Título: Classe média britânica e o dinheiro
Autor: Stephens, Philip
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2007, Opiniao, p. A19

Mas o que há de errado em prometer cortes nos impostos? A julgar pelos eventos das duas semanas passadas, absolutamente nada. Os conservadores de David Cameron prometem reduzir drasticamente o imposto sobre heranças e eis que imediatamente sua sorte nas pesquisas de opinião muda. O governo de Gordon Brown é obrigado a cancelar uma eleição geral em novembro e se esforça em anunciar pacote tributário de sua própria autoria.

A conclusão é óbvia. Precisamos esquecer que o partido de Cameron desmoronou diante de três derrotas eleitorais em meio a promessas de que afrouxaria a carga tributária. Não importa que a obsessão com impostos, a Europa e a imigração empurraram os conservadores para um canto extremista. O "zeitgeist" (espírito do tempo) mudou. A classe média britânica cansou de governos inchados. O pêndulo oscilou de volta para os paladinos de um Estado menor.

Se ao menos a política fosse tão simples... É verdade, algo mudou num debate que, de uma forma ou outra, tem pautado a política no Reino Unido desde a década de 1980. A mudança proporcionará ao governo de Brown sérios motivos para se preocupar. Muito mais duvidoso será saber se um golpe de mestre tático em torno do imposto sobre heranças fará os conservadores retomarem para si o controle do argumento mais amplo.

Quando George Osborne anunciou seu plano de aumentar em três vezes o piso do imposto sobre heranças na conferência dos Conservadores, o ministro paralelo das Finanças antecipou um vigoroso aplauso no sul da Inglaterra. Todas as sondagens de opinião mostraram que a disparada nos preços das moradias consolidou a antipatia em relação a um imposto que sempre foi considerado um tributo impopular.

Osborne esperou que, juntamente com uma promessa de reduzir o imposto cartorial para primeiros compradores de residências, a promessa de confinar o imposto sobre heranças a "milionários" produziria efeito suficiente nos eleitorados secundários para levar Brown a desistir de uma eleição repentina. Algo que ninguém previu foi a dimensão da força que a resposta teria - suficiente, como ficou constatado, para obrigar o governo a voltar atrás na sua intenção de convocar eleições e para tentar subtrair parte da imagem redutora de tributos dos conservadores.

O imposto sobre heranças é um tributo cuja impopularidade é quase inversamente proporcional à sua incidência. A maioria das pessoas paga imposto de renda; todos pagam imposto sobre valor agregado. Apenas 6% dos imóveis estão sujeitos ao imposto sobre heranças. Esta proporção dobrou desde 1997, mas o crescimento teria sido muito menor caso mais casais tivessem empregado um mínimo de planejamento tributário.

Não importa. As taxas de herança, como os críticos preferem chamar o imposto, tocam num nervo irracional. Mesmo considerando que a alta nos preços das moradias rendeu mais ao erário, um número de pessoas muito superior à população realmente sujeita a ele acredita que será atingido pelo imposto. E essas pessoas também o consideram injusto - como um tributo que incide sobre a sua própria prudência e sobre a segurança futura dos seus filhos.

Muito menos claro é se essa reação adversa se estende a esferas tributárias de forma mais geral. Desde 1997 a carga tributária total aumentou em dois pontos percentuais, para 38% da renda nacional. Com base nos planos atuais, ela atingirá aproximadamente 39% até 2012. Esses números, como o governo jamais se cansa de nos relembrar, ainda estão abaixo dos picos vistos nos governos de Thatcher, na década de 1980.

Os institutos de pesquisas, porém, detectam alguma evidência de saturação, um sentimento na classe média britânica de que basta de uma vez por todas, particularmente num momento em que os rendimentos estão sendo comprimidos pela concorrência global.

Por tudo isso, o poder de atração crucial do pacote conservador foi a promessa de Osborne de que uma taxa sobre herança e um imposto cartorial mais baixos seriam custeados por um novo tributo que seria arrecadado de estrangeiros ricos - os ditos não-domiciliados. Os eleitores, em outras palavras, não precisaram escolher entre uma redução de impostos e gastos adicionais nos serviços públicos. O governo diz que tudo isso não passa de um truque de prestidigitação. A conta de Osborn não fecha. Reservadamente, porém, alguns ministros admitem temer uma mudança mais profunda no humor do público.

A política da década de 1980 foi definida por uma idéia de que os cortes de impostos eram benéficos e o gasto público, desperdiçador. A esfera pública era negligenciada em prol da aspiração individual. O novo Partido Trabalhista finalmente mudou essa linha de raciocínio. Durante a década passada, os gastos têm sido vistos como algo virtuoso, e os cortes de impostos, egoístas. O gênio de Tony Blair foi escalar a competência econômica e a justiça social como coadjuvantes naturais. A percepção vital foi que, mesmo na década de 1980, os eleitores instintivamente preferiam altos gastos em saúde pública e educação. Eles não acreditavam, no entanto, que o Partido Trabalhista pudesse gastar seu dinheiro sensatamente. Eles teriam preferido pagar impostos mais altos sem melhora nos serviços públicos. Blair só poderia vencer subvertendo esse ceticismo. O problema dos conservadores desde então tem sido um reflexo das dores de parto iniciais dos trabalhistas. Os eleitores duvidaram da sua capacidade de realizar cortes de impostos e temiam, ao mesmo tempo, que o preço seria a negligência dos serviços básicos.

A grande questão política agora está em saber se houve uma mudança nos termos da troca. Terá o país decidido que grande parte do dinheiro despejado nos serviços públicos desde 1997 foi realmente desperdiçado? Estaria o país cedendo à idéia de que Cameron pode reduzir impostos sem negligenciar escolas e hospitais? A bem da verdade, nenhum lado sabe a resposta. Isso explica a cautelosa insistência de Cameron, de que ele igualará os planos de gasto dos trabalhistas. A resposta de Brown é afirmar que a conta dos conservadores não fecha. Ele pode estar certo. As discussões sobre a aritmética, porém, não serão suficientes se o governo perder o argumento de que o dinheiro dos contribuintes está sendo bem gasto.