defender". Com o gesto Renan disse que procurava "preservar a harmonia" do Senado, mas insistiu que enfrentará os processos no Conselho de Ética, "como fiz até agora". Seu objetivo é preservar o mandato e, se der, voltar ao cargo.

Nem os mais decisivos aliados de Renan acreditam nessa possibilidade. Mas todos eles, do senador José Sarney ao líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR), passando pelo Palácio do Planalto, avaliam que seu afastamento provisório remove um pretexto - o de que ele usava as prerrogativas do cargo em benefício próprio - e repõe com clareza os contornos reais da crise: a disputa entre governo e oposição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferia que Renan tivesse tirado uma licença mais longa, de 120 dias, o que o senador por Alagoas chegou a concordar mas depois voltou atrás.

Primeiro-vice-presidente, Tião Viana exerce o cargo até a eventual volta de Renan - se ele renunciar, Tião convocará uma nova eleição num prazo de 30 dias. Ele convocou uma reunião da Mesa Diretora para hoje à tarde. Amanhã, pretende almoçar com os líderes partidários. Pode não ser uma nova era mas o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM) afirma que a oposição - com o afastamento de Renan - não tem como se recusar a contribuir com um "esforço geral para normalizar o Senado", e que não há outra hipótese a não ser votar. Não a CPMF na forma que o governo quer, mas "discutir bastante", por exemplo, a necessidade das medidas provisórias em tramitação no Senado. Logo serão 14 obstruindo a pauta.

Após a reação inicial de que Renan deveria ter renunciado e não apenas se licenciado da presidência, líderes da oposição diziam ontem que talvez tenha sido uma decisão "sábia" do senador. Isto porque, em vez de hoje discutir uma agenda de votação para os próximos dias, o Senado estaria já envolvido numa "guerra fratricida" em torno da eleição do novo presidente da Casa. Os próximos 45 dias, assim, serviriam para que os senadores tentassem algum tipo de composição entre os partidos.

A cúpula do PMDB no Senado reconhece que está sem condições, pelo menos no momento, de conduzir o processo de sucessão de Renan, muito embora detenha a maior bancada. A não ser o senador José Sarney (AP), nenhum outro nome reúne condição de unir os pemedebistas, mas o nome do ex-presidente sofre restrições de setores do PMDB e também da oposição. A avaliação é que o partido pode voltar ao posto, mas dentro de uma aliança: com a oposição, que se disporia a apoiar um nome como o do senador Jarbas Vasconcelos (PE), ou com o Palácio do Planalto, se o governo se dispuser a adotar o nome de um senador ou de um ministro pemedebista.

O problema do governo, na visão dos caciques pemedebistas, é que o PT vislumbra a oportunidade de ficar com o cargo em caráter definitivo. Se viabilizar um candidato, Lula deve fazer o que sempre faz nessas ocasiões: ficar com o PT. Mas o partido do presidente também enfrenta uma renhida disputa interna: a líder Ideli Salvati (SC), que esteve com Renan até os últimos dias dias, está indisposta com Aloizio Mercadante (SP), que, por sua vez, ficou mal com os colegas ao tentar justificar um voto de abstenção no julgamento que inocentou o presidente do Senado. Entre os dois está Tião Viana, a cada dia visto com mais desconfiança de Renan, que julga poder atuar agora nos bastidores com mais desenvoltura que na Presidência.

Para aprovar a CPMF, o governo necessariamente terá de contar com votos da oposição. Num quadro de divisão e disputa, como o do Senado, é uma tarefa mais difícil mas não impossível, como é reconhecido na própria oposição. Além do impacto que a rejeição poderia ter sobre a economia, e que ninguém sabe exatamente qual poderia ser, o governo tem instrumentos "ortodoxos e heterodoxos", na expressão de um senador, para conseguir a necessária maioria.