Título: Cúpula de emergentes discute Doha
Autor: Felício, César; Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2007, Internacional, p. A13

O reforço da união política entre os governos de Brasil, África do Sul e Índia e acordos econômicos de relevância limitada devem ser o saldo da segunda Cúpula do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), que irá reunir o presidente Luiz Inácio Lula das Silva com o presidentes da África do Sul, Thabo Mbeki, e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, nesta quarta-feira em Pretória e Johannesburgo.

De maneira discreta, a retomada de negociações na rodada Doha da OMC deverá constar das declarações finais do encontro. Mas dificilmente a menção irá além de uma manifestação dos países de continuarem agindo de forma conjunta diante da questão , sem sinalizações para a saída do impasse atual. Os três países se apóiam mutuamente na pretensão de obter um assento no Conselho de Segurança da ONU e barraram no ano passado as pretensões dos Estados Unidos e da União Européia de obter um acordo no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). Do lado sul-africano, a posição comum dos três países na disputa comercial ainda é contabilizada como um sucesso. "O Norte reconhece que algo acontece no Sul", comentou J.J.Spies, embaixador sul-africano encarregado da organização do Fórum.

Washington e Bruxelas acusam os três grandes emergentes de colocar em risco a conclusão de Doha porque se recusariam a cortar entre 55% e 60% as tarifas de importação de produtos industriais. Já Brasil, Índia e África do Sul denunciam desequilíbrio entre a tímida abertura proposta pelos ricos na área agrícola e a ambição exigida dos países em desenvolvimento na área industrial. As posições entre os três países não são totalmente convergentes sobre o tema. O Brasil mantém a demanda por flexibilidade adicional para a indústria do Mercosul. Só que indianos e sul-africanos e outros emergentes parecem não terem entendido os argumentos brasileiros, compartilhados pela Argentina.

Há uma diferença com a demanda da África do Sul por flexibilidade adicional para uniões aduaneiras. O País se comprometeu com fortes cortes tarifários na Rodada Uruguai, mas a Sacu (União Aduaneiras da África Austral) tem vários países que são economias pequenas e vulneráveis, que não sofreriam cortes maiores na Rodada Doha. Para equilibrar a situação, torna-se necessária uma válvula de escape para a tarifa externa comum. No caso da demanda brasileira e Argentina, os sócios do Mercosul têm setores industriais sensíveis diferentes e não conseguem se beneficiar integralmente da flexibilidade para proteger 10% de suas linhas tarifárias . Os EUA e a UE não aceitarão a demanda do Brasil e Argentina, que vêem como um meio para esvaziar a liberalização industrial.

Dos três países da cúpula de quarta-feira, o Brasil é o mais próximo dos Estados Unidos em termos comerciais e políticos, e a África do Sul o que tem relações mais estreitas com a União Européia. Mas é pouco provável que Lula cobre de Mbeki e Manmohan Singh sinais concretos para que o impasse seja superado. Os acordos trilaterais mais relevantes previstos irão tratar de linhas aéreas e marítimas. Segundo Spies, os governos dos três países irão estimular compartilhamento de linhas (code share) entre as empresas áreas. As linhas gerais do acordo já estavam traçadas na cúpula do ano passado, mas a crise que afetou a Varig adiou as negociações.

Novos grupos de trabalho do Fórum serão instalados. Pelo menos um deles, o de mulheres, tem importância para a política interna sul-africana. Mbeki tenta manter a hegemonia sobre o partido governista, o Congresso Nacional Africano, que realiza uma convenção para escolher sua nova direção em dezembro. No âmbito partidário, o voto das mulheres será decisivo.

As relações econômicas entre Brasil e África do Sul são descritas como tímidas por representantes dos dois governos, apesar do fluxo de comércio entre os países ter passado de US$ 500 milhões para cerca de US$ 1,9 bilhão entre 2000 e 2006. O desequilíbrio é grande: deste fluxo, US$ 1,459 bilhão são exportações do Brasil para a África do Sul e apenas US$ 434 milhões fazem o percurso inverso. Ainda assim, o Brasil representa menos de 2% do total de importações sul-africanas. A relação da África do Sul com a Índia é mais intensa O fluxo entre os dois países atingiu US$ 2,2 bilhões em 2005.

Há pouca complementaridade entre as economias brasileira e sul-africana. A área de energia é um exemplo. Terceira maior empresa da África do Sul, a Sasol, líder na tecnologia de converter carvão e gás natural em combustíveis líquidos. Abriu este ano um escritório na Índia para estruturar uma joint-venture com o grupo indiano Tata , em um projeto de exploração das reservas de carvão que poderá implicar em investimentos de US$ 5 bilhões. Com o Brasil, não há empreendimento a caminho.

O repórter César Felício viajou a convite