Título: Sucesso de público
Autor: Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2007, Eu, p. D1

Os especuladores foram banidos da oferta pública inicial (IPO) da Bovespa Holding, mas isso não impediu que a operação tivesse a maior adesão de pessoas físicas de todos os tempos numa abertura de capital no Brasil. Considerando-se a proporção destinada ao varejo, o lançamento pode ter atraído entre 47 mil e 95 mil investidores individuais, numa estimativa conservadora. Do total de R$ 5,76 bilhões vendidos, sem incluir o lote extra, de 10% a 20% eram endereçados aos aplicadores preferenciais, que levaram para casa, no máximo, 526 ações, o equivalente a R$ 12,1 mil, dos R$ 20 mil potenciais.

Pelas projeções mais otimistas - de mais de 95 mil aplicadores -, o público que participou do IPO da Bovespa representa 30% da base de investidores ativos cadastrados na CBLC. Até aqui, desde o lançamento da Natura em 2004, a oferta inicial que mais tinha atraído os pequenos aplicadores foi a da Redecard, em julho, que reuniu 29,3 mil CPFs.

Com a demanda explosiva - que superou em dez vezes a oferta -, na hora do rateio os coordenadores se valeram do novo filtro e privilegiaram os investidores de longo prazo. Já quem caiu na malha fina da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) e recebeu o rótulo de "flipper", por vender ações de novatas logo na saída, não ficou com nada. No ato da reserva, os aplicadores tiveram de se classificar como "com" ou "sem prioridade", autorizando a CBLC a investigar o comportamento nos quatro últimos IPOs. Aqueles que mantiveram ao menos 80% das ações em três das quatro ofertas avaliadas tiveram preferência.

Era de se imaginar que a dispersão no IPO da Bovespa Holding saltasse aos olhos, dado os esforços empreendidos pela própria bolsa nos últimos anos para estimular a participação do varejo, diz o professor Ricardo Rochman, do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP). "Quando criou o Novo Mercado, os níveis diferenciados de governança, uma das regras previa a dispersão do capital societário e, portanto, era esperado que quando a própria bolsa viesse a mercado ela promovesse isso."

Foi a forte procura dos estrangeiros que atraiu o gerente comercial Fábio Oliveira para a oferta da Bovespa, a primeira do ano em que participa. Investidor do mercado de renda variável há mais de duas décadas, ele se classifica como conservador, tem na carteira papéis como Vale do Rio Doce e Petrobras, mas considerou oportuno entrar na festa. "Sou aquele que compra e não vende, não costumo dar liquidez para o mercado." Se os papéis da bolsa subirem na estréia de hoje, ele acha irresistível, porém, ficar com o lote todo que adquiriu e admite que vai, sim, fazer dinheiro rápido, o "flipping". Mesmo assim, ele é a favor do filtro que privilegia aplicadores de longo prazo. "Acho que a Bovespa, a CVM, têm de estimular os aplicadores a se tornarem sócios das empresas, mas não sou contra a especulação."

Já o advogado João Marcello Tramujas levou as 500 ações que encomendou e se opõe ao uso dos filtros, apesar de ter a intenção de ficar com os papéis. "Se ninguém negocia no primeiro dia, a liquidez fica engessada", diz. "Se tivesse tempo e disposição e não fosse contemplado com nada, caberia uma medida judicial, pois não é legal impor restrições." O advogado Fabio Henrique Dias, por sua vez, ficou incomodado com o aumento do preço às vésperas do fechamento da operação. "Achei muito curto o tempo dado para desistência, mas, pelo menos, houve transparência com a divulgação da informação para todos", diz. Apesar da cotação mais alta, ele confia que a procura pelos papéis deve garantir ganhos com as ações. "O corte de R$ 12 mil foi baixo."

Mesmo com as ações saindo no teto da nova faixa indicativa de preços, a R$ 23,00, os múltiplos da Bovespa são bem realistas, considerando-se que a bolsa brasileira atua num ambiente de monopólio, sem concorrentes diretos, diz o consultor da Value Consultoria, Luís Martins. "Antes, a Bovespa era só um instrumento para as corretoras operarem e, agora, como empresa, a possibilidade de expansão é grande, pois as corretoras, que continuam sócias, trabalharão para isso", diz. Pelo valor de mercado de R$ 16,2 bilhões, as ações da Bovespa vão estrear com um preço equivalente a 33 vezes o lucro (o P/L) projetado para 2007. A relação pode ser alta se comparada à da Redecard, de 21 vezes, mas bem abaixo da construtora Inpar, de 107 vezes, e que tem duas dezenas de competidores só na bolsa.

Como empresa, a Bovespa tem boa lucratividade, margens razoáveis e, ao seguir os passos das bolsas internacionais, pode participar do jogo da consolidação, acrescenta Rochman, da FGV. Numa eventual fusão, os acionistas ainda poderiam se beneficiar com o prêmio de controle, previsto na regulamentação do Novo Mercado. Como as receitas vêm do giro de negócios, a bolsa fatura com o mercado em alta ou em baixa. O risco do papel, adverte, está mais relacionado à uma crise conjuntural. Um cenário de aumento da inflação e elevação de juros poderia inibir os investimentos em renda variável. (Colaborou Fernando Torres, do Valor On Line)