Título: Brasil estuda fundo para aplicar as reservas
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2007, Finanças, p. C12

Em meio ao debate sobre a atuação dos Fundos de Riqueza Soberana (SWF, na sigla em inglês), surgem informações de que o governo brasileiro estuda a criação de um fundo, com recursos das reservas internacionais do país, para investir em projetos de infra-estrutura na América do Sul. Segundo informou ao Valor um ministro próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a criação do fundo está sendo estudada há meses e é vista como uma alternativa à restrição legal do BNDES para financiar empresas estrangeiras.

O fundo seria integralizado por recursos das reservas, hoje em torno de US$ 162,4 bilhões, cerca de US$ 100 bilhões acima da dívida externa do setor público. Com isso, o Brasil entraria no clube dos países emergentes que vêm criando fundos para diversificar os investimentos feitos com recursos das reservas cambiais. Duas das quatro economias do BRICs já criaram fundos que totalizam quase meio trilhão de dólares - China (US$ 300 bilhões) e Rússia (US$ 127 bilhões). Anunciaram também que vão lançar mais dois fundos proximamente - respectivamente, de US$ 200 bilhões e US$ 32 bilhões.

Esses países têm motivações distintas para criar SWFs. A Rússia aproveita-se da forte demanda mundial por matéria-prima - especialmente, petróleo, um recurso natural esgotável - para fazer caixa e economizar para suas futuras gerações. Já a China aplica recursos de suas reservas, acumuladas nos últimos anos a partir da geração de mega-superávits comerciais, na aquisição de participações acionárias de bancos e empresas de países ricos, inclusive, de setores considerados "estratégicos", como portos, petróleo e bancos.

No caso brasileiro, segundo o ministro, a idéia é usar os recursos, preferencialmente, em projetos de infra que promovam a integração física dos países da América do Sul. A integração é um projeto político, idealizado no início do primeiro mandato do presidente Lula, que acabou não saindo do papel graças a restrições legais. Pela legislação vigente, o BNDES pode financiar a realização de obras de infra-estrutura no exterior, mas desde que os projetos sejam executados por empresas brasileiras.

A proposta de uso das reservas para a criação de um SWF ou de um fundo de infra-estrutura é desconhecida por assessores graduados da equipe econômica. Uma fonte não descarta, porém, que este seja um "projeto secreto" do governo. A natureza polêmica da idéia justificaria o mistério, uma vez que é notória a resistência de setores da própria administração à utilização das reservas em projetos de investimento e/ou em ações e papéis de empresas no exterior. Na avaliação desses setores, as reservas funcionam como um seguro anti-crise. Devem ser aplicadas de forma conservadora.

Atualmente, as reservas brasileiras estão aplicadas em papéis soberanos de países ricos - 93% em dólar (títulos do tesouro americano) e 7% em euro (títulos de governos europeus). Um dos incentivos que economias emergentes têm tido para justificar a diversificação dos investimentos é a forte perda de valor do dólar ocorrida nos últimos quatro anos.

Especialistas, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, acreditam que o Brasil ainda não reúne as condições para se aventurar na aplicação de reservas, além do que já faz hoje. A principal razão seria o fato de o país ainda produzir déficits nas contas públicas - de 2% do PIB, no resultado nominal. O raciocínio é o de que, na verdade, os Fundos de Riqueza Soberana, os SWFs, são de natureza fiscal, ou seja, resultantes da geração de excedentes fiscais nos países que os instituem - a única dúvida quanto a isso diz respeito à China, dada a falta de transparência de Pequim. Como o governo brasileiro não gera superávit fiscal, mas saldos positivos no conceito primário, que exclui gastos com juros da dívida pública, o país não possui excedentes fiscais.

A idéia é que, para criar um fundo soberano, o governo precisaria produzir superávits fiscais e, com os recursos, comprar reservas, em vez de simplesmente utilizar as já existentes. As atuais reservas, alegam os críticos, não estão disponíveis para uso por parte do Tesouro Nacional. Se o fossem, a utilização significaria que o Banco Central, gestor das reservas, estaria financiando o Tesouro, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O tema dos SWFs não é polêmico apenas no Brasil. Por iniciativa de países como os Estados Unidos, ele será debatido no encontro anual do FMI, cujas reuniões preparatórias começam hoje, em Washington. Os países ricos temem ver o controle de suas empresas nas mãos de estrangeiros, especialmente dos emergentes, e por isso querem que o FMI discipline o funcionamento dos SWFs. Em 2007, o tema já foi debatido, sem que houvesse entendimento, em duas reuniões do G-20 (G-7 e maiores economias em desenvolvimento), e num seminário promovido pelo Banco Mundial.