Título: Trégua em aeroportos oculta falta de soluções
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2007, Brasil, p. A8

Três meses depois do pior acidente da aviação brasileira, a relativa calmaria que tem predominado nos aeroportos ao longo das últimas semanas esconde a falta de respostas definitivas para o caos aéreo. Congonhas, palco da tragédia, perdeu para Guarulhos a condição de aeroporto mais movimentado do país, mas vivencia novo conflito entre pilotos e controladores de tráfego. Guarulhos, com sua pista principal em reforma, herdou um problema antes comum somente em Congonhas: aeronaves em órbita, nas proximidades do aeroporto, aguardando autorização de pouso pela torre de controle.

Desde 17 de julho, o governo reativou o Conselho de Aviação Civil (Conac) e foram retirados 62 vôos por dia de Congonhas, além de proibidos fretamentos e conexões. O aeroporto, que antes tinha ligações para 68 localidades, hoje atende 48 destinos domésticos. É um número mais modesto do que a retirada de 151 vôos diários, prometida pelo ministro Nelson Jobim, que havia se comprometido a limitar as operações a 11 destinos.

A Anac, responsável pela implementação das mudanças, argumenta que a medida adotada é suficiente para colocar a demanda dentro da capacidade máxima do aeroporto - 12 milhões de passageiros por ano, ou 5.100 por hora. Em outubro, a demanda tem se mantido abaixo de 4 mil passageiros por hora.

O apagão mais permanente, o da infra-estrutura aeroportuária, está intacto. Nos próximos dias, pousará no Ministério da Defesa um estudo com oito alternativas de localização para o terceiro aeroporto de São Paulo. Os locais, esquadrinhados pela Anac e pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) da Aeronáutica, são mantidos em sigilo.

A dificuldade é não apenas encontrar terrenos disponíveis para as instalações físicas, mas também achar pontos em que os movimentos de aproximação das aeronaves não se sobreponham. Falta, porém, o principal: a definição conceitual - se o que se quer é um novo aeroporto internacional, com várias pistas funcionando ao mesmo tempo, ou um menor, nos moldes de Congonhas, para absorver a demanda doméstica.

Mas, salvo se houver uma mudança de planos, a aposta do governo agora se concentra na expansão de Guarulhos. A licitação para construir o terceiro terminal de passageiros sairá em dezembro, com obras divididas em sete lotes. Até o fim do ano, a Infraero começará a cadastrar as famílias que invadiram o terreno da terceira pista para poder indenizá-las no momento da desapropriação. Em meados de novembro, o presidente Sérgio Gaudenzi concluirá um diagnóstico dos sete principais aeroportos do país para balizar os investimentos dos próximos anos.

Em dois meses de comando, Gaudenzi tirou poderes das superintendências regionais, criou um "conselho de gestão" para assessorá-lo e implantou política de tolerância zero com atrasos - dos funcionários na sede da estatal, que não podem chegar depois das 8h30, horário visto com displicência na administração anterior.

Aos poucos, a nova diretoria traça a estratégia para abrir até 49% do capital da Infraero. O que mudou, por enquanto, foram os conceitos, diz um funcionário da Infraero. "O finger (ponte de embarque) passa a ser mais importante que o terminal de passageiros. O tempo entre o desembarque da aeronave e a chegada à área de recolhimento das bagagens passa a ser mais importante que o ar-condicionado", afirma Gaudenzi.

O sucesso do leilão de rodovias federais, semana passada, animou setores do governo favoráveis à concessão de terminais aeroportuários para a iniciativa privada. Três projetos são lembrados: o novo terminal de passageiros em Guarulhos, o satélite sul de Brasília e o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal.

No mês passado, chegou à cúpula do governo uma boa notícia: a Ferrovial, gigante espanhola da área de infra-estrutura, mandou a Brasília seus principais executivos para dizer que está de olho no país. A empresa informou que administrar aeroportos no Brasil está entre os focos de investimento. Em 2006, a Ferrovial comprou a BAA - empresa responsável pelos aeroportos do Reino Unido - por 10,1 bilhões de libras (R$ 37 bilhões).

Se permanece o déficit de infra-estrutura, a tensão entre pilotos e torre de controle voltou a aparecer em Congonhas, nas últimas semanas. O problema ressurgiu após uma determinação do Ministério da Defesa, que encolheu a extensão das duas pistas do aeroporto em 300 metros - 150 metros em cada extremidade - para a criação de áreas de escape.

A pista principal foi encurtada de 1.940 para 1.640 metros, e a auxiliar teve o comprimento reduzido de 1.435 metros para 1.195 metros, inviabilizando pousos e decolagens de aeronaves comerciais. As companhias aéreas dizem que os jatos e turboélices da aviação executiva passaram a recusar operações na pista auxiliar, sobrecarregando a principal e tornando-se o maior motivo de atraso nos vôos de carreira - que hoje atinge cerca de 10% a 12% das operações diárias.

A Abag, associação que representa a aviação geral, afirma que o encolhimento dificultou a operação de jatinhos na pista auxiliar, mas não há problemas para pousos e decolagens de turboélices. A torre de controle, no entanto, tem determinado a ida até de aviões menores à pista principal, segundo a Abag, mesmo quando há pedido para uso da auxiliar.

O novo foco de tensão entre empresas aéreas, aviação executiva e torre de controle em Congonhas já virou motivo de preocupação para as autoridades aeronáuticas. Uma das soluções apontadas por técnicos é mudar os critérios de encolhimento das áreas de escape ou definir quais aviões podem utilizar a pista principal, obrigando certos modelos da aviação executiva a operar apenas na pista auxiliar.

A transferência dos jatinhos para aeroportos como o de Jundiaí, medida que o Conac anunciou para até o fim do ano, ainda enfrenta resistência de parte das próprias autoridades aeronáuticas. O Ministério da Defesa já não descarta, também, a volta de vôos fretados a Congonhas, desde que restritos aos fins de semana.

Uma análise das resoluções do Conac mostra que nenhuma deixou de ser implementada, mas algumas ficaram pelo meio do caminho, são passíveis de alterações ou foram encontrados pequenos desvios para driblá-las. É esse último o caso da determinação de desconcentrar os vôos internacionais de Guarulhos - Jobim prometera transformar o Galeão em novo "hub" para as rotas com destino à Europa, EUA e América do Sul. Os planos esbarraram no alto número de autorizações que já haviam sido concedidas para a inauguração de vôos a partir de Guarulhos. Estão nessa lista todos as linhas congeladas da Varig, durante a crise da empresa, antes de sua venda à Gol, bem como novas rotas de companhias estrangeiras. Mas, contrariando decisão do Conac, o acordo bilateral com a Alemanha foi revisado para acomodar mais vôos com destino a Frankfurt - todos saindo de São Paulo.

Nos últimos três meses, viajar de avião mudou, mas as mudanças foram menos radicais do que aquelas alardeadas pelo governo logo depois do acidente com o vôo 3054, tornando a calmaria atual mais uma ilusão de ótica do que a conseqüência de ações duradouras para sanar o caos aéreo.