Título: A Brazília ficou para trás
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 23/01/2011, Brasil, p. 10

Rio de Janeiro ¿ Antes chamado de Buraco do Sapo, por conta da abundância do anfíbio no morro naquela época praticamente desabitado, a primeira das 14 comunidades que hoje compõem o Complexo do Alemão inspirou-se nesta capital. Foi nomeada Nova Brasília pelos próprios moradores devido à fama da cidade erguida naquele momento no meio do nada por um obstinado presidente da República. ¿Só que a Brasília de vocês foi para a frente, enquanto a Nova Brasília ficou para trás¿, analisa Alcides de Almeida, presidente da Associação de Moradores do local. Apesar das críticas, ele aponta avanços recentes, trazidos por obras conjuntas entre a prefeitura do Rio e o governo federal depois da ocupação policial.

Marco mais simbólico até agora do tal progresso prometido pelas autoridades depois da retomada das áreas dominadas pelo tráfico de drogas, o CineCarioca está instalado no local chamado pela população de Praça do Terço ¿ onde os moradores, antes de ser construída a primeira igreja católica, em 1962, costumavam rezar. As quatro sessões oferecidas a R$ 4 (meia-entrada) têm taxa de ocupação média de 85%. Muitas das crianças simplesmente nunca haviam ido ao cinema antes da sala de exibição, que conta com tecnologia 3D, se instalar. Ao lado do CineCarioca, está prevista a construção de um módulo de inclusão digital e também de uma creche para 190 crianças. Só que, para tudo isso se tornar realidade, há impasses com moradores de casas que precisam ser desapropriadas.

Márcia dos Santos Luciano, moradora desde que nasceu de Nova Brasília, é clara. ¿Não saio daqui por menos de R$ 100 mil. Minha mãe tem 83 anos e eu não posso morar mais lá para cima. Os imóveis valorizaram muito por aqui¿, diz a mulher de 42 anos, que há quatro vende empadas, coxinha, esfirras e outras guloseimas na porta de casa, onde as obras estão paradas. Para Alcides, presidente da Associação de Moradores de Nova Brasília, a quantia exigida está superfaturada. ¿A casa dela não valia mais que R$ 40 mil. Houve, realmente, uma valorização de cerca de 100% das casas. Então, os R$ 85 mil que a prefeitura ofereceu estão dentro do aceitável. Ela tem que entender¿, protesta o líder comunitário.

Resistência

Outras duas casas estão na mesma situação ¿ precisam ser removidas para a construção das benfeitorias, mas os moradores estão reticentes com as propostas oferecidas pela Secretaria de Habitação do Rio de Janeiro. Para Wellington Cardoso, 28 anos, morador de Nova Brasília e atual gerente do cinema, a demora dos moradores em saírem de suas casas não condiz com a necessidade que a população tem dos serviços. Ele destaca que, pela primeira vez, agências bancárias e empresas dos mais variados tipos mostram interesse em trabalhar na região. A Caixa Econômica e o Santander informaram, por meio da assessoria de imprensa, que já instalaram agências no Complexo do Alemão. O Banco do Brasil e o Itaú destacaram que pretendem abrir tais lojas, mas não deram previsão.

Embalada por um frisson, a população, na última quarta-feira, contava como certa a abertura de um Itaú já neste sábado, ou seja, ontem. Enquanto essa onda de boas novas se propaga, nem sempre acompanhadas de confirmação, Euclair Dourado Camilo reclama de entulhos deixados por operários das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na sua rua. ¿Fizeram um esgoto completamente errado na frente da casa da minha mãe, fica um mau cheiro que ninguém suporta¿, afirma o rapaz. Segundo ele, o acabamento não foi finalizado, mas a obra já consta como concluída. ¿A gente reclama, mas dizem que essa parte está pronta, e não está pronta coisa nenhuma¿, queixa-se Euclair.

Presença policial

Oficialmente Nova Brasília, a favela também é chamada de Nova Brazília ¿ como mostra a placa envelhecida na rua principal do local. A avenida de mesmo nome é uma mistura de gente, camelôs e, agora, soldados do Exército. Dois ficam postados bem na entrada da rua, onde até pouco tempo policial nenhum chegava próximo ¿ a menos que tivesse conchavo com os traficantes do Comando Vermelho, que dominavam o local. Mas verbalizar o sentimento das mudanças trazidas com a polícia parece ainda prematuro para quase todos moradores. Questionada sobre o que está achando da pacificação da favela, a senhora de cabelos brancos que vende, em uma barraca improvisada, bijuterias, desconversa. ¿Não sei nada disso, não. Para mim, está tudo normal¿, encerra o assunto.

Sob um sol escaldante, na tarde da última quarta-feira, meninas posavam nas ruas do Complexo do Alemão para as lentes de Max Moure, fotógrafo especializado em editoriais de moda. São quatro garotas da comunidade que, depois de vencerem 26 candidatas num concurso idealizado pela prefeitura do Rio, ganharam o book. A ideia, explica a produtora Dani Caldeira, é encaminhar o material para agências da cidade, com o objetivo de incluir as meninas no mundo da moda. A descolada Laís Cristina Fonseca, nascida no Alemão, percebe uma reviravolta no olhar dos possíveis futuros patrões em relação a ela. ¿Antes, acho que podia ter uma discriminação, agora, talvez, gostem mais de mim porque eu moro na favela. Morar na favela virou pop¿, diz a menina.

Para ela, a chegada das tropas militares no Alemão significou menos diversão. ¿Acabaram com o baile funk, onde a gente dançava, conhecia um monte de gente, se divertia¿, reclama Laís, de 15 anos. Para o coronel Marcelo Araripe, chefe do Estado-Maior da Força de Pacificação no Alemão e na Vila Cruzeiro, o fim dos bailes funk têm razão de ser. ¿Eram eventos que retratavam o mundo dos adolescentes daqui. E quem é o exemplo para esses meninos? O crime organizado, essa é a realidade, infelizmente. Então precisamos mudar isso¿, afirma o militar do Exército. Ao apontar crianças de cerca de seis anos passando pelas ruas, ele diz: ¿Essa juventude precisa ser preservada, ainda tem salvação¿. (RM)

Inclusão no mundo da moda

Sob um sol escaldante, na tarde da última quarta-feira, meninas posavam nas ruas do Complexo do Alemão para as lentes de Max Moure, fotógrafo especializado em editoriais de moda. São quatro garotas da comunidade que, depois de vencerem 26 candidatas num concurso idealizado pela prefeitura do Rio, ganharam o book. A ideia, explica a produtora Dani Caldeira, é encaminhar o material para agências da cidade, com o objetivo de incluir as meninas no mundo da moda. A descolada Laís Cristina Fonseca, nascida no Alemão, percebe uma reviravolta no olhar dos possíveis futuros patrões em relação a ela. ¿Antes, acho que podia ter uma discriminação, agora, talvez, gostem mais de mim porque eu moro na favela. Morar na favela virou pop¿, diz a menina.

Para ela, a chegada das tropas militares no Alemão significou menos diversão. ¿Acabaram com o baile funk, onde a gente dançava, conhecia um monte de gente, se divertia¿, reclama Laís, de 15 anos. Para o coronel Marcelo Araripe, chefe do Estado-Maior da Força de Pacificação no Alemão e na Vila Cruzeiro, o fim dos bailes funk têm razão de ser. ¿Eram eventos que retratavam o mundo dos adolescentes daqui. E quem é o exemplo para esses meninos? O crime organizado, essa é a realidade, infelizmente. Então precisamos mudar isso¿, afirma o militar do Exército. Ao apontar crianças de cerca de seis anos passando pelas ruas, ele diz: ¿Essa juventude precisa ser preservada, ainda tem salvação¿. (RM)