Título: Bush terá a chance de fazer algo pelo Oriente Médio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2007, Internacional, p. A12

George Bush não deverá ser lembrado pela história como o salvador do Oriente Médio. Foi incompetente e mal sucedido no Iraque, abandonou sua "agenda democrática" de liberdade quando os árabes começaram a votar nas pessoas erradas e passou a maior parte de seus dois mandatos praticamente ignorando a Palestina. Neste front, porém, ele agora tem uma chance de resgatar seu papel.

Se tudo correr como planejado, amanhã Bush presidirá uma conferência de paz de um só dia em Annapolis, Maryland. As expectativas são mínimas. Ninguém prevê muito mais que discursos diplomaticamente banais e uma ocasião para fotos. Mas, apesar disso, se ousar, Bush pode transformar o encontro num passo substancial rumo à paz. Tudo o que tem a fazer é reunir coragem para pronunciar o discurso apropriado.

Essa pode parecer uma afirmação exagerada às vésperas de um evento já envolto em derrotismo, uma festa para a qual ninguém se anima a ser convidado. Ehud Olmert vai porque um primeiro-ministro israelense não pode recusar um convite da Casa Branca. Mahmoud Abbas vai porque, depois de perder a Faixa de Gaza para o Hamas, precisa mostrar que continua sendo o presidente da Palestina, ainda que só aos olhos das grandes potências. Nem os anfitriões parecem empolgados. Condoleezza Rice, secretária de Estado dos EUA, é uma genuína, ainda que tardia, convertida à idéia de que os EUA podem fazer as coisas progredir um pouquinho na Palestina. Mas o resto do governo parece ver Annapolis como uma maneira de declarar as costumeiras boas intenções sobre a Palestina, e assim facilitar o alinhamento americano com seus amigos árabes contra o Irã.

E, pior, essas ambições modestas murcharam. O Plano A previa que Olmert e Abbas conversassem antes de Annapolis e que fizessem uma declaração conjunta quando lá chegassem. Para dar aos palestinos o que Rice denomina "horizonte político" (em outras palavras, esperança), essa declaração deveria ir além da repetida, embora efêmera, "visão" de Bush de uma Palestina independente e detalhar as lacunas em relação a fronteiras, refugiados e Jerusalém. Mas, embora as duas partes tenham conversado nas últimas semanas, não resolveram suas velhas diferenças.

Isso não surpreende. Com o Hamas em seu calcanhar, seria preciso imensa coragem para que o receoso Abbas modificasse o mantra de seu povo: um Estado com as fronteiras de 1967, uma capital em Jerusalém e o "direito" dos refugiados de 60 anos atrás de retornar a onde hoje fica Israel. E, embora Olmert seja ao menos o premiê de um Estado em funcionamento, ele governa em coalizão com homens que odeiam a própria idéia de uma Palestina independente e que se empenham com perseverança para atar suas mãos. Pesquisas mostram que muitos israelenses querem se livrar dos territórios palestinos. Mas mesmo eles se indagam se podem confiar em que a Autoridade Palestina em ruínas de Abbas será capaz de policiar um Estado, se já perdeu Gaza para os disparadores de mísseis do Hamas e pode perder também a Cisjordânia.

Em vista da inexistência de um consenso pré-Annapolis, os EUA passaram ao Plano B. Ainda pode haver uma declaração conjunta, mas será vaga. Fará referência ao princípio dos dois Estados e recitará as já velhas e relevantes resoluções da ONU, que as duas partes conhecem de cor, mas interpretam de modo diferente. Os dois lados poderão então prometer sentar-se à mesa de negociações no dia seguinte para discutir fronteiras, refugiados e Jerusalém com a esperança de negociar um acordo no prazo de um ano. Enquanto isso, Tony Blair, em seu novo papel de enviado da ONU ao Oriente Médio, elaborará planos para fortalecer a economia e as instituições da Cisjordânia em preparação para a independência que virá, algum dia.

Objetivos tão modestos justificam uma ida a Annapolis? Quase. Se Bush conseguir que sauditas e sírios, bem como egípcios e jordanianos, evidenciem seu apoio, isso poderá animar e dar injeção de ousadia em Abbas, ao menos por algum tempo. Se Annapolis resultar em ajuda econômica e levar Israel a liberar a circulação das pessoas que vivem na Cisjordânia, a vida de muitos palestinos melhorará.

Se as conversas sobre fronteiras, refugiados e Jerusalém de fato começarem, já será uma mudança: Israel vem citando o "mapa do caminho da paz" de 2003 para deixar as negociações sobre o status final de Jerusalém de molho, até que a Autoridade Palestina erradique as milícias palestinas. E, se Israel honrar suas próprias obrigações de congelar os assentamentos nos territórios, isso poderá persuadir alguns dos palestinos que têm boas razões para duvidar de que algum dia ainda poderá haver lugar para um Estado apenas seu.

Em suma, o Plano B é provavelmente melhor do que nada. Mas, se ousar, Bush será capaz de transformar o encontro em algo muito maior. Ele não pode criar um Estado Palestino de uma tacada só, nem no prazo que ainda lhe resta de seu mandato. Os israelenses têm razão em dizer que os divididos palestinos não estão em condições, agora, de governar um Estado: em algum momento, o Hamas terá de ser, em primeiro lugar, intimidado, subornado ou persuadido a aceitar a existência de Israel e a aderir às partes empenhadas em obter uma paz. Mas Annapolis oferece a Bush a oportunidade perfeita para fazer um discurso que pode encaminhar os palestinos à trilha que pode levar a seu Estado soberano, e deixar o próximo presidente americano em condição muito melhor para concluir o trabalho.

Bush precisa expor claramente o plano americano de partilha da Palestina. Isso marcaria uma mudança histórica. No passado (em Madri, em 1991, e em Camp David, em 2000) os americanos pediram a israelenses e palestinos que dirimissem sozinhos suas diferenças. Mas eles não têm como fazê-lo. As diferenças são grandes demais e, mesmo quando seus líderes querem diminuí-las, nenhum deles ousa aproximar-se do outro por medo das reações de grupos radicais. Mas a existência de um plano americano que reúna apoio internacional transformaria logo a dinâmica política das duas sociedades, fortalecendo os moderados e marginalizando os radicais.

Embora seja demais esperar que Bush desenrole um mapa, ele poderia chegar perto disso. Primeiro, deixando claro que, quando os EUA falam de solução de dois Estados, têm em mente uma fronteira baseada na linha pré-1967. Três anos atrás, Bush disse em carta pública a Ariel Sharon que seria irrealista esperar que Israel desocupasse todos os densos blocos de assentamento que construiu na Cisjordânia. Muito bem. Mas como a maioria dos colonos vive perto da antiga fronteira, ele pode agora dizer que Israel não pode conservar mais que alguns pontos, digamos cerca de 5%, da Cisjordânia, e que precisa, em troca, oferecer aos palestinos terras de seu próprio território. Sobre os refugiados, Bush deveria dizer, como o fez Bill Clinton, que o direito de "retorno" deve ser exercido na nova Palestina, e não em Israel pré-1967: essa é uma pílula amarga, mas é também a lógica de uma paz baseada na partilha. E Israel também precisa aceitar uma dose amarga: Jerusalém, o coração pulsante dos dois povos, terá de ser a capital de ambos.

Se Bush fizer esse discurso, Olmert e Abbas ainda se mostrarão publicamente furiosos. Poderão intimamente concordar com Bush, mas, ainda que para consumo político interno, terão de acusá-lo de armar uma emboscada, de intimidar indefesos, prejulgar questões relativas a um status final e passar um rolo compressor sobre as posições e direitos das pessoas mais diretamente afetadas. Esses rompantes podem ser tranqüilamente ignorados. Tanto Israel como os territórios palestinos estão repletos de políticos que conhecem profundamente a situação e dizem, sob o manto do anonimato, que só um acordo nos moldes descritos acima têm alguma remota chance de produzir uma paz permanente. Já é mais que hora de a superpotência e o restante do mundo jogarem seu peso para viabilizar tal plano. A foto-oportunidade em Annapolis pode ser exatamente o momento para fazê-lo. (Tradução de Sergio Blum)