Título: Dias de trovão
Autor: Cotias , Adriana ; Fariello,Danilo
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2007, EU & Investimento, p. D1

O arrastão por que passou o Ibovespa ontem - chegou a cair 3,99%, para fechar com queda de 2,82% aos 60.581 pontos -, a reboque dos mercados mundiais, marcou um cenário clássico de aversão a risco: aumento da demanda pelos títulos do Tesouro americano de curto prazo, elevação dos juros, do risco-Brasil e do dólar e perdas generalizadas na renda variável. Essa fotografia não significa que a festa para a bolsa local acabou de vez, mas é um sinal de que este é um momento para reavaliar se vale a pena enfrentar tamanha volatilidade. Só neste mês, o Ibovespa acumula desvalorização de 7,25%, mas, no ano, os ganhos ainda são consideráveis, de 36,2%.

A trovoada, como já pressagiavam as nuvens carregadas no horizonte, veio de fora. Com o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) sob o impasse de administrar o crescimento da maior economia do planeta e ao mesmo tempo conter as pressões inflacionárias, o espaço para contornar os efeitos da crise das hipotecas parece apertado, diz o chefe de análise da corretora carioca Ágora, Marco Melo. Os prejuízos causados pelos papéis lastreados no financiamento imobiliário começam a sair do baú e entrar no balanço dos bancos. Isso pode, a exemplo do que ocorreu em agosto, fechar o canal do crédito, trazendo impactos mais severos para a expansão da atividade. Na outra ponta, o petróleo beirando os US$ 100 o barril representa um ingrediente inflacionário que não será ignorado pelo Fed.

Os números do mercado acionário americano pontuam bem esse panorama, porque os fundamentos da economia dos EUA estão em questão, diz Marco Antônio Franklin, sócio da Paraty Investimentos. Em novembro, o índice S&P500 acumula desvalorização de 8,56%. Num histórico de 256 meses, desde junho de 1986 para cá, apenas em 8 deles o indicador caiu mais de 8% num único mês. "Isso só ocorreu em momentos de grande crise do mercado, como no 11 de setembro, na quebra do fundo LTCM, em 98, no crash de 87 e no estouro da bolha da Nasdaq."

Para o especialista, isso significa que os agentes financeiros estão colocando nos preços um cenário bem nebuloso, mas não há justificativa para tanto pessimismo. "O meu palpite é que ainda não entramos em um mercado de queda e que isso vai estabilizar cedo ou tarde." Quando voltar a estabilidade, o mercado brasileiro, as ações e o real principalmente, tendem a se valorizar.

Com o risco-Brasil acima de 230 pontos, o preço justo para o Ibovespa hoje estaria entre 57 mil e 58 mil pontos, calcula Melo, da Ágora. O especialista não acredita, porém, que esse prêmio sobre os títulos do Tesouro americano se perpetue e ainda trabalha com um índice em 62.200 pontos para o fechamento do ano. Nessa virada para 2008, o investidor terá, entretanto, de prestar atenção a alguns sinais vindos da economia americana. "A queda do preço dos imóveis tem conseqüências sobre a percepção de riqueza da população e ainda não foi quantificado o efeito das perdas com o crédito de alto risco nos balanços do setor financeiro", diz. "Os prejuízos lançados no trimestre e as provisões para perdas futuras podem significar aperto do crédito mais à frente."

A revisão para baixo do PIB dos EUA já era, em alguma medida, esperada - o Fed reduziu a projeção para 2008 de um intervalo de 2,5% a 2,75% para algo entre 1,8% e 2,5%. O que não está no preço dos ativos, porém, é que a economia americana tenha qualquer trimestre de queda, acrescenta Melo. Em meio a tantas dúvidas, encontrar as oportunidades não é uma tarefa fácil. Se uma ação, aparentemente, ficou barata porque caiu 5%, há o risco de o investidor colocá-la na carteira e o papel cair mais 5%, exemplifica. "Há o risco de se errar no 'timing' da compra." Olhando só o preço relativo das ações, aquelas ligadas a consumo parecem atrativas. Ele lista Positivo, B2W, Lojas Americanas e AmBev.

Para o curto prazo, o cenário econômico dos EUA segue controverso e não deve apresentar sinais de melhora até o primeiro trimestre de 2008, avalia Ronaldo Patah, responsável pela área de renda variável da Unibanco Asset Management (UAM). "O mercado de casas vai continuar com números ruins", diz ele, lembrando que o pico de inadimplência do setor deve ser no primeiro trimestre 2008, quando sazonalmente são reajustados os empréstimos imobiliários. "E aí vamos ver se o cara vai ter dinheiro para pagar", diz.

Segundo Patah, a probabilidade de recessão nos EUA está alta, alguns analistas falam em até 50% de chance, e não deve cair nos próximos meses. "Por aí, não deve vir refresco para a bolsa", diz ele, acrescentando que a bolsa americana caiu bastante. "Muita gente lá fora já está achando o S&P barato, e como a relação preço/lucro (PL) não está muito esticada, na faixa de 16 vezes, o mercado já atrai compradores". O fim do ano fiscal dos hedge funds em novembro também pode incentivar movimentos de compra.

Patah lembra também que o Ibovespa vem destoando da queda do mercado americano por conta do bom desempenho localizado em Petrobras e Vale do Rio Doce, que desde setembro estão sustentando o índice brasileiro. "Este mês, sem Petrobras, o Ibovespa estaria caindo quase 10%", diz. A UAM reviu na semana passada sua projeção para o Ibovespa em 12 meses, para 80 mil pontos.

Quando o Ibovespa cedeu 15 mil pontos em agosto ficou nítido que havia um problema, mas não se sabia a dimensão dele, diz Jorge Simino, diretor da Fundação Cesp. O segundo movimento é saber o tamanho dos prejuízos com as hipotecas. "Parecia que tínhamos passado essa fase, já tinham saído os balanços dos bancos mostrando as perdas, só que essa fase não acabou, todos os dias há surpresas", diz. "Fica a sensação de que os primeiros números são só a ponta do iceberg e que o grosso mesmo está ainda escondido."

As conseqüências do colapso dos financiamentos imobiliários já eram favas mais ou menos contadas na visão de Pedro Galdi, da corretora do Banco Real. "Os EUA passam por um momento difícil, de desaquecimento e de temor que a crise das hipotecas se alastre para o crédito e afete a economia real, mas tudo isso já se fala há muito tempo", diz. "O que havia no mercado era ainda uma grande gordura para queimar." A corretora ainda trabalha com um Ibovespa justo na casa dos 73 mil pontos. Só que aproveitar qualquer ponto de compra agora vai depender do perfil de risco do investidor.

Os papéis que mais caíram nessa virada recente são os que têm maior peso no Ibovespa - e são os preferidos dos estrangeiros, cujo saldo na Bovespa está negativo em R$ 3,145 bilhões no mês e em R$ 5,141 bilhões no ano até dia 14. Mas, apesar das quedas, eles ainda exibem no ano ganhos fabulosos, caso de Vale do Rio Doce, Bradesco, Usiminas e Gerdau. "Se for para o longo prazo dá para comprar uma Vale, apesar de o papel acumular alta de mais de 80% no ano, mas no curto prazo a volatilidade tende a continuar", diz Galdi.