Título: Empresas turbinam créditos com a União
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2007, Brasil, p. A7

Com base em dispositivo emprestado do Código Civil, as empresas começaram a obter na esfera administrativa e no Judiciário as primeiras decisões de uma nova discussão que, na prática, fazem valer mais os créditos relacionados a processos tributárias perdidos pela União.

O banco Sudameris e a empresa de leasing do grupo conseguiram no Conselho de Contribuintes decisões pioneiras e favoráveis a uma determinada forma de cálculo para compensar tributos. Ou seja, para pagar os débitos de tributos federais com créditos relativos a discussões tributárias ganhas contra a União. No Judiciário, a fabricante de embalagens Maxiplast obteve uma decisão favorável no mesmo sentido.

O fisco faz o encontro entre débitos e créditos abatendo o débito proporcionalmente entre os juros e o valor principal do crédito. O Sudameris, a Sudameris Arrendamento Mercantil e a Maxiplast argumentaram que o encontro de contas deve começar pelos juros. Somente depois de esgotados os juros, o débito deve ser abatido do valor principal. A diferença, aparentemente sutil, é significativa, porque com a compensação primeiro nos juros, o valor principal continua rendendo novos juros, aumentando o crédito das empresas.

O advogado Igor Nascimento de Souza lembra que a discussão tem impacto financeiro relevante. Ele conta que num caso que levou ao Judiciário, a forma de cálculo entre Receita e empresas dá uma diferença de R$ 8 milhões. Ou seja, pelas contas da Receita, um crédito relativo a uma discussão sobre o extinto Finsocial da empresa abateria R$ 18 milhões. Pelas contas dos tributaristas, abateria R$ 26 milhões.

O impacto varia de acordo com o volume total de débitos e créditos que cada empresa tem. E também do volume e da data em que foram gerados os débitos e créditos. Quanto mais antigo o crédito, mais representativo o volume acumulado de juros.

A compensação usando créditos levantados em discussões judiciais ou administrativas é uma das formas mais utilizadas pelas grandes empresas para saldar os débitos em cobrança pela Receita Federal do Brasil. Dos R$ 177,97 bilhões em débitos em cobrança pela Receita até outubro, R$ 53,84 bilhões - ou seja, 30,25% - estão pendentes em função de processos de compensação. Esses 30,25% correspondem a menos de 40 mil contribuintes, dentro de um universo de mais de 6 milhões de contribuintes com débitos em cobrança pela Receita.

"Isso revela que o procedimento de compensação é usado principalmente por grandes empresas, que mantêm a condição de contribuintes há muito tempo e que ainda possuem operações relevantes", analisa o tributarista Eduardo Brock, o escritório Dantas, Lee e Brock Advogados.

Procurado, o tributarista Rodrigo Vieira, do Mattos Filho Advogados, escritório que representou o Sudameris e a empresa de leasing do grupo, não quis comentar os processos específicos. Vieira, que fez a sustentação oral em um dos processos, lembra que o Código Tributário Nacional (CTN), que rege as questões tributárias, dá ao fisco a liberdade de escolher a forma de fazer a compensação.

"Isso se aplica, porém, apenas aos casos em que o fisco é o credor", argumenta. "Nos casos em que o contribuinte é o detentor do crédito, não há nenhuma previsão do CTN", completa o advogado Rodrigo Freitas, também do escritório Mattos Filho. "Por isso o argumento usado baseia-se no Código Civil, que garante ao credor essa forma mais benéfica de fazer a compensação."

Para Nascimento Souza, o dispositivo do Código Civil pode ser usado em questões tributárias, porque em razão da necessidade de uma interpretação harmoniosa, a legislação específica, no caso a tributária, deve levar em consideração conceitos de uma legislação mais ampla, no caso a do Código Civil.

Brock lembra que os casos práticos julgados no Conselho de Contribuintes tratavam do extinto Finsocial, tributo que antecedeu à Cofins e que teve a elevação de alíquotas considerada inconstitucional. "O assunto já foi decidido de forma definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, mas muitas empresas ainda não levantaram os seus créditos, porque ainda aguardam os próprios processos chegarem ao fim. Por isso, um grande volume do Finsocial ainda está se tornando um ativo somente agora."

Além do Finsocial, diz Brock, outras discussões já ganhas pelo contribuinte também estão gerando ativos somente agora. São exemplos as discussões clássicas do Programa de Integração Social (PIS), como a da cobrança do tributo sobre a receita bruta e não somente sobre o faturamento. Para Brock, a compensação é o caminho escolhido pelas empresas no lugar da restituição dos tributos. "É muito mais fácil e menos burocrático fazer o encontro de contas, principalmente quando se trata de grandes contribuintes ativos."