Título: Tudo sob controle
Autor: Machado, Ana Cristina
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2007, Turismo, p. F1

Teria sido fantástico que tivesse continuado a euforia com o avanço das boas práticas de gestão empresarial no país, refletida, até meados do ano, no crescimento das aberturas de capital e no volume de negociações na Bovespa. A Bolsa paulista emplacou, entre 2005 e 2006, quase 400 empresas listadas, no primeiro aumento do número de empresas desde 1998, e 53 ofertas iniciais de ações no ano passado. Veio, no entanto, o susto com o estouro da "bolha" dos créditos subprime americanos. Apesar de tudo, a nova turbulência financeira e as incertezas macroeconômicas globais têm servido pelo menos para provar que as boas práticas de governança corporativa tornam as companhias mais fortes quando o ambiente é de chuvas e trovoadas. E revelam o quanto essas práticas de transparência, compartilhamento de decisões nos conselhos, respeito pelos acionistas, parceiros, fornecedores e consumidores, ficam incompletas caso o longo prazo não seja levado em conta nas decisões imediatas.

"A governança bem praticada tem como objetivo a perenidade da companhia", resume José Monforte, executivo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBCG), que promove entre 12 e 13 de novembro seu 8º Congresso, em São Paulo. "Queremos debater o papel dos conselhos de administração e dos dirigentes na tomada de decisões que levem em conta o tripé da sustentação no tempo: o uso dos recursos, a inserção da empresa na sociedade e a relação com as pessoas de toda a cadeia produtiva", detalha Monforte. A combinação (ou dilema) entre curto e longo prazo - no jargão empresarial, entre a boa governança e a sustentabilidade -, estará no centro dos debates deste ano.

O Congresso Brasileiro de Governança Corporativa vai discutir "Sustentabilidade e Accountability: estratégia para a perenidade das organizações". Nada mais oportuno. E polêmico. "É muito fácil gerir de olho no resultado de curto prazo, só para satisfazer o mercado de capitais, sem a preocupação com a continuidade desses resultados no tempo", afirma.

Diante do tema do congresso, há os que acreditam que o mercado precisa repensar o conceito da responsabilidade social e ambiental, desligado do objetivo principal das empresas, que é obter lucro. "Vejo o risco de que usem a sustentabilidade para justificar decisões que levaram a maus resultados", afirma uma fonte do mercado de capitais. "Digo isso porque as companhias, e muito mais as de capital pulverizado, têm que ser cobradas por resultados, sim", diz este executivo.

Para José Monforte, o momento é dos mais propícios para encarar a polêmica e levar as empresas a avançar em seus planejamentos estratégicos, com participação plena dos acionistas e papel de protagonista para os conselhos de administração. "A gente não via um Brasil estável há muitas décadas e isso nos coloca num ciclo muito curioso, porque despertamos para uma governança mais correta e estamos tendo tempo de discutir esses temas não a partir de problemas, de fracassos de empresas, de desastres, mas de exigências do mercado." Pensar nas relações com as comunidades do entorno das empresas, com fornecedores, com empregados, consumidores e com a natureza não é, para o diretor do IBGC, investimento em imagem ou caridade. É questão de vida ou morte.

Um especialista no assunto, o Banco Real tem sua marca já associada ao conceito de sustentabilidade. Não apenas porque o tema surge constantemente em campanhas de marketing, mas pelo fato de estar realmente disseminado entre funcionários, clientes, e fornecedores como um dos grandes valores da instituição. O que parece ser uma relação natural resultou de um intenso trabalho de conscientização e construção de novas posturas, iniciado há mais de sete anos. Fábio Barbosa, presidente do banco e mentor da prática na instituição, lembra que as reuniões sobre o tema começaram com um grupo pequeno de diretores até serem ampliadas para um número maior de pessoas. "O primeiro passo foi começar a pensar sobre como seria possível construir 'um novo banco para uma nova sociedade', porque acredito que não é preciso transigir ou apelar para o 'jeitinho' na hora de fazer negócios", diz.

Para o IBGC, entidade que é autora do "Código das Melhoras Práticas de Governança Corporativa", o mais importante manual sobre o assunto, assim como o Real, todo o sistema financeiro está incorporando o conceito. O instituto colaborou diretamente com os estudos que derivaram no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Sustentabilidade (CES) da Fundação Getúlio Vargas, lançado há dois anos e hoje com carteira de 42 ações (de 33 empresas, de 14 setores). E o IBGC inclui os parâmetros sociais e ambientais nos cursos sobre governança corporativa que ministra a uma média de 400 empresas por ano e onde aumenta a freqüência de gestores de empresas de capital fechado.

