Título: Aversão ao risco pressiona câmbio
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2007, Finanaças, p. C1

A maior aversão ao risco por causa do novo agravamento da crise de crédito nos Estados Unidos vai ajudar o Banco Central em sua tarefa de impedir a valorização mais forte do real, pois reduz os investimentos externos em bolsa, renda fixa e derivativos. O risco de depreciação maior existe, mas só no médio a longo prazo. Se uma retração mais forte nos Estados Unidos afetar de forma determinante o crescimento da Europa e, principalmente, da China, deprimindo os preços dos commodities, o fluxo cambial comercial ao país poderá deixar de ser positivo e contribuir para puxar o real para baixo.

Mas, mesmo no cenário mais adverso, o ritmo de depreciação vai depender do Banco Central. Hoje, o país está ativo em dólar. As reservas internacionais mais os swaps cambiais reversos ultrapassam em US$ 130 bilhões a dívida interna indexada ao dólar mais a dívida externa, segundo cálculos de Alexandre Lintz, economista do BNP Paribas. Se o dólar se apreciar e os exportadores não entrarem vendendo como acontece hoje, o BC pode simplesmente deixar de comprar no mercado à vista. Ou, no caso de um agravamento da pressão, não rolar mais os swaps cambiais reversos, o que traria um efeito líquido de venda no mercado de câmbio futuro. Neste mês, há US$ 1,7 bilhão desse tipo de contrato vencendo e em dezembro, mais US$ 1,5 bilhão, diz Lintz.

O BC vem rolando os swaps reversos e, em novembro, comprou dólar no mercado à vista todos os dias úteis. Os dados do fluxo cambial dos dez primeiros dias úteis de novembro, apesar do aprofundamento da crise de crédito, mostram saldo positivo, de nada menos do que US$ 3,148 bilhões. O fluxo comercial foi positivo em US$ 4,434 bilhões. Os exportadores aproveitaram puxadas na taxa de câmbio e entraram vendendo. Segundo Lintz, o total do câmbio contratado para a exportação ultrapassou em US$ 1,7 bilhão o total embarcado para o mesmo fim.

O fluxo financeiro ficou negativo em US$ 1,28 bilhão. Isso não quer dizer, no entanto, que o fluxo para investimentos em bolsa e títulos de renda fixa tenha sido negativo, no entanto. Lintz lembra que nesse fluxo financeiro estão incluídos números da conta corrente e não só de capitais, como por exemplo remessas de lucros e dividendos.

Segundo Lintz, a conta corrente tende a apresentar déficit em outubro e neste mês ou ficar muito próxima do equilíbrio, sem déficits nem superávits significativos. Já a conta de capitais, que inclui o investimento externo direto ao país e os investimentos de portifólio em ações e renda fixa, continua com superávit de cerca de US$ 5,5 bilhões em outubro, segundo estima Lintz. Em setembro, foram US$ 2,1 bilhões positivos e em agosto, US$ 780 milhões.

"Se a aversão ao risco continuar a crescer, teremos menos emissões públicas iniciais de ações (IPOs), menos captações externas e também menos investimento em renda fixa no mercado interno", diz Lintz. A aversão ao risco também tende a levar os investidores a desmontarem posições de "carry trade", por meio das quais eles se financiam em moedas de juros baixos, como o iene e o dólar, e aplicam em moedas de juros altos, como o real. Essas posições provocam pressão de compra de reais no mercado futuro e pressionam o dólar para baixo. Essas posições foram desmontadas ontem, puxando o iene para cima no mundo todo.

O desmonte do "carry trade" contribuiu para puxar o dólar para cima em mais 1,08% ontem, para R$ 1,779, acumulando valorização de 2,42% no mês. No ano, continua em queda, de 16,75%. A aversão ao risco também contribuiu para puxar para cima o risco-Brasil. Medido pelo swap de crédito de vencimento em cinco anos, a alta foi de 10,13%, para 122,8 pontos básicos, o nível mais alto desde 21 de agosto.

"O perigo maior no médio a longo prazo é de uma reversão rápida na balança comercial, por causa de uma queda nos preços dos commodities", acredita Lintz. Hoje, as importações já têm crescido em quantidade em ritmo bem mais forte do que as exportações: 30% no ano até outubro, na comparação com 10% das exportações. Os bens duráveis importados tiveram aumento de 100% em quantidade. Mas, os preços dos bens exportados subiram mais: 12% no ano até outubro, na comparação com 9% dos bens importados. Se uma desaceleração maior no crescimento econômico mundial acontecer, com destaque para a China, os preços dos commodities agrícolas e minério de ferro, hoje em níveis recordes, poderão cair. "E as importações brasileiras tendem a se manter elevadas, por causa da forte demanda do mercado interno."