Título: Lobby parlamentar da Vale do Rio Doce mira legendas de esquerda
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2007, Politica, p. A10

Maior empresa privada brasileira, a Companhia Vale do Rio Doce saiu ilesa do plebiscito sobre sua reestatização, realizado entre 1º e 9 de setembro passados, e que mobilizou 3,7 milhões de pessoas. Mesmo no Congresso, que poderia dar curso à proposta, trata-se de um movimento isolado, virtualmente restrito ao PSOL. O PCdoB e os setores mais radicais do PT também consideram a venda da Vale uma fatura liquidada. Restaram alguns arranhões na imagem, o que a companhia trata de corrigir com um discreto lobby no Congresso.

A "Campanha pela Anulação da Privatização da Vale" foi lançada em agosto de 2006, por organizações do movimento social, na porta do teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. Mas tem quase a mesma idade do pregão da CVRD, realizado em maio de 1997, no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. Mal batido o martelo, a deputada Socorro Gomes, então no PCdo B do Pará, área de intensa atuação da Vale, começou a campanha para que a privatização fosse revertida - e que, afinal, teve 3,5 dos 3,7 milhões de votos apurados.

O plebiscito ganhou força no terceiro ano de governo Lula. Seus idealizadores tinham em mente menos reestatizar a Vale do que fazer proselitismo contra as privatizações. O tema dominou o segundo turno da eleição presidencial de 2006, o que animou os partidários da reestatização. Mas o Palácio do Planalto, desde o início, se manifestou contrário à consulta e à reestatização. Menos clara era a posição do Congresso, onde as bancadas de esquerda cresceram nas duas últimas legislaturas em relação ao número de deputados e senadores que detinham no final dos dois governos do PSDB.

A campanha da reestatização durou um ano, a votação, nove dias, mas o projeto não entusiasmou os congressistas, segundo apurou o Valor. Mais acolhida tem a idéia de a Vale ressarcir "a sociedade" se alguma auditoria decretada pela Justiça vier apurar que a empresa foi vendida a um preço muito menor que seus ativos ou se for julgado que houve irregularidade na licitação. Há no Judiciário cerca de 110 medidas, entre ações populares e ações civis, questionando a venda da Vale do Rio Doce.

"A privatização é irreversível, o que não impede que eventuais distorções ocorridas à época não possam sofrer auditorias ou outro tipo de apuração que o valha", diz, por exemplo, o senador Renato Casagrande (PSB-PE).

Renato Rabelo, presidente do PCdoB, o partido de Socorro Gomes, diz que a Vale privatizada faz parte "daquele tripé que foi a marca estrutural do desenvolvimento brasileiro, sobretudo se a gente considera de Juscelino Kubiscthek para cá: Estado, multinacionais e as empresas brasileiras" - enunciado recentemente retomado pela economista Maria da Conceição Tavares. "Mas para que esse tripé funcione", diz Renato, "precisa haver empresas nacionais de porte, porque senão só vai ter multinacionais num Estado já enfraquecido". Nesse contexto - argumenta - é preciso "repensar esse problema da Vale, que se tornou uma empresa privatizada mas na qual predomina o capital daqui, brasileiro. A Vale do Rio Doce é uma empresa nacional atual".

-------------------------------------------------------------------------------- Plebiscito fracassou, mas prospera a idéia de uma auditoria que venha levar a empresa a "ressarcir" a sociedade --------------------------------------------------------------------------------

A CVRD, na realidade, tem uma visão randômica do Congresso e seus humores em relação à companhia. Segundo apurou o Valor, mais que a reestatização ou a sensação de que a empresa foi vendida abaixo do preço, no presente o que preocupa congressistas em relação à Vale são as ações da empresa na área ambiental, populações indígenas e investimentos no país. Atentos, os executivos da companhia têm procurado conversar e esclarecer deputados e senadores - uma dessas exposições, aliás, foi justamente para dirigentes e deputados do PCdoB.

Basicamente, os executivos da CVRD dizem aos deputados que a Vale do Rio Doce é uma companhia nacional, que tem se esforçado esforço para manter capital no país, apesar de não recusar acordos, em termos de participação acionária externa, que sejam vantajosos para a companhia. "Isso qualquer empresa faz", justificou um executivo, num desses encontros. Argumentam que a internacionalização da empresa é boa para o país, assim a CVRD "passa a ter um porte no nível do mercado atual mundial".

Na questão do meio ambiente, a de maior demanda entre os partidos à esquerda que integram a base governista, os executivos da Vale têm costumado a se antecipar aos questionamentos para enfatizar a conduta da empresa na área ambiental.

No encontro com os comunistas do PCdoB, especificamente, os representantes da Vale do Rio Doce se referiram ao problema do Pará, onde a empresa detém a mineração do ferro da Serra dos Carajás. Afirmaram que tem desenvolvido "uma luta muito grande" na região contra empresas pequenas e médias que degradam o meio ambiente, a ponto de não ter mais relação com essas empresas e assim pressioná-las a adotar critérios de defesa ambientais, segundo o relato de presentes à reunião.

Entre profissões de confiança no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a CVRD também expõe a congressistas seus planos futuros. Segundo seus executivos, a companhia tem um plano de grandes investimentos, e que na realidade atual são poucas as empresas - como a Vale - que têm essa confiança no país para fazer grandes investimentos, e que isso é "fundamental para o desenvolvimento nacional, para o fortalecimento do país".(R.C.)