Título: Preço reduz ritmo de adesão ao mercado livre
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2007, Brasil, p. A4

O aumento do preço da energia para o consumidor livre já provocou diminuição do ritmo de empresas que ingressam nesse mercado. Nos últimos 12 meses, o número de consumidores livres subiu 15%, enquanto no período anterior, de setembro de 2005 a setembro de 2006, o crescimento foi de 25%. A participação desse mercado no consumo nacional de energia está em 25%, mas tem potencial para atingir pelo menos 35%, considerando o número de empresas que possuem condições legais de participação.

A empresa que ingressa hoje no mercado livre consegue cerca de 10% de redução de custos com energia, segundo levantamento da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). É pouco em comparação com os preços obtidos nos primeiros contratos, após o racionamento, quando a diferença foi de até 40%. Se os primeiros contratos foram fechados por uma média de R$ 57 o megawatt-hora, hoje os preços estão acima de R$ 100. "A vantagem de preço diminuiu, mas esperamos que após 2010, com a volta do aumento de oferta, a diferença se estabilize em torno de 15% a 20%", diz Patrícia Arce, diretora-executiva da Abrace.

As revisões tarifárias realizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também ajudaram a diminuir a diferença de preços entre os dois mercados, já que estão puxando para baixo o preço da energia cobrado pelas distribuidoras, com base no reflexo da queda de juros no custo de investimento. Por exemplo, na Grande São Paulo, área atendida pela Eletropaulo, a Aneel aprovou um corte médio de 10,45% das tarifas para os consumidores industriais.

A queda da atratividade dos preços é o principal fator que tem segurado novas adesões ao mercado livre. No entanto, há também a impossibilidade legal de empresas com tensão inferior a 69 quilovolts (kV) e demanda inferior a 3 megawatts (MW) deixarem o mercado regulado. "A tendência, se não houvesse os entraves de preço alto e limites de participação sobre as empresas, era de passagem de todos os consumidores comerciais para o mercado livre", diz Adriano Pires, consultor de energia. A Abrace calcula que a liberação do limite de tensão elevaria o patamar de consumo no ambiente livre para 40% do mercado nacional. Com a redução da demanda mínima de 3 MW para 1 MW, o percentual chegaria a 55%. Essa evolução, no entanto, está longe de acontecer.

O estreitamento do espaço entre oferta e demanda cria hoje um cenário instável, em que os agentes não chegam a um acordo sobre os valores justos a serem negociados, nem mesmo para as empresas que já estão no ambiente livre, que são a maioria dos grandes consumidores. "O mercado está com problema para achar um preço de equilíbrio", diz Patrícia. Se na época do apagão, as sobras de energia foram de 14% do que era consumido, hoje essa equação já é de equilíbrio, e há estudos que indicam risco de falta de energia a partir de 2011.

Há cerca de 10% do consumo de empresas do mercado livre descontratados para os próximos anos. Esse espaço está sendo coberto com contratos de curto prazo, fechados no mercado "spot", que comercializa as diferenças entre o montante de energia contratada e de energia medida no período. Essa energia é valorizada pelo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), determinado semanalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) com base no custo marginal de operação, que considera, entre outras coisas, as condições hidrológicas, demanda de energia e preços de combustível no período.

No mês de setembro, por exemplo, com base nesse método, o preço médio do MWh no submercado do Sudeste e Centro-Oeste foi de R$ 149,53. Como o que rege o mercado livre é a regra de oferta e demanda, o preço alto no mercado spot, que é a última alternativa dos consumidores livres, dá margem para as geradoras elevarem os preços da energia a ser contratada.

A Abrace não concorda que o cálculo dos contratos seja baseado no PLD, e defende que o preço negociado para a energia a ser fornecida no ano que vem deve ser por volta de R$ 100 o MWh. "Ainda não temos um mecanismo seguro para estimar o preço da energia futura" , diz Patrícia. As geradoras também concordam que há problemas nesse cálculo de preço, mas segundo Xisto Vieira, presidente da Abraget, entidade que representa as geradoras térmicas de energia, os consumidores livres precisam se acostumar com as mudanças de cenário. "Não é regra que o preço do mercado livre tem que ser menor que do mercado cativo, o normal seria que os dois mercados fossem equilibrados", diz Vieira.

Segundo Pires, essa discussão só é forte por conta da falta de expansão da geração. Caso houvesse sobra maior de energia, as geradoras não teriam como fazer pressão para os consumidores pagarem mais. "A falta de investimento fez que a situação chegasse nesse ponto. As geradoras esperam que o preço suba ainda um pouco mais", diz o consultor.

Os consumidores livres estão tentando buscar maneiras de viabilizar projetos de expansão, mas não têm conseguido comprar energia nova - que é a negociada dos novos empreendimentos -, porque o modelo de financiamento das usinas faz com que os contratos com as distribuidoras sejam mais interessantes às geradoras. Os recebíveis das distribuidoras - suas contas de luz - dão mais garantia na busca de financiamento para o projeto. Além disso, a previsibilidade do mercado das distribuidoras possibilita a assinatura de contratos de longo prazo, de 15 a 30 anos.

Por isso, um dos pontos convergentes entre as comercializadoras e os consumidores é que é preciso construir meios de viabilizar os contratos de curto prazo mesmo para energia nova. De um lado, as empresas consumidoras não se sentem seguras em prever com muita antecedência a necessidade de compra de energia, como é feito pelas distribuidoras. De outro, abrir para a participação dos consumidores livres traria mais investimentos para expansão. "Os contratos de longo prazo são bons para viabilizar a construção de usinas, mas não é o suficiente para o mercado", diz Paulo Pedrosa, presidente da Abraceel, representante das comercializadoras de energia.

Para isso, os consumidores defendem a criação de títulos financeiros que dariam direito de consumo de energia e que poderiam ser comercializados futuramente no caso da energia contratada não ser "usada". Hoje essa energia é entregue para comercialização no mercado "spot", que é muito variável. Já as comercializadoras propõem outro tipo de certificado, que permitiria a investidores a aplicação de recursos num projeto de usina e futura participação nos resultados das vendas.

"O governo não contou que o mercado livre ia crescer tanto e fez um modelo de expansão baseado apenas no planejamento das distribuidoras", diz Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora Comerc. Segundo ele, a opção para quem precisa contratar pequenos volumes de energia são as fontes alternativas, como as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e usinas de fonte solar, eólica ou biomassa. Para Pedrosa, esse é o caminho para o mercado livre crescer no momento. "Hoje o que tem disponível é a energia incentivada, e as comercializadoras estão investindo nisso", diz ele.

No entanto, para as grandes consumidoras, comprar a geração de fontes alternativas é uma saída muita cara. É preferível investir em autogeração, que hoje representa 11% do consumo dessas empresas. Para Paulo Mayon, da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), ainda está longe a época em que haverá uma retomada das migrações para o mercado livre. "O preço da energia nova e mais cara que está sendo contratada hoje pelas distribuidoras ainda demorará para refletir nas tarifas", diz Mayon.

Até que o horizonte de aumento de oferta do recurso seja delineado com mais clareza, a menor oscilação de preços no mercado cativo - que tem valor teto estabelecido em leilão e a tarifa controlada pela agência reguladora - tem se mostrado uma opção mais segura para as empresas.