Título: Mudanças necessárias na execução fiscal
Autor: Souza, Ricardo Oliveira P.
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Em fase de elaboração, sob estudos na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o anteprojeto de nova Lei de Execução Fiscal - que cria uma espécie de execução fiscal administrativa e cuja origem remonta a uma proposta de alguns anos elaborada pelo subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado Leon Frejda Szklarowsky e pelo desembargador federal do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, Antonio Souza Prudente - já enfrenta polêmica em relação à sua constitucionalidade. Na qualidade de procuradores da Fazenda Nacional com a experiência de alguns anos oficiando em executivos fiscais, apresentamos neste artigo algumas considerações, ainda que opiniões exclusivamente pessoais, a respeito da proposta - sem, no entanto, entrar no mérito de ser "contra" ou "a favor" do anteprojeto.

Inicialmente, vale dizer que é temerário, na estrutura de hoje da PGFN, a assunção de funções que estão a cargo de serventuários do Poder Judiciário. Porém, é ainda mais passível de crítica a previsão de cobrança privada de créditos públicos até determinado valor contida em um dos dispositivos do anteprojeto de lei.

O anteprojeto é apenas um espelho das frustrações encontradas no andamento da execução fiscal, classificado como "via-crucis" do exeqüente, segundo as palavras do magistrado estadual paulista Carlos Henrique Abrão, na introdução de seu livro "Da ação cautelar fiscal e o depositário infiel", diante das dificuldades em se obter a recuperação do crédito exeqüendo.

Vejam que a execução fiscal é fruto de um débito - geralmente confessado pelo próprio contribuinte quando apresenta sua declaração - não pago na fase administrativa, muitas vezes objeto de diversos recursos nas instâncias administrativas disponíveis, inscrito em dívida ativa (quando se abre nova possibilidade de pagamento administrativo) e que vem a ser ajuizada para compelir o devedor renitente ao seu pagamento. Nem sempre e nem toda a execução sofre resistências processuais, fato que poderá ser comprovado estatisticamente, com o levantamento de embargos e exceções. Na prática, a maior parte dos executivos fiscais transforma-se em processo de uma parte só - a Fazenda Nacional.

-------------------------------------------------------------------------------- O anteprojeto de lei é apenas um espelho das frustrações do andamento da ação de execução fiscal --------------------------------------------------------------------------------

O procedimento hoje extremamente burocratizado da execução judicial e limitado aos juízes com jurisdição sobre os processos executivos fiscais poderia tornar-se agilizado com a execução fiscal administrativa. Tampouco imaginar que a qualidade das decisões judiciais tende a piorar com a apreciação de diversos incidentes é válida, pois toda a ação, em tese, deve trazer argumentos sólidos e demonstrados em fatos e/ou documentos. Ademais, poder-se-ia limitar a admissibilidade de novas ações contra a execução administrativa, tal como já há no ordenamento processual civil ordinário. Quanto aos riscos de se transferir a execução fiscal do Judiciário para o Executivo, como se sabe, para o controle dos atos da administração há órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério Público e as controladorias e corregedorias, isso sem mencionar o próprio Poder Judiciário.

Por último, no que tange à arrecadação com a execução fiscal administrativa, deve ser ressaltado que o Poder Judiciário não é agente arrecadador. Na verdade, o maior calvário, para se utilizar de uma expressão em moda no Senado Federal, da execução fiscal reside em toda a sorte de embaraços impostos com rotinas e vedações criadas pelo Judiciário à margem ou mesmo contra a lei. Como exemplo, nos casos de devedores não localizados, a citação por edital prevista em lei para a superação deste óbice ou o prosseguimento de execução contra os sócios de uma pessoa jurídica dissolvida encontram severas restrições ou mesmo o puro e simples indeferimento por parte de alguns juízos.

O principal em uma execução é a constrição de bens para a satisfação do crédito que a originou. Tanto o Código de Processo Civil (CPC), como a atual Lei de Execução Fiscal - a Lei nº 6.830, de 1980 - consideram o dinheiro como item preferencial na penhora, pois sendo a dívida em dinheiro é ele o que obviamente se procura. No entanto, ao contrário da célere e objetiva execução trabalhista, na Justiça Federal invoca-se costumeiramente o princípio da menor onerosidade ao devedor, em detrimento do interesse do credor e da finalidade da própria execução, dificultando-se a utilização do sistema Bacen-Jud do Banco Central e a denominada penhora on line. Não é raro um oficial de Justiça penhorar a máquina registradora ao invés do seu conteúdo.

Assim, verifica-se que uma mudança de rotinas e posturas no Poder Judiciário, ao lado do investimento na estrutura da Fazenda Nacional, são as verdadeiras saídas para que a execução saia de seu atual labirinto.

Ricardo Oliveira Pessoa de Souza e Luiz Fernando Serra Moura Correia são, respectivamente, procuradores no exercício da chefia e da subchefia da divisão da dívida ativa da União na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Estado do Rio de Janeiro

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