Título: Fundos soberanos já preocupam FMI
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2007, Finanças, p. C1

Países de economia emergente, como China, Coréia do Sul e Malásia, estão criando fundos com recursos de suas reservas cambiais e investindo o dinheiro na compra de participações acionárias de bancos e empresas de nações desenvolvidas. Em julho, dois desses fundos - um chinês (o State Foreign Exchange Investment Corporation) e outro de Cingapura (Temasek Holdings) - compraram 5,2% do capital do tradicional banco britânico Barclays, ganhando o direito de indicar um representante para o conselho de administração.

A operação chamou a atenção das autoridades dos países ricos para uma novidade: endinheiradas, devido à forte acumulação de reservas feita nos últimos anos, as economias em desenvolvimento estão indo às compras. O Brasil, com reservas de US$ 162 bilhões, ainda não entrou no clube de investidores soberanos que compram empresas no exterior. Segundo apurou o Valor, o governo brasileiro só tratará dessa possibilidade depois que o país for promovido, pelas agências de classificação de risco, a grau de investimento e, possivelmente, após eliminar o déficit público.

Batizados de "Sovereign Wealth Funds" (Fundos de Riqueza Soberana), esses fundos têm um poder de fogo apreciável. Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Deutsche Bank, os 42 fundos já instituídos possuem cerca de US$ 3,4 trilhões para investir, com expectativa de superar US$ 10 trilhões na próxima década. É bem mais, por exemplo, do que movimentam os chamados "hedge funds", fundos de caráter altamente especulativo e que, de tempos em tempos, provocam perturbações no mercado financeiro internacional - segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os "hedge funds" mobilizam hoje cerca de US$ 2 trilhões.

A atuação dos SWF já está provocando reações protecionistas. Os governos de países ricos estão discutindo a criação de barreiras à entrada de estrangeiros em áreas consideradas "estratégicas", como as de infra-estrutura e produção de petróleo. Duas tentativas de compra de empresas americanas nos setores de petróleo e de portos, por parte de companhias estatais da China e dos Emirados Árabes, fracassaram em 2005, levando o governo americano a aprovar, neste ano, uma nova Lei de Investimento Estrangeiro e Segurança Nacional.

Preocupados com o avanço dos SWF, os americanos, com a ajuda dos franceses e alemães, colocaram o assunto na pauta da reunião anual do FMI, que começa quarta-feira, em Washington. Há um mês, o Banco Mundial (Bird) promoveu seminário para discutir o tema. Os países ricos querem que o Fundo e o Bird criem um conjunto de regras para o funcionamento dos fundos soberanos, exigindo que eles sejam transparentes e que os países-patrocinadores ofereçam reciprocidade quanto à abertura de suas economias.

"Parece que o mundo virou de cabeça para baixo - a mudança paradigmática de um mundo no qual investidores privados de países ricos e industrializados costumavam investir em todo o globo para um mundo em que os governos de mercados emergentes se tornam os principais acionistas de companhias do Ocidente. Uma nova reviravolta na história da globalização", diz Steffen Kern, economista da área de pesquisa do Deutsche Bank, em Frankfurt, e autor de um amplo estudo sobre SWF.

Também conhecidos como fundos de investimento estatal, os SWF existem desde os anos 50. Inicialmente, foram criados por pequenos países exportadores de commodities finitas - petróleo, gás, cobre -, interessados em diminuir sua dependência econômica e financeira desses recursos e, assim, assegurar o futuro de suas gerações. Desde 1965, o governo do Kuwait destina anualmente 10% das receitas obtidas com petróleo ao "Future Generation Fund". Maior produtor de cobre do mundo, o Chile criou este ano o "Economic and Social Stabilization Fund", um fundo de US$ 6 bilhões.

Mais recentemente, economias que passaram a acumular elevados volumes de reservas cambiais decidiram diversificar os investimentos. Tradicionalmente, as reservas são aplicadas em títulos soberanos de nações ricas. O governo chinês, por exemplo, tem US$ 420 bilhões em papéis do Tesouro americano, ou 19% da dívida dos EUA em poder de estrangeiros.

A tendência, agora, são os países detentores de reservas aplicarem parte dos recursos - o que exceder às respectivas dívidas externas de cada economia - em ações e títulos privados de grandes multinacionais e instituições financeiras. Na opinião de Kern, a diversificação faz sentido. Nos últimos 60 anos, os investimentos em papéis de curto prazo de países ricos renderam, em média, 1% ao ano em termos reais.

Segundo cálculos de Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, uma carteira com 60% aplicados em ações e 40% em títulos privados teria assegurado retorno, no mesmo prazo, de cerca de 6% anuais. Embora o investimento em ações e títulos seja mais arriscado, Kern alega que, como as aplicações soberanas são de prazo mais longo, o risco de perda é menor que o de papéis soberanos de prazo curto.