Título: Chávez visa sistema educacional vermelho
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2007, Internacional, p. A15

Pais e mães venezuelanos podem escolher o ensino que desejarem para seus filhos - desde que seja vermelho. Essa é a mensagem do presidente Hugo Chávez e de seu irmão mais velho, Adán, marxista, professor de física e ministro da Educação. As idéias estão contidas nas 549 páginas de uma minuta de plano educacional recentemente vazado para a imprensa. A intenção foi também expressa no início do ano letivo no mês passado, quando a TV exibiu imagens de alunos de uma escola ginasial bradando "pátria, socialismo ou morte!" e cantando canções louvando o presidente.

Para muitos professores e pais de classe média, isso lembra um pesadelo orwelliano. O temor de intervenção governamental em escolas particulares levou-os às ruas, nos primeiros anos da Presidência de Chávez, e contribuiu para desencadear o golpe de Estado que por breve intervalo tirou-o do poder em 2002. Naquele momento, o governo negou que estivesse pretendendo doutrinar os jovens. Mas os irmãos Chávez agora dizem que o objetivo do novo plano educacional é "a formação do novo homem".

Essa frase foi cunhada por Ernesto Che Guevara nos primeiros anos da Revolução Cubana. O "novo homem" seria motivado por estímulos morais, em vez de materiais. O governo comunista de Cuba perseguiu essa quimera em vão durante décadas. Agora, seu aliado venezuelano está embarcando nessa missão. "Os velhos valores do individualismo, capitalismo e egoísmo precisam ser demolidos", diz o presidente. "Novos valores precisam ser criados, e isso só pode ser feito por meio da educação."

O governo não confirmou ou negou a autenticidade da minuta de currículo vazado para a imprensa. Mas seu conteúdo é coerente com muitas declarações oficiais. O documento diz que as crianças aprenderão que o capitalismo é "uma forma de dominação mundial" associada ao imperialismo. Elas aprenderão sobre movimentos de libertação, mas somente socialistas. O estudo da integração econômica latino-americana exclui a Comunidade Andina; o presidente cancelou a participação da Venezuela na comunidade por ser dominada pelo pensamento "neoliberal".

No meio da adolescência, os alunos terão de exibir "uma atitude crítica em relação a qualquer tentativa de agressão interna ou externa". Também terão de desenvolver "mecanismos de informação comunitária" (isto é, segundo oponentes, uma rede de espiões) para defender a soberania nacional. As autoridades admitem tratar-se de um projeto ideológico, mas o mesmo acontece com todos os currículos educacionais, dizem eles.

Segundo o Ministério da Educação, 150 mil professores já tomaram parte em cursos para prepará-los para o novo "Sistema Educacional Bolivariano", recentemente definido pelo presidente como "vermelho, bastante vermelho". Porém mesmo os simpatizantes à idéia continuam confusos, porque ainda não receberam uma cópia do currículo. Apesar disso, a nova abordagem está sendo gradualmente adotada pelas escolas estatais, e será aplicada às particulares no ano que vem. Aproximadamente 20% das crianças venezuelanas freqüentam colégios particulares, e o governo diz que essas não serão abolidas. Mas o presidente advertiu-as de que se negaram-se a colocar em prática o novo currículo serão absorvidas pelo Estado.

Chávez sempre encarou o sistema educacional como a chave para tornar sua "revolução" irreversível. Ele pode citar um mandato conquistado nas urnas em defesa de sua reforma. Em dezembro, durante a campanha para a eleição presidencial (na qual Chávez conquistou 62% dos votos) o presidente citou Antonio Gramsci, um marxista italiano que pregava a necessidade de substituir o capitalismo pela "hegemonia" socialista, mediante uma apropriação das instituições que transmitem os valores da sociedade. Os principais portadores do vírus capitalista, disse Chávez, são a Igreja Católica, as escolas e a mídia.

Em maio, ele se recusou a renovar a concessão do principal canal de TV de oposição. Uma vez que a Igreja Católica tem influência sobre o ensino privado, a reforma educacional atinge dois alvos de um só golpe. Segundo o novo plano, a doutrina católica poderá continuar a ser ensinada nas escolas, mas deixará de ser compulsória.

A Constituição venezuelana de 1999, inspirada por Chávez, assegura "respeito a todas as correntes de pensamento" na educação. Esse não é um dos artigos que ele deseja alterar em um referendo que deverá acontecer em dezembro. Mas tudo sugere que isso será desconsiderado. Indagado recentemente sobre os 40% do eleitorado que sistematicamente opõe-se ao presidente, Adán Chávez disse aqueles que "não são oligarcas" logo reconhecerão seu erro. Essa teoria logo poderá ser testada novamente nas ruas da Venezuela.

(Tradução de Sergio Blum)