Embora acredite que a pressão do mercado por resultados financeiros ainda seja o principal vetor nas decisões empresariais, Elsimar Álvares, coordenadora do Núcleo de Governança Corporativa da Fundação Dom Cabral, considera "irrefreável" a tendência a que as exigências de responsabilidade social e ambiental se consolidem como parâmetros de boa governança. "Isso deixou de ser um movimento de marketing. Ainda é tímido, mas vai se fortalecer". A tendência levou a professora e sua equipe a incluírem requisitos de sustentabilidade no seu novo "Modelo Brasileiro de Governança Corporativa", a ser publicado em livro no início de 2008. "Afinal, descontado o romantismo, prejuízos à imagem também significam perda de valor".

A especialista aposta que os mesmos fatores que empurraram as empresas brasileiras - 90% sob controle familiar e cultura "patrimonialista" - a aderir à onda da governança corporativa nos últimos cinco anos trabalharão para generalizar a incorporação de preocupações sustentáveis nos dirigentes. "Os empresários e conselheiros comprovaram que a profissionalização da gestão, a transparência e o compartilhamento de decisões com o conjunto dos acionistas os levaram a obter capital mais barato. Eles sabem que 75% do capital vêm de fora do país, que precisam de alianças, fusões e aquisições para poder competir." Essa mesma pressão do ambiente concorrencial vai, na visão da professora da Dom Cabral, levá-los à adoção de padrões de responsabilidade social e ambiental compatíveis com o mercado globalizado.

Elsimar relata o caso de uma empresa média, familiar, assessorada pela fundação e em plena crise da transição de uma geração de gestores a outra. Com 40% de seu faturamento atrelado a um comprador americano, de capital aberto, o novo gestor demoveu o pai da adoção de práticas "heterodoxas" de gestão ambiental, tendo em vista o prejuízo que as medidas poderiam causar na relação com a parceira e com o mercado acionário americano. "Ninguém vai negociar com a Natura se sua produção polui uma nascente de água", compara ela.

Resultado de estudo que envolveu dezenas de companhias e aplicação em duas empresas-piloto, o "Modelo de Governança Corporativa" da fundação terá três versões: um para empresas abertas de capital pulverizado, outro para empresas abertas de controle familiar, e um terceiro para empresas familiares fechadas. Todas com requisitos e parâmetros de mensuração da sustentabilidade. "Os analistas de mercado já estão analisando com lupa o comportamento das empresas no terreno da responsabilidade social e ambiental", avalia Elsimar, para quem boas práticas de gestão e sustentabilidade têm tudo para andarem juntas. "É importante que princípios de sustentabilidade estejam inscritos em documentos da empresa, como a Carta de Princípios da Camargo Corrêa", exemplifica. "Desse modo, há um alinhamento, um acordo entre os acionistas, algo que é fruto de decisão e de responsabilidade compartilhada."

Fundos de pensão e agências de rating, lembra José Monforte, já estão avaliando a sustentabilidade. E o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), com papel decisivo no fomento à evolução das empresas no país e um dos principais incentivadores das boas práticas de gestão, preocupa-se com que os "movimentos" pró-governança corporativa e pró-sustentatibilidade não fiquem apenas no terreno das grandes corporações. "É importante olhar toda a cadeia produtiva e pensar nas organizações de médio porte também", diz Eduardo Rath Fingerl, diretor do BNDES para as áreas de mercado de capitais, tecnologia da informação e processos. "Elas têm que ser conscientizadas da importância das boas práticas de governança e da sustentabilidade antes mesmo do estágio de abrirem o capital."

Com participação, através da subsidiária BNDESPar, em 180 companhias (das quais 50 diretamente, com ações, e as demais via fundos de investimento), o banco tem assento no board de 50 a 60 empresas de capital fechado. E a essas é preciso educar desde já, no entender de Rath Fingerl. "Quando participamos de empresas fechadas, elas têm que ter conosco o compromisso de abrir capital. Quando elas forem abrir capital, elas já têm que ter a governança e a sustentabilidade incorporadas". Para o diretor do BNDES, responsabilidade com o homem e a natureza é pré-requisito para uma boa governança. "A empresa que quer competir, tem que olhar com preocupação para sua rede de agentes, seus empregados, fornecedores, consumidores, comunidade", raciocina. "Se não o fizer, um concorrente vai ter a vantagem